terça-feira, 30 de setembro de 2014

Estrutura e humanidade




[Coisas do quotidiano em Paris] Estava a caminhar e passei pelo Louvre. Estavam a desmontar uma tenda gigante. Achei piada à simetria ou linearidade… entre a estrutura e a humanidade. Apenas isso. ;)

Encontros bons



Acabo de viver um encontro muito especial, com um dos refugiados políticos que acompanhei o ano passado. Não vinha sozinho. A mulher, com quem já não estava há mais de 3 anos, veio com ele. Depois de uma grande batalha burocrática, chegou há 2 meses. Pouco-a-pouco instalam-se nesse reencontro, ainda com medo com o que se pode passar com os que lá ficam. Afinal, foi obrigado a fugir do país pela guerra, por ser jornalista e ter denunciado casos de corrupção e abuso de poder. Viveu a tortura de perto… e de longe, com as ameaças à família. Mesmo vivendo ainda este fantasma, toda a conversa foi à volta da esperança… e nada forçada, pelo contrário, transparecia no rosto. Que abraço bom demos o 3.  

[Sobre] Eleições



Valerios Theofanidis


Cada vez que há algum tipo de eleições espera-se o salvador: “Ah, agora sim é que vai mudar!” Há festas, críticas, sorrisos, descontentamentos, gritos de vitória, silêncios de frustração, mas, haverá o essencial? Batalho na mesma tecla: o sentido de responsabilidade por quem irão servir. Servir e não ser servidos. Isto é bonito, mas um dos grandes descréditos na política surge por não se ter em consideração as pessoas. O Povo? O Povo é uma massa abstracta bonita, mas que tem muita gente incógnita, que se desconhece. “Mima-se”, em apelo de “agora é que é”, para os votos, mas depois… desconsidera-se a realidade, entrando ora numa de populismo ora numa de regressão e cortes incompreensíveis, não se dando pontos fundamentais: justiça e humanidade. Sim, estamos em tempos de “fibra óptica”, passa tudo muito rápido, a memória fica curta, misturado com “o meu, só meu, interesse”. Talvez tenha passado ao lado, mas a Frente Nacional (partido de extrema-direita) ganhou pela primeira vez, repito, primeira vez, dois lugares no Senado francês. “Calma, mas estás a falar de Portugal ou de França?” Estou a falar de presente a apontar para o futuro.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

[Arc]Anjos



Johannes Simon


Diz que Deus por vezes é tímido. Ou então, o seu rosto é tão intenso que não é possível vê-lo directamente. Por isso envia anjos. Apareceram a Abraão, um lutou com Jacob, Gabriel encontrou-se com Maria. Mensageiros: mostram a importância da humanidade. Hoje recorda-se os Santos Arcanjos. É dia de trazer à memória e agradecer a quantidade de anjos que acompanham, abraçam, fazem rasgar caminhos, desafiam ao crescimento, não deixam ninguém só mesmo na maior solidão. Tantos de carne e osso, com nome e rosto concretos... meio disfarçados.

domingo, 28 de setembro de 2014

Avivar o dom



[Secção outros tons] “Avivar o dom”. Na essência perceber corações que se escutam, para ajudar outros a escutar, em silêncio da noite: onde a Menina dos olhos ajusta-se à nova luz. Dar-lhe tempo. Tempo feito de nadas, naquele estar em que só os pobres de espírito sabem soprar docemente a brasa que faz libertar o aroma de lavanda (que foi suavemente visitada pela borboleta transformada no deserto). E “enquanto o corpo reposa, vigia o coração amante”. Emocionado, recolho-me em agradecimento. É o tempo da esperança. 

Arte Total



[Secção recordações] Como antigo aluno da Arte Total, em Braga, pediram-me para falar do que esta escola representa para mim. À medida que o tempo passa, vai surgindo história dentro da história de vida. A Arte Total foi a minha base no lançamento do mundo da dança. Joana Domingues, Cristina Mendanha, Teresa Prima foram as minhas primeiras mestres desta arte. Hoje, continua a amizade… e, já que hoje estou numa de falar de aprendizagem, continua o ainda muito a aprender com elas… em conversas, em partilhas e em movimentos. 

