No passado dia 31 de Maio celebrou-se o dia mundial do tripulante de cabine. Muitas recordações surgiram: de amizade, de vida, de trabalho, de encontros, de vistas e pensamentos nas alturas.
No dia seguinte li a notícia que a TAP tira um tripulante de cabine dos voos e que o Sindicato convoca uma greve. Li também uma série de comentários sobre a vida dos tripulantes. Aqui mergulhado nos estudos teológicos, acabei por sair de umas alturas e entrar noutras.
Fui tripulante de cabine durante pouco mais de três anos na PGA. Depois desse tempo mudei de Companhia. Outros “voos”, sem esquecer os aviões. Confirmado na vocação e perceber que ser jesuíta faz parte do meu caminho, uma das coisas que mais tenho saudades é de voar. Por isso, ler notícias relacionadas com aviões chama-me muito a atenção.
Ser tripulante significa, em primeiro lugar, zelar pela segurança dos passageiros. É verdade que a segunda função, a de prestar serviço, sendo imagem da empresa durante o voo, é a mais destacada, pois, felizmente, na grande parte dos voos não há necessidade de pôr em prática a primeira função. Uma vez tive de dizer isto a um passageiro quando, com toda a arrogância, me diz: “Olha, serve-me. Paguei para isso!”, e assim explicar que o serviço fora da realidade segurança, na nossa profissão, vem em segundo lugar.
Muita pessoas, e, infelizmente por vezes dentro da própria companhia aérea, têm a ideia que um tripulante passeia no e de avião. Talvez alguns voos de longo curso, que implicam uma estadia aqui ou ali, podem permitir um passeio nalguma terra mais exótica, mas GRANDE parte, para não dizer 90%, ou mais, dos voos não são assim. Sobretudo os de médio curso, pela Europa, por exemplo, onde se fazem entre 2 a 3 e por vezes 4 aterragens (no meu tempo cheguei a fazer voos de 5, tais como, Porto - Madrid - Porto - Zurique - Porto - Lisboa). E muitas vezes com os voos cheios e com turbulência (mesmo “fraquinha”). E sim, havia o sorriso, o glamour (sim, há, e ainda bem), o gosto pela profissão e o respeito pelos passageiros, que não têm culpa das decisões da empresa, que muitas vezes não tem noção da realidade do verdadeiro trabalho a bordo. Precisamente por haver este gosto, surgiam os agradecimentos (houve um voo que fui convidado para três casamentos... Haja festa!), e os bons momentos que, mesmo com trabalho alucinante, acabei por passar.
Acredito que a TAP poupará economicamente, mas pergunto: poupará a vida das pessoas? Nem vou à questão da segurança, mas da vida de quem está a trabalhar. A propósito de críticas: muitas vezes imaginei a possibilidade de cada pessoa sentir na pele o que é a realidade concreta das situações, na sua vida. Quem critica os tripulantes, por exemplo, ter a possibilidade fazer pelo menos 15 dias de voos, não sentado como passageiro, mas a trabalhar. Quem pede para apertar o cinto economicamente, viver sem os ordenados de gestor (que são, curiosamente, constantemente aumentados). E mais exemplos poderíamos dar... Creio que mudaria bastante a perspectiva das coisas e levaria a que se criticasse menos, sobretudo quando não se sabe o que se diz.
Hoje vivemos no mundo em que a economia parece que tem a primeira palavra, à frente da Vida das pessoas. Poupar, cortar, mas só alguns e nalgumas coisas. Nós, humanos, não somos máquinas. Tem de haver respeito, escuta e conhecimento para se poder alterar a ordem das coisas. Se tiver de ser e for algo que todos contribuam altera-se. Agora se é apenas uma parte a fazer sacrifícios, não me parece que tenha de haver mudanças. Por isso, há que partir para o diálogo e encontrar o caminho mais justo, sem imposição, mas com a certeza de que, como humanos que somos, pode-se encontrar o equilíbrio em todas as partes.
Sou utópico? Sim, sou... Ingénuo? Talvez.
Os anos que andei a voar, junto com os que passo a estudar, permitem-me chegar a uma sana utopia, com leve ingenuidade, mantendo o sonho de que podemos chegar a um mundo mais justo e melhor. Afinal, a esperança permite a vida!
