domingo, 24 de setembro de 2017

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Jonathan Ernst/Reuters

[Secção pensamentos soltos após leitura de algumas páginas da recente carta de “correcção filial” ao Papa francisco] Cheguei há pouco de Soutelo. Estive a orientar Exercícios Espirituais. Sinto-me profundamente agradecido por ver como Deus trabalha no coração de quem se deixa amar em verdade… em profunda verdade consigo mesmo e com Ele. É um desafio estranho, que nos pode levar por caminhos de maior abertura ao imenso que Deus nos pode propor. Além do mais, a beleza da conversão, em perceber como se podem derrubar pequenos e grandes ídolos, até mesmo de imagens de Deus, chegando um pouco mais ao “Deus clemente e compassivo, justo e cheio de misericórdia” que o Salmo de hoje nos recorda. Também tem que ver com o Evangelho de hoje: todos recebem um denário: tanto os que trabalharam o dia inteiro, como os da última hora. Todos recebem o mesmo. Injusto? Sim, se não se compreender o amor de Deus. 

Depois da chegada, passo os olhos pelas notícias online e vejo que houve a publicação de uma carta de “correcção filial” ao Papa Francisco. Só o título da carta causa-me bastante incómodo, junto com o uso do sete, número bíblico da plenitude, na enumeração das “heresias”, ainda mais escritas em latim. Comecei a ler e apenas continuei por esta mania minha de tentar pôr-me no lugar do outro sem julgar. Mas, chega a um ponto que, de momento, não consigo seguir para mais páginas, já que me apercebo da falta de conhecimento do terreno, da “adamah”, das vidas concretas das pessoas, em resumo, do sério sentido do mistério da Encarnação. Ecoa-me o evangelho, onde os trabalhadores de todo o dia gritam a injustiça, em atitude de corrigir o dono da vinha: “Estes últimos trabalharam só uma hora e deste-lhes a mesma paga que a nós, que suportámos o peso do dia e o calor.” 

O preâmbulo de que são movidos pela fidelidade a Jesus e amor à Igreja, impele à “correcção”, com as justificações bíblicas e teológicas para o fazer, levando à acusação de heresia. Isto porque algumas publicações e afirmações do Papa Francisco provocaram escândalo. Mas, que tipo de escândalo? De se deixar de segregar pessoas? De se abrir portas às conversões profundamente humanas e espirituais sem ser ao ritualismo? De ajudar a que as pessoas possam conhecer o Deus da liberdade que tanto incomoda a quem gosta de ter gente subjugada a regras moralistas e castradoras? De promover a possibilidade de dar a conhecer uma Igreja que acolhe, recebe, compreende, porque ela mesma, Igreja, recorda que se envolveu com o poder que a levou a rejeitar, segregar, inclusivamente matar, percebendo, então, que por aí não era o caminho? Vamos ver, que se possa discutir teologicamente, também a partir dos dados que todas as ciências na actualidade  nos dão, os argumentos, as interpretações, de forma construtiva do modo a ajudar a crescer este grande Corpo místico de Cristo: bendito seja Deus. Agora, que se queira, sete séculos depois, na atitude paternalista que tanto jeito dá em subjugação, repetir a “correcção filial”, é de andar-se a desejar o poder que não é de Deus. 

Francisco continua a não responder a este tipo de atitudes. A melhor resposta é o testemunho. Podem fazer muito ruído com argumentos de “escândalo” e de “promoção de perda de unidade e da fé católica”, mas a autenticidade com que Francisco mostra o profundo amor que tem por Deus e pela Humanidade, é silêncio habitado por justiça de, voltando ao Evangelho de hoje, quem dá o igual pagamento a todos. Isso, para quem quer ser segregacionista, é difícil de suportar, percebendo-se facilmente a amargura nos seus corações. Quer queiram, quer não, a grande manifestação de fé é a alegria de quem é capaz de amar profundamente o Deus do amor e o próximo como a si mesmo.

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