Mais infos: http://artetotal-cea.blogspot.fr

Envio de catequistas



Hoje, na Missa na Comunidade Portuguesa onde colaboro, foi o envio dos catequistas na missão de dar o seu melhor na formação na fé de cerca de 200 crianças/adolescentes. Senti-me agradecido diante daquele grupo de mulheres e homens que gratuitamente, mesmo com receios, com mais ou menos experiência, dão do seu tempo e disponibilidade nesta missão. Não é fácil falar de “catequese”. Na entrevista que dei à SIC brinquei um pouco com isto, dizendo que quando se fala de “catequese” ou “bíblia” muitas vezes surge a imagem da “catequista de bigode”, como coisa antiquada com cheiro a mofo. ;) Fora a brincadeira, a formação na fé é algo sério: junta o pensar à fé. A fé sem razão reduz-se ao fideísmo, que pode ser perigoso e levar ao fundamentalismo. A razão sem fé reduz-se ao racionalismo, que anula a possibilidade do Mistério. Se há que repensar a catequese? Sim. Talvez se devesse investir mais na formação teológica e humana de leigos. A Teologia não é, nem deve ser, reservada a padres e freiras. Jesus, no Monte, ensinava a todos. Nunca é tarde para continuar a aprender. 

sábado, 27 de setembro de 2014

Ainda a festejar... em oração com o Papa



As mãos do Papa enquanto rezava o Pai-Nosso

Acabo de rezar Vésperas com o Papa Francisco e os meus Companheiros em Roma. [Vantagens da tecnologia: permitir “estar” lá.] A História é estranha, com toque de ironia. Hoje, nesta celebração de 474 anos da fundação da Companhia de Jesus, também encerramos oficialmente a celebração dos 200 anos da restauração, depois de 41 anos de supressão, com um Papa que é jesuíta. Enquanto rezava sentia a vontade deste serviço universal em fronteiras, mais que físicas, culturais e sociais. Há muito a fazer pelo bem da humanidade, mas esse muito só pode ser realmente bem feito se houver discernimento, como nos recordava o Papa, mesmo e sobretudo em tempos de desolação e crise. Esses, ou direi estes, tempos não são fáceis, são duros para muita gente. Daí que o abraço e a confiança devem surgir de coração que escuta e acolhe a vontade divina, que tem sempre como base o Amor. E, em Igreja, é neste mundo concreto, onde Deus encarnou em Jesus, que também nós jesuítas somos chamados a servir, sobretudo os que vivem a pobreza e a injustiça a tantos níveis, como pecadores amados. 



Abraço de Irmãos

11 anos [dentro dos 474]




11 anos de entrada no noviciado, a acompanhar os 474 da Companhia de Jesus, que celebramos hoje, 27 de Setembro. Muito poderia contar sobre estes 11 anos, dentro desta grande História muito maior que a minha. Em memória agradecida, recordo as pessoas, as conversas, as peregrinações, as aprendizagens, as dores, as quedas, as dúvidas, as confirmações, a fé, os Exercícios Espirituais, o silêncio, o “ser em caminho”... que me têm aproximado a Deus. Um Abraço a todos os companheiros jesuítas, junto com a minha oração ao “Senhor de todas as coisas” por nós, pelas nossas missões e por todas as pessoas que nos ajudam a ser quem somos.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Observar...




Tenho esta característica de ser observador. Talvez a vá apurando, nem sei. Há uma ou outra cor de casaco ou écharpe que me chama a atenção. Ou um gesto, um olhar. Mesmo sendo acontecimentos ou pessoas no outro lado na rua, apercebo-me deles, como se chamassem por mim. Às vezes, ao ver as pessoas no metro, nos cafés, a saírem das lojas, imagino histórias, como se fossem personagens de um romance por estrear. Ponho-me a rir sozinho do ridículo do meu pensamento. Depois, com naturalidade, vão saindo do capítulo. Não totalmente. Há sempre algo que fica, para me recordar que a humanidade é mais vasta do que penso. 

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Deixei-me estar pelo entardecer



[Secção outros tons] Deixei-me estar pelo entardecer. É Outono. Sei-o pelo fogo que apenas queima o olhar, enquanto o fresco novo provoca o abraço. Apoiei-me no parapeito a ver o folhear. Recordei nomes formulados em oração. Num curto espaço, todo o tempo passou por mim. “Charlotte ! C’est l’heure.”, escutei ali mesmo ao lado. Os sinos de Saint Suplice replicavam pelas seis e meia. Ajeitou o laçarote, protegeu-se na mão e continuou no suave crescimento em cada hora renovada. É o tempo que passa, deixando-me estar pelo entardecer. 