ENA! Já tinha saudades de uma prosa tua assim mais desenvolvida! ;)
ResponderEliminarLet's fly, Paulo! ABRAÇO!
Querido amigo, como sabes, acompanhei de perto a tua realidade de tripulante e, por consequência, conheci um pouco da realidade de quem voa como comissário ou assistente de bordo. Tudo o que disseste faz sentid: desde o (des)conhecimento que a maior parte das pessoas tem acerca deste trabalho, até aos desafios que a sociedade enfrenta atualmente. No entanto, é necessário, (imprescindível mesmo!) que se encontrem formas mais céleres e menos penosas (para todos os envolvidos) de se chegar a um consenso justo e razoàvel. 10 dias de paralização, com tudo o que isso implica, é uma violência para a sustentabilidade de qualquer empresa. Ponham-se as reivindicações na mesa, debata-se e que se chegue a um ACORDO VIÁVEL para empresa e trabalhadores. Para que a segurança de todos seja acautelada e para que a empresa continue a funcionar. Como disseste e bem: esforço (e tolerância) de parte a parte. Aquele abraço enorme da nossa amizade.
ResponderEliminarSuzanne
João, tenho andado a pensar nesta situação. E ontem, ao chegar de mais um exame, tinha os neurónios ainda activos. A ver se os activo mais vezes... :)
ResponderEliminarLet's fly!!!! :)
Suzanne,
Como estava (e fico sempre) incomodado com a falta de conhecimentos que estão por detrás de muitos comentários que leio ou ouço, acabei por centrar o texto nessa linha.Depois, acabei por não tocar nesse ponto dos dias da greve. Sim, concordo contigo. Ainda não tive oportunidade de comentar com quem está no Sindicato sobre a decisão de tantos dias, ainda mais nesta altura. Acredito que possa ser como forma de grito para que haja negociação...
Espero que a haja e que cheguem a um acordo sério e justo, que seja sempre de parte a parte.
Abraço muito apertado, com saudades!
Olá Paulo,
ResponderEliminarPenso que já foi meu pap, vindo das ilhas, e até nos pediu um folheto de segurança, para uma acção com crianças! Se não é o mesmo...sorry!
Fico agradecida pelas suas palavras de solidariedade e venho sá esclarecer o João que, desde 2007 que se fala da retirada do tripulante e tempos houve em que a antiga direcção do sindicato, queria contrapartidas monetárias p tal. Hoje pedimos mais qualidade de vida...então por que razão a ciª,nesta altura do campeonato, decide interromper as negociações!? E é uma falta de respeito p connosco, retirar o tripulante à revelia da Lei e de um acordo de empresa!
Bons vôos para todos
Cara "Anónima" (desculpe tratá-la assim, mas não tenho outro dado deidentificação),
ResponderEliminarAgradeço o seu comentário. :)
Sim, é possível que tenha sido seu pap, talvez não das ilhas, mas num outro voo ou de BCN ou MAD. Eu peço sempre ou o folheto ou algo do avião. Quando digo que fui comissário, pedem-me logo para fazer as demonstrações. Então, há que fazer com deve de ser. :)
Talvez se queira dirigir à Suzanne e não ao João.
Pelo que percebi, a Suzanne não está de acordo com a retirada do tripulante. O que comenta são os muitos dias de greve nesta altura, que pode causar ainda mais problemas na sustentabilidade da empresa.
Concordo consigo, o que a Companhia está a fazer, de forma unilateral, alterando um acordo é completamente desonesto. Abrindo essa brecha é quase de dizer que os acordos de nada servem... O que num país que lutou pela liberdade, democracia, é de muito mau tom. Infelizmente, parece que isso está a acontecer vezes de mais.
Bom voo!!!!
Belíssimo, como sempre, e recordando a tua vida, que não é passada, na medida em que tudo o que sucede a cada um de nós é simplesmente uma etapa do grande programa universal.
ResponderEliminarForte abraço!:)
Olá Paulo!
ResponderEliminarAchei muito interessante o teu blog! Parabéns!! f. "Peregrino" Mauricio sj