[Secção pensamentos soltos sobre Halloween e Todos os Santos] Desde pequeno que o mundo da fantasia e do fantástico me fascinou. Tenho a dizer que em parte até me salvou. Explico: na sessão de psicoterapia em que pela primeira vez me dei conta das dores contidas do bullying de há anos, voltando a sentir as dores dos pontapés e os gritos, solucei em lágrimas. Às tantas, a Asu pergunta: “o que te salvou?” Sem hesitar, recordando o livro e filme A História Interminável, respondi: “a fantasia!”.
O mundo simbólico, de que também muito podemos encontrar nos textos bíblicos, abre muitas perspectivas. Quem diz o mundo simbólico, diz também o fantástico, inclusive o tenebroso. Os monstros, fantasmas, vampiros, bruxas, demónios, seres das trevas, mostram o lado desconhecido da alma e da vida a que é necessário dar nome e amar. Libertar as crianças, os adolescentes e os adultos do medo só acontece quando enfrentamos precisamente os medos e males escondidos no mundo interior. Por vezes tem de ser com humor. Sem grandes rasgares de vestiduras por vir de outras tradições. Não me parece que se invoque o mal. (Também em nome de Deus, infelizmente, se fez e faz muito mal com aparência de bem em imposições moralistas de culpa e pecado.) Os fantasmas devem aparecer para ter nome e assim dissiparem. Os vampiros para serem amados. Os monstros para serem curados de traumas vários.
Os santos foram os primeiros a atravessar as suas noites tenebrosas, enfrentando os demónios que os dividiam. Com a ajuda de Deus fizeram dos seus combates espirituais caminhos a chegar à compaixão e anúncio de vida. Quando enfrentamos os monstros pessoais, com a ajuda de Deus, ganhamos liberdade diante de tradições que podem não ser nossas. Atravessando-as, ganharemos o Pão por Deus de alma e vida, com nova luz. Hoje compreendo que não foi a fantasia que me salvou, mas a criatividade de Deus que permite, desde o simbólico, ir a outros mundos buscar forças para sermos mais livres neste, combatendo as trevas desde o amor e o humor. Sem sustos e com muita alegria.