"Vaidade das vaidades. Tudo é vaidade"




Kalpana Chatterjee

[Homilia de hoje, cá em casa] “Vaidade das vaidades. Tudo é vaidade”. Pode-se ler este texto do livro de Eclesiastes de forma angustiada, vendo a vida como um ciclo que se repete sem esperança. Vaidade vem do latim vanitas, atis que significa vazio. Tudo é vazio? Sim, sem a esperança de algo mais a vida torna-se vazia. Uahhh… O drama, o desespero do vazio… o abismo. Ok, mas, deixando de lado a frieza desse drama do vazio, podemos dar o passo de o preencher. O útero está vazio… e em cada mês prepara-se para receber uma nova vida. Caso não aconteça, esvazia-se e retoma a preparação. De facto, por vezes é preciso esvaziar o que já não interessa para dar espaço a algo mais importante ou prioritário. Dando um salto, a ressurreição também começa a ser vivida pelo túmulo que está vazio… continha apenas o essencial para perceber que Cristo já não estava lá: as ligaduras que já não prendem e convidam a desprender as nossas. Tudo é vaidade, tudo é vazio, se se perde o encontro com o essencial.


quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Final de tarde "fashion"




[Coisas extraordinárias na vida quotidiana de um padre] "Paulo, fui convidado para ir à inauguração de uma loja. Queres vir?" "On y va !" E de repente estou rodeado de fashionables, top models, etc. e tal. Claro que se mete conversa. [Exemplo de diálogos que se repetiram: "E tu, que fazes?" "Estudo teologia, sou padre." "Wow, 'extraordinaire'! Mas... posso-te fazer muitas perguntas? Talvez não aqui, mas depois?" E lá trocávamos contactos.] Além disto, lembrei-me sobretudo dalgumas amigas que gostam destas coisas fashion. ;)

terça-feira, 23 de setembro de 2014

A importância das trevas



Brice Portolano


[Divagações, depois de ter tido uma boa conversa, a publicar num post nocturno] O primeiro título que me vem ao pensamento é “elogio às trevas”. No entanto, não é um elogio que quero fazer. Apenas reconhecer a importância das trevas, da escuridão, da tristeza, como possibilidade de encontro comigo mesmo, nesse canto do sagrado. [É complexo escrever sobre este tema] Recordo as sessões de psicoterapia, onde as dores dos pontapés e murros que levei, entre os 10 e 13 anos, voltaram a sentir-se neste corpo de adulto. Também essas dores fizeram-me entrar na trevas de mim. Questionei Deus! A sua existência e a sua presença. Mais do que nunca percebi a luta de Jacob na escuridão. A visão estava-lhe vedada. Apenas podia escutar e sentir, enquanto lutava. Daqui ganhei um respeito muito grande por quem vive fases de trevas, escuridão e tristeza. A felicidade não é passo rápido. Nem Deus é passo rápido: há que respeitar o silêncio de Nome, evitando invocá-lo em vão. A descoberta seguinte, sem entrar na questão de tempo, é a Liberdade.

Desabafo...



Dina Goldstein


[Desabafo depois de ver o anúncio publicitário a determinado programa] É fácil pôr as culpas no programa, mas limita-se, pelo que percebo, a continuar o que muitos indirectamente pedem. Será, aliás, já deve estar a ser visto, comentado, com os participantes a serem votados e igualmente comentados, por muita gente, tornando-se exemplo ou símbolo da degradação humana. E o incrível? Serem louvados por isso! Não sou dado a puritanismo… apenas fico incomodado quando se exalta o mau da condição humana, tornando isso digno de espectáculo para milhares consumirem. O consumo desenfreado empequenece. Cita-se muitas vezes (algumas mal) o famoso “a religião é ópio do povo”. Marx, naquela altura, não conhecia a actualidade de alguma programação portuguesa.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Há 17 anos, neste dia...




Há 17 anos, no dia 22 de setembro de 1997, com 17 anos, levantei-me cedinho, bem cedinho, para ir a Faro. Um dia de muita emoção e agitação, nervos, com ansiedade de “a vida vai mudar”: a universidade, entrar na medicina veterinária que tanto queria e sonhava desde criança. Até teria a ajuda de Deus, com a rosa colocada em cada sábado na capela do Santíssimo. O dedo corria a lista, deslizava pelos “Paulos”, até chegar ao nome certo. Encontrei-o. [Silêncio] “Não colocado”! O dedo fico parado, começando a ecoar em mim o vazio, os ombros a abater, a cabeça a baixar. Regressei a casa fechei-me no quarto, deitei-me na escuridão sentindo-me a nulidade em pessoa. Os meus pais abraçaram-me, também a Suzanne e, cada um ao seu jeito, disse-me: “És mais que uma entrada na Universidade!” Nessa tarde, no sítio onde cada rosa era depositada em cada sábado, agradeci a Deus a vida. Sem saber o misterioso caminho que ainda iria percorrer. Hoje, 17 anos depois, sorrio e agradeço a Deus as frustrações, ter vivido esse vazio de mim, o conhecer a tristeza e a capacidade de não ter ficado aí preso. Há 17 anos, levantei-me bem cedinho para ir a Faro, com a ansiedade de “a vida vai mudar”… e, inesperadamente, mudou. 

