Jobit George
Neste início de tempo lectivo, partilho o texto “Educar para os sentidos” que escrevi para a Revista da Misericórdia de Santo Tirso, publicado na edição de Julho 2017.
A educação é tema complexo... e, tal como o ser humano, nunca assenta em neutralidade. A nós, jesuítas, sempre nos apaixonou desde cedo. Santo Inácio de Loiola, o nosso fundador, apercebeu-se da riqueza que era formar pessoas, dando-lhes valor e dignidade pela aprendizagem em “letras e virtude”. A pedagogia inaciana, inspirada nos Exercícios Espirituais, conduz a que a pessoa desenvolva e explore os seus talentos, com liberdade de pensamento e religião, em serviço da humanidade. Não é por acaso que o lema dos nossos colégios é o de “Educar para Servir”.
Indo à etimologia de Educar, chegamos ao latim educare/educere, com o sentido de conduzir, direccionar, orientar para fora. Em modo simples, poderíamos dizer que é ajudar o outro a encontrar sentido na sua vida, dando-lhe ferramentas humano-afectivas e intelectuais. Que significam essas ferramentas humano-afectivas? Da minha perspectiva, têm que ver com a atenção que damos aos sentidos e à afectividade. É o que exploraremos neste breve texto.
Antes de falar dos sentidos e da afectividade, é de me deter um pouco sobre a questão da corporeidade. É sabido que não temos um corpo, mas que somos corpo. Este ser corpo implica as várias dimensões que o compõem: biológica, psicológica, racional, social e espiritual. Estas dimensões vão interagindo entre si. Pensando na educação, por exemplo, se houver cansaço biológico, não se alimentar adequadamente, a dimensão racional será afectada, provocando nervosismo por não se conseguir realizar uma prova. Ou, se, para além de pressões sociais para esta ou aquela nota, houver descontração na realização de um projecto com base num gosto pessoal, surge a serenidade e o ânimo. Cuidar do corpo que somos, implica o cuidar pessoal, com a totalidade do ser.
A nossa realidade enquanto pessoas é marcada pelo corpo que pode ter características de individualidade, o “eu”, e de comunidade, o “nós”. Se somos corpo, também somos algo fundamental: corpo em relação. Afinal, apelando à dimensão social, inevitavelmente estamos limitados a determinado tempo e espaço, implicando a presença de determinada cultura na nossa vida. Essa cultura, que começa a entranhar no ser já desde a concepção, vai-se desenvolvendo no modo como se educa a criança, tanto na tomada de consciência de si, da sua individualidade, como da sua presença na primeira comunidade que é a família.
A consciência da individualidade está muito relacionada com os sentidos. A visão, a audição, tacto, o paladar e o olfacto, na sua organicidade, permitem-nos orientar na nossa presença no aqui e no agora. No entanto, se aprofundarmos um pouco mais os mesmos sentidos, a presença no aqui e no agora humaniza-se. A educação ajuda a ver para além do olhar, a apurar a escuta para além do que se ouve, a deixar que o toque seja transmissor de segurança e de respeito, a permitir o saborear da vida nesse alimento que pode traduzir história e memórias, em conjunto com o aroma que fala de lugares e de pessoas. A criança, antes de qualquer racionalidade, começa a descobrir o mundo a partir dos seus sentidos, conhecendo-se enquanto corpo que é, afectando-a, deixando marcas.
Falar de afecto é falar igualmente de relação. O que é que me afecta? Mais do que “abracinhos” e coisas fofinhas, o afecto é básico na nossa formação enquanto pessoas. Não é coisa de meninas ou de mulheres, mas de todo o ser humano. Entre experiências e acontecimentos, são muitas as referências da importância do afecto e do carinho nos primeiros tempos de vida. Educar, direccionar para fora, implica mesmo estimular a partir do afecto. Vamos entender, claro está, o afecto no seu sentido positivo. Se houver um meio agressivo, de violência, de falta de amor, a criança também recebe esses estímulos. A criança no início do seu desenvolvimento é totalmente afectiva. Assim, todo e qualquer estímulo deve ser de cuidado, de carinho, de confiança. O modo como se educa afectivamente vai marcar a personalidade da criança.
À medida que cresce, a racionalidade vai ganhando espaço. Então, nesse envolvimento cultural, a criança começa a imitar os comportamentos de quem está mais próximo: pais, outros familiares, educadores escolares. Nós aprendemos por imitação. Não adianta muito dizer algo quando o que faço é o contrário. “Não se grita às pessoas”, quando o modo de falar é aos berros com a mulher ou marido, ou o vizinho, ou com quem não se gosta. É fácil perceber que qualquer coisa não vai bem com quem é azedo nas palavras e nos gestos. Não, não é uma questão de personalidade, mas de problemas afectivos, consigo e com o mundo. Formar-se para educar afectivamente não é restrito ao exercício maternal ou paternal, mas de todo o educador que lide com crianças. Se a personalidade pode ter características genéticas, muito se deve ao modo como se educa.
Para se educar é preciso ser-se paciente. Para se ser paciente é fundamental ter-se tempo para o poder dar à criança. As crianças sentem muito a nossa tensão ou descontração e reagem a esse mesmo estado. Em geral, as crianças irrequietas, são-no por viverem sob stress dos educadores que as envolvem. A criança é criança, não é um adulto em miniatura, necessitando de atenção. Educa-se a criança no seu espaço e tempo, sem que seja a partir da agressividade, mas da confiança. Muitas vezes surgem modos de educar que forçam a criança a cortes bruscos: “não pego ao colo para não se habituar mal” ou “tens de comer isto ou aquilo”. O forçar é agressivo. A criança por ser mais afecto que razão, tem de conhecer pelos sentidos. Dar-lhe tempo para descobrir as cores e os sabores, dar-lhe espaço para sentir o carinho pelo toque e, pouco a pouco, a descoberta da liberdade a partir da confiança e da segurança.
Educar para os sentidos, é despertar a orientação, é dar sentido ao crescimento seja de quem for que nos é confiado, ajudando a que a pessoa seja o que é chamada a ser na sua plenitude.