sexta-feira, 3 de junho de 2011

Voos, tripulantes de cabine e realidade de vida!


No passado dia 31 de Maio celebrou-se o dia mundial do tripulante de cabine. Muitas recordações surgiram: de amizade, de vida, de trabalho, de encontros, de vistas e pensamentos nas alturas.

No dia seguinte li a notícia que a TAP tira um tripulante de cabine dos voos e que o Sindicato convoca uma greve. Li também uma série de comentários sobre a vida dos tripulantes. Aqui mergulhado nos estudos teológicos, acabei por sair de umas alturas e entrar noutras.

Fui tripulante de cabine durante pouco mais de três anos na PGA. Depois desse tempo mudei de Companhia. Outros “voos”, sem esquecer os aviões. Confirmado na vocação e perceber que ser jesuíta faz parte do meu caminho, uma das coisas que mais tenho saudades é de voar. Por isso, ler notícias relacionadas com aviões chama-me muito a atenção.

Ser tripulante significa, em primeiro lugar, zelar pela segurança dos passageiros. É verdade que a segunda função, a de prestar serviço, sendo imagem da empresa durante o voo, é a mais destacada, pois, felizmente, na grande parte dos voos não há necessidade de pôr em prática a primeira função. Uma vez tive de dizer isto a um passageiro quando, com toda a arrogância, me diz: “Olha, serve-me. Paguei para isso!”, e assim explicar que o serviço fora da realidade segurança, na nossa profissão, vem em segundo lugar.

Muita pessoas, e, infelizmente por vezes dentro da própria companhia aérea, têm a ideia que um tripulante passeia no e de avião. Talvez alguns voos de longo curso, que implicam uma estadia aqui ou ali, podem permitir um passeio nalguma terra mais exótica, mas GRANDE parte, para não dizer 90%, ou mais, dos voos não são assim. Sobretudo os de médio curso, pela Europa, por exemplo, onde se fazem entre 2 a 3 e por vezes 4 aterragens (no meu tempo cheguei a fazer voos de 5, tais como, Porto - Madrid - Porto - Zurique - Porto - Lisboa). E muitas vezes com os voos cheios e com turbulência (mesmo “fraquinha”). E sim, havia o sorriso, o glamour (sim, há, e ainda bem), o gosto pela profissão e o respeito pelos passageiros, que não têm culpa das decisões da empresa, que muitas vezes não tem noção da realidade do verdadeiro trabalho a bordo. Precisamente por haver este gosto, surgiam os agradecimentos (houve um voo que fui convidado para três casamentos... Haja festa!), e os bons momentos que, mesmo com trabalho alucinante, acabei por passar.

Acredito que a TAP poupará economicamente, mas pergunto: poupará a vida das pessoas? Nem vou à questão da segurança, mas da vida de quem está a trabalhar. A propósito de críticas: muitas vezes imaginei a possibilidade de cada pessoa sentir na pele o que é a realidade concreta das situações, na sua vida. Quem critica os tripulantes, por exemplo, ter a possibilidade fazer pelo menos 15 dias de voos, não sentado como passageiro, mas a trabalhar. Quem pede para apertar o cinto economicamente, viver sem os ordenados de gestor (que são, curiosamente, constantemente aumentados). E mais exemplos poderíamos dar... Creio que mudaria bastante a perspectiva das coisas e levaria a que se criticasse menos, sobretudo quando não se sabe o que se diz.

Hoje vivemos no mundo em que a economia parece que tem a primeira palavra, à frente da Vida das pessoas. Poupar, cortar, mas só alguns e nalgumas coisas. Nós, humanos, não somos máquinas. Tem de haver respeito, escuta e conhecimento para se poder alterar a ordem das coisas. Se tiver de ser e for algo que todos contribuam altera-se. Agora se é apenas uma parte a fazer sacrifícios, não me parece que tenha de haver mudanças. Por isso, há que partir para o diálogo e encontrar o caminho mais justo, sem imposição, mas com a certeza de que, como humanos que somos, pode-se encontrar o equilíbrio em todas as partes.

Sou utópico? Sim, sou... Ingénuo? Talvez.
Os anos que andei a voar, junto com os que passo a estudar, permitem-me chegar a uma sana utopia, com leve ingenuidade, mantendo o sonho de que podemos chegar a um mundo mais justo e melhor. Afinal, a esperança permite a vida!