domingo, 21 de setembro de 2014

Entre pontos e cansaço



Huynh Jet


Estávamos 16 pessoas à mesa. Tão diferentes. Mais ou menos conhecidos uns dos outros. Alguém e algo nos unia. Celebrámos a sua vida e também a forma como nos vamos descobrindo em Corpo com a sua ajuda. Eu, padre, estava entre actores, administrativos, bailarinos, enólogos, encenadores, professores, psicoterapeutas, vizinhos, estilistas. Ausentei-me da mesa e quando voltei apanhei uma conversa a meio: “…quando se faz a casa do botão desta forma, há que dar um determinado jeito de mão com a agulha no puxar da linha, repetindo-se para ficar este arredondado. A posição do corpo tem de ser esta, para não cansar o movimento. Os pontos ressentem-se quando o movimento está cansado.” De regresso a casa, pensei nesta conversa e recordei alguns cansaços meus e em como vou percebendo que muitas pessoas estão cansadas… de si, dos outros, da vida… porque a sua “posição de corpo” não é a adequada. O medo, a vergonha, a pressão social, o falso pudor, fazem com que o corpo seja desconhecido e os “pontos” da vida ressentidos. Ainda há quem estranhe quando dou como penitência dar um abraço a si próprio… e depois a outros. ;) Estávamos 16 pessoas à mesa. Tão diferentes. Falou-se de Corpo e de pontos que se ressentem com o cansaço do movimento.

sábado, 20 de setembro de 2014

Horas da noite



Francesco Filippo Pellegrini


[Secção outros tons] Se a noite tivesse horas certas, rígidamente programadas? Não me intimido. Desço do lençol e danço, enrolado no silêncio que faz ouvir as estrelas. E se o nevoeiro da culpa aparece, deixo-o passar incógnito para não despertar ninguém.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Por duas vezes emocionei-me hoje.




Por duas vezes emocionei-me hoje. A ler e a escutar. Depois: um grande passeio, estando com um companheiro a pôr conversa em dia. Apesar do muito nesses passos, uma ou outra vez recordei essa luta e certeza de que se quer abraçar encontros, com rosto e nome saídos das entranhas. Volto a ler. Comovo-me, sim. E tantas outras histórias flutuam no pensamento, bastantes dadas a conhecer porque também vou partilhando as minhas. Agradecido pelos “novos poderes” que dão força renovada a esta minha missão de dar vida e que mexem com tanta gente. Mas, serei eu que mexo ou é o que vou deixando que Deus faça em mim, também através dos outros? 


[Foto: Auto-(sem)-Retrato, percebendo que os reflexos (de outros) desmontam e ajudam a ver novas perspectivas. Sigo em construção… ou a ser criado.]

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Frescura de essência de Mulher



Tytia Habing


[Secção outros tons] Segredou-me o silêncio da alma. Há muito que não narrava a “podridão de si”. Nem uma só palavra. Apenas gestos. De olhos baixos, como se de verme tratasse, sentia o queimar dos olhares reprovadores que transpiravam nojo nas 4 letras fatídicas que cospem a situação de mulher vendida. Nada mais ansiava, apenas a frescura de reviver o dom de essência de Mulher. Fechei os olhos, tal era a fragrância… e a suavidade do toque humedecido pelas lágrimas. A fé não se compra. E foi a dela… “a tua”, disse-lhe… que a elevou ao olhar dos que sabem amar.

Obras em casa



Dave Rodden-Shortt


Há obras cá em casa, no último andar. Os sons do costume de reajustes, de partir pedra e furar paredes, aplicando novidade à estrutura de raíz. No meio disto rezo. Tenho vivido uma oração mais contemplativa, deixando-me estar diante do rosto de Cristo em ícone, sentindo e agradecendo a minha respiração. Brrrrr…. Trróóóó…. Brrrrr…. e eu: “Grrrr!! Tirem-me deste filme!” Lá se vai a contemplação. Vontade natural de fugir, de reencontrar um espaço calmo para estar aconchegado. Abano a cabeça. Olho o Cristo. Sorrio. “Não pode ser. É este o filme. É esta a vida.” E na contemplação, deixo que as obras aconteçam, não só no último andar… também em mim.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

PGA 1609



[Coisas de nada, mas que, enfim, têm o seu quê] Estava a passar as fotografias do telefone para o computador e lembrei-me que tinha tirado uma ao pormenor da data e da hora de ontem. Não é só a piada de números iguais. O 1609 era o meu número de PGA. Toda a bendita, ou melhor, bem-escrita assinatura nas folhas de bares, pedidos de facilidade de escalas, pedidos de folgas em dias específicos, recibos de ordenado, etc e tal, tinha de levar o número ao lado. Aviadores: com isto volto a pensar em vocês. Bons voos! Bons descansos! Ass: PSilva 1609 ;)

A minha homilia de hoje, cá em casa



Robert Davies

A exaltação do amor, na sua tradução em caridade é o que a liturgia nos apresenta hoje. Estas palavras de São Paulo aos Corintios são bastantes conhecidas e se mergulharmos a fundo obrigam a revolver as entranhas, a converter o nosso olhar e a nossa acção no quotidiano. Convidam à humildade de amar: não a partir da posse, mas da liberdade… saindo do voluntarismo, entrando na doçura da entrega discernida a partir da caridade comigo e com os outros. Estas palavras, fazendo ligação com o Evangelho, convidam ao crescimento, ao amadurecer dos sentidos, desenvolvendo o respeito pelo diferente. 

Quem se fica no pequeno enquanto realidade mesquinha, vê mal em tudo. Quem não deixa que seja o amor a penetrar as entranhas vê apenas desinteresse. No fundo, o que fala mais alto nas pessoas que pertencem a esta “geração” de maldizentes acaba por ser a inveja ou a dor de não ter ainda sido capaz de dar o passo de liberdade na força da denúncia da injustiça a partir da sobriedade, como o fez João Baptista, ou na capacidade de viver e mostrar Deus de forma diferente, na festa e na alegria com todos… sem excepção, como Jesus.  

O convite, hoje, é deixarmo-nos entranhar por esse amor que abre horizontes, que deixa que o olhar, o escutar, o tocar, o saborear, se expandam de forma misericordiosa. Na força da caridade reside a sabedoria de Deus. 

[Para as leituras de hoje: 

[Para ouvir em grego a famosa passagem de S. Paulo aos Corintios, mais conhecido pelo hino da caridade na interpretação de Zbigniew Preisner: http://youtu.be/R6ON3iA_boQ]


terça-feira, 16 de setembro de 2014

Conversas e ser moldado



Jim Richardson

[Secção outros tons] As conversas moldam o ser. Naquela troca de olhares onde as palavras ganham cor cerúlea, acompanhadas de matizes pôr-de-sol. Sente-se calor ao escutar: “estás em transformação!” A agitação dos sons circundantes não deixam perceber o imenso do que está a ser inesperadamente dito. Se fosse em silêncio, tombaria como o profeta que fora tocado por brasa, sentindo que jamais será abandonado por Deus. Regresso a casa. A vida continua. O ser levou mais um retoque. Impede-se que a argila seque, deixando que continue a ser moldada em conversas.

Coisas que poderiam ser sobre o sucesso...



Mark Tipple


Estava a rezar e surgiram novamente as imagens das fotografias que publiquei no post anterior. Voltei-me a rir enquanto pensava como as mudanças surgem e no imenso que acontece na vida. Recordei um anúncio e uma ou outra figuração que cheguei a fazer. O mundo da moda estava-me a fascinar, mas eu era preguiçoso o suficiente para não ter de preocupar-me em excesso com a imagem. Num ou noutro casting, quando já nos íamos encontrando os mesmos, fui metendo conversa. Recordo uma rapariga [em especial o olhar e a voz] que me disse mais ou menos isto: “Sem me permites um conselho, nunca te vendas, nem faças deste mundo a tua referência. Há gente de sorte e há outros que pagam por essa sorte. Enquanto possas diverte-te e aproveita, mas assim que começares a sentir-te preso ao sucesso, cuidado, torna-se tipo droga.” Ainda hoje este conselho, em especial sobre o sucesso, ajuda-me. Acabei a oração a pedir a Deus a graça da liberdade. :)

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Outros tempos, em modo "fashion"




[Secção outros tempos em modo “fashion” :p ] Estava em arrumações de papelada de estudos e faculdades e essas coisas todas… e dou com o meu pequeno “book”, dos tempos em que estava inscrito numa agência de modelos. Já soltei uma boa gargalhada a rever as fotos... com cabelo!! ;) É impressionante a quantidade de coisas por que passamos. É o que digo: a vida não pode ser pequena e a história tem mesmo muitas estórias. Bem, vou agradecer o tanto vivido e a seguir “fechar a loja” por hoje. :D






Há sempre algo na vida vivida



Jhulan Mahanta


Desde há pouco mais de ano e meio que vou escrevendo um post diário, às vezes dois. Tenho optado pelo género literário partilha, mesmo correndo o risco de “ego”. Não me considero escritor, em respeito por aqueles que realmente o são. E não é falsa modéstia. Talvez um dia. Tal como me vou apurando na dança, no movimento, no corpo. Profissional não serei. Por enquanto, vou sendo um pouco mais conhecedor. Nas palavras ou nos gestos vou-me inspirado na realidade: do banal ao extraordinário, no que vivo ou que outros vivem, no desenrolar do dia, na oração ou nalguma conversa ou acontecimento que me deixa a pensar ou revolve as entranhas. Em cada canto, se estou atento, “des-cubro” manifestação divina. São muitas as vezes em que volto ao que escrevi, levando-me a ser coerente ou, então, perceber as mudanças no que re-escreveria. As histórias, como costumo dizer, são inacabadas. O fim já nem sequer é a morte… talvez seja a ignorância sobre cada qual e sobre as possibilidades da vida que vai para além do respirar. Nisto, sabendo que as 2.ªs-feiras podem ter ar dramático, deixo que comece uma nova semana, mesmo que possa ser aborrecida. Já é algo. Há sempre algo na vida vivida.

domingo, 14 de setembro de 2014

Desafios



Christophe Debon

Tenho recebido alguns desafios para partilhar sobre uma passagem bíblica e sobre 10 livros. Refiro alguns dos que me obrigaram a pensar, a rever a minha vida, que fazem recordar a infância ou alguma etapa, que me apetece reler. Deixo em lista, sem que sejam numerado.

Passagem bíblica:
“Estou a fazer algo novo, já está a germinar: não estão a notar?” [Is 43, 19]

Livros:
“História Interminável” - Michael Ende
Evangelho de S. Lucas 
Evangelho de S. Marcos
“Autobiografia de Sto. Inácio de Loyola”
“Paciência com Deus”- Tomáš Halík
“Memórias de Adriano” - Marguerite Yourcenar
“Diário 1941-1943” - Etty Hillesum
“Pedro Arrupe” - Pedro Miguel Lamet  
“Sueños en el umbral” Fatema Mernissi
“Anti-Cristo” de Friedrich Nietzsche

sábado, 13 de setembro de 2014

Questões de credibilidade...



[Ainda coisas de Campo de Férias que vêm à conversa] Estou de fim-de-semana comunitário, onde se faz o acolhimento dos novos que chegam. Somos 17, de 8 nacionalidades diferentes. Conversa aqui e ali, e o Verão e actividades, e isto e aquilo e mostrei esta foto, em linha 60's. "Quando foi isso?" "No Campo de Férias, na chegada dos participantes." "Mas... não tiveste receio de perder a credibilidade como padre?" "Hmmm, acho que, pelo contrário, ganhei. Afinal, ser padre não é aborrecido. Também tem de 'roubar' sorrisos e dar animação quando menos se espera." 

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Da janela... às mãos.



Da janela entra o conforto do sol, em diálogo com a brisa. A temperatura está amena. Não se trata de tempo, mas da serenidade que este momento poderia proporcionar. Ouço uma música que tinha deixado em standby na saída de Paris. E em descontração dou uma vista de olhos pelas notícias. Sinto o coração a agitar, as entranhas. É tanto a acontecer. O mundo está em reboliço: o de cada coração humano e aquele que todos abriga, girando, ora no silêncio da escuridão, ora na expansão do sol que nada deixa esconder. À minha volta, livros e artigos que tenho de ler, os vidros manchados pela chuva de Verão a pedir limpeza, as respostas a dar sobre o que fiz ou que pedem conselho. Reconheço a fragilidade de mim, de corpo, de carne, de silêncio. Farei o que me é pedido. O mundo não está nas minhas mãos. Nelas reside somente a capacidade de pô-las ao serviço.


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Do engano à autenticidade


Erin Smith


[Coisas do quotidiano em Paris, mas que poderia ser em tantas outras partes do mundo] Desta vez não tirei foto, como há tempos com os sapatos. Havia que proteger a identidade de alguém que protegia o sentir. Talvez não se possa dizer protecção, será mais mascarar. Ao longo da viagem, de uma estação para outra, ia tirando selfies, com sorrisos tão bonitos… que logo caiam. Numa das vezes até encheu as bochechas de ar. Foi apenas naquele segundo para a foto. Rapidamente voltou ao semblante transformado em solidão. Assim ficou, mais um pouco, com olhar de fundo. Emocionou-se. Lá teria as suas coisas. Saiu na estação seguinte. Continuei em viagem: agradeci a sua vida… e pensei nas vezes que me enganei a mim mesmo com sorrisos, em tempos que apetecia chorar. Recordei a liberdade e leveza que senti quando comecei a viver a riqueza da autenticidade.

Post mais "escuro"



Mitch Dobrowner


13 anos de 11 de Setembro. O mundo começou a ver com outro olhar a possibilidade do mal. Directa ou indirectamente, milhares morreram… e continuam a morrer de forma desumana. O fundamentalismo, seja de que tipo for, não me canso de dizer, é abominável. Esta semana, três Irmãs xaverianas, com idades entre os 75 e os 82 anos, foram brutalmente assassinadas, não directamente por questões religiosas, mas sobretudo por darem apoio a mulheres vítimas de violência doméstica no Burundi. Cristãos são despojados da vida: as mulheres a serem violadas, muitos outros assassinados, milhares desalojados. Budistas continuam a lutar pela honra do Tibete. E muitos mais exemplos poderiam ser dados. Sim, o post de hoje é mais “escuro”. Ajuda-me a recordar que também em nome de Deus não posso baixar os braços na luta pela justiça e dignidade dos povos. Ajuda-me a agradecer o dom da vida e as possibilidades que tenho em ir mais longe nessa luta… na dádiva de vida, começando na oração e na simplicidade do ritmo do quotidiano.


quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Regresso aos passeios em Paris



Steven Greaves


Retomei os passeios por Paris. A agitação da cidade e a tranquilidade de mim. O estilo, a moda, as cores daqui, tendo o pensamento no pôr-do-sol português. Os contrastes normais, quando a vida não nos passa ao lado. Este foi um Verão muito intenso, em que muito caminho foi feito. No quarto, voltando ao mega-espelho, descalço-me, danço, e vou deixando que aos poucos as raízes dos acontecimentos ajudem a sedimentar novos tempos  nas conversas, nos (re)encontros, nas histórias partilhadas. Sim, ajuda a mudança de registo para perceber que podemos voltar ao mesmo, não sendo o mesmo. E o caminho vai transformando… sobretudo, quando a vida não nos passa ao lado.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

De viagem... Até já Paris!




Primeiro pensei no “Vou partiiiir… naquela estraaaaada”, mas depois apercebi-me que o Clemente fala de uma relação amorosa que acaba. Não é de todo o meu caso. Ora, no “youtubér” aparecem outras referências. E cá está a música da partida do emigrante (fazendo as devidas adaptações à minha condição de padre ;) )… É verdade que muita gente sofre(u) na partida para a emigração. No entanto, sempre que possível, parece-me que há que levar as coisas com humor. Brinco, mas lá vou eu ao misto de sensações. Apetece regressar, sim: há bom trabalho a fazer em Paris de França, tal como amigos para abraçar. Mas, oh, apetece ficar também. Por isso, um bom sorriso (não “deixo mulher a chorar”… :p ) e vamos até Paris. Tenho para mim que Deus garante-me boas surpresas por lá… É isso, se estivermos disponíveis, Ele apresenta-nos sempre algo bom, muito bom, tal como viu no final de cada dia da Criação. Até já Paris!!! :D

domingo, 7 de setembro de 2014

"És capaz, não temas"




Num dos meus passeios tive de tirar esta foto. Tanta gente me passou pela cabeça a quem poderia dizer isto e mostrar o sentido obrigatório de “seguir em frente”. Claro que nas grandes decisões é necessário parar, para se perceber para onde se quer ir… ou para onde é para ir, mesmo que o apetite não seja muito. Obviamente que para trás não dá para voltar. No entanto, pode-se e deve-se olhar, fazendo também uma revisão de vida, como ajuda a perceber o caminho feito, seja qual tenha sido. Em linguagem inaciana: fazer discernimento diante de Deus, percebendo onde se pode encontrar o sentido nas decisões a tomar. Claro, depois é tomá-la(s) e seguir em frente. Mesmo que não seja fácil, “és capaz, não temas”!

sábado, 6 de setembro de 2014

Recordações: índio? Nã, mais Super-homem




Durante a tarde, celebrei Missa no infantário gerido por um companheiro jesuíta desde há mais de 30 anos, o P. Domingos. Apesar de ainda ter sido num edifício diferente, estive no “infantário do Sr. Padre” dos 2 aos 6 anos. Hoje, quando cheguei, vi o cartaz que os pequenos do ATL me fizeram. Ri-me com as fotos do carnaval de há uns anos. Um tesourinho que confirma a minha diferença? rebeldia? não ser convencional? acreditar em que poderia voar um dia? Nesse ano a minha sala foi toda mascarada de índios... excepto eu. Sim, quando era pequeno tinha um fascínio pelo Super-homem, querendo voar e ter poderes para ajudar os outros, tal como ele. Não sou Super-homem, mas voei e tenho novos poderes, a partir de Deus, para ajudar os outros. Ah, e mantenho algo de fora do convencional... enfim, respeitando o grupo: se se reparar também pus como os outros pinturas de combate. ;) Outro "ah": Sou dos que acredita que os sonhos se podem realizar... talvez em modos diferentes, mas podem. Claro está, é preciso trabalho! ;) Bons voos... e bons sonhos! ;)





Ajuda... com outro.



Viet Thanh Nguyen

Quando passei pela fase New Age (Nova Era) li bastantes livros de auto-ajuda, de libertação pessoal, de sentir as energias e a vida, etc. etc. Em seu tempo ajudaram, é certo. Tem o seu quê de positivo. No entanto, apercebi-me que ficar no “auto-ajudar-me” tinha o perigo de me achar salvador de mim próprio. Como é óbvio, o primeiro passo tem de ser pessoal. O problema surge quando esse caminho é feito de tal maneira isolado que se perde a noção do perigo de apenas ver o que eu acho, o que eu sei, o que eu vivo, tornando essa realidade única e absoluta. Pois, o mundo vai para além do meu umbigo, a minha pessoa vai para além da minha visão isolada das coisas. Vai daí que uma boa conversa, ou conhecer outras pessoas, em jeito de partilha com amizade, no fundo, com disposição de ver outras perspectivas, pode ser oportunidade para abrir horizontes e dar outro sabor à própria vida.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Há dias...



Há dias em que a única escrita possível é a da contemplação… e nela, deixar que as pessoas, os acontecimentos próximos e distantes, a vida, no fundo, a humanidade, ganhem tons de maresia e de infinito. 

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Novos amigos



[Coisas extra-quotidiano na vida de um padre] Sempre fui dado a fazer novas amizades... mesmo que para muita gente possam ser estranhas. Estive de conversa com a Tinny e o Balu. São de grande simpatia... sobretudo depois de um peixinho.  ;)

O brinco perdido



Não fosse o plural, diria que teria sido a Rapariga a perdê-lo. Não seria modelado em lágrima, mas de certo provocou a comoção, quando num passar de mão pelo cabelo sentiu o silêncio no gesto junto à orelha. Percebe-se ser especial: de herança ou de oferta de amor? Nem todos os valores se reduzem ao económico. Há peças, obras, objectos que não têm preço. Apenas o valor único e especial de terem sido invisivelmente gravados com nomes, datas e locais guardados na memória… ou recordação. O papel enrugado segreda que já havia dias que ali estava, em anúncio esperançoso. Já foi há umas semanas que o vi. Ainda assim, algumas histórias passam-me pelo pensamento. Seja como for, espero que se encontre o que pode estar perdido. 

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Nevoeiro... [depois, a beleza do caminho]




[Em jeito de pausa] De repente junta-se muito: recordações, vontade de estar com tanta gente, ou simplesmente de silêncio para rever as muitas emoções dos últimos tempos. Dá-se mais um passo no mistério desvelado do que sou e do que posso fazer nos outros. Antecipa-se partidas. Faz parte. Diante do mar, vendo as pessoas a caminhar, fitava o infinito: “Agradeço-te… até mesmo o que não entendo.” Fechei os olhos. Chegava-me a imagem do nevoeiro da semana passada. Gosto do silêncio do nevoeiro. Nele também encontro refúgio. Até se dissipar e voltar a ver a beleza do caminho.