Robin Hammod, “Lagos - Nigéria”
Nos últimos dias, em âmbitos diferentes, tenho tido conversas sobre a mística. Tanto da sua importância, como da falta dela no nosso mundo. A mística pouco ou nada tem que ver com arrebatamentos espirituais, em transes de loucura, nessa concepção ridícula que se tem dos crentes. A mística também tem que ver com o sentido de descobrir o “para além” da realidade. Recordo Lucio Fontana, pintor argentino, que ao traçar as telas convidava a que não se ficasse apenas pela contemplação da mesma, indo mais longe no ver das coisas. Acrescento outro verbo: o escutar. Sim, ver e escutar a realidade que nos envolve de modo a ter sentido crítico e que nos ajude a converter, a humanizar. Nestes dias tem-me sido difícil ver e escutar. Têm sido muitos os “gritos” e as imagens que surgem a partir dos recentes acontecimentos com maior destaque em Paris, mas também na Nigéria, na Síria e na Arábia Saudita (entre outros). “Gritos” e imagens à volta da religião, da sociedade, da identidade, ou melhor, da busca dela. Ajuda-me ter amigos de muitos quadrantes e feitios para não me ficar pela crítica fácil às realidades, e foram muitas as boas conversas que me fizeram desmontar e apurar o ver e o escutar. Por vivermos no emotivismo, facilmente se vive ora em apogeu, ora em declínio, num complexo narcísico colectivo. A rapidez das redes sociais, que para muitos constitui o lugar da verdade absoluta (se antes era “aparece nas notícias, logo é verdade”, agora junta-se “se aparece no facebook ou no twitter, logo é verdade”), pode impedir o sentido crítico e, muitas vezes, a noção de bom senso diante das pessoas ou dos acontecimentos. Na sociedade está-se a perder a transcendência, ou por outras palavras, o Outro. O Outro que me convida a ver de forma diferente. Não para mudar radicalmente, mas para perceber que não estou sozinho no modo de pensar ou viver, seja de forma pessoal, seja colectiva. Tal não vai de “Eu sou” ou “Eu não sou”, nas diferentes alusões de busca de afirmação identitária. Tenho para mim que muita gente não sabe quem é verdadeiramente, agarrando-se à manada colectiva, garantido assim a segurança da existência nesse marrar contra algo. E isto acontece a nível social, político e religioso. Nestes dias a pensar sobre isto da identidade, isto do ser., dou-me conta que nem “sou Charlie”, nem sou “não sou Charlie”. No fundo, espero que sejamos mais do que essas definições. Espero que consigamos ser plenamente humanos. A reconciliação é um processo muito complexo, mas parece-me ser a chave para começar a entender, nos dias de hoje, a beleza da humanidade. Não numa abstracção diluída, mas em rostos concretos. Percebe-se que é uma questão de pessoas. Sim, as pessoas que os políticos, que paradoxalmente também o são, continuam a esquecer em nome de números, melhor, de cifras económicas. Como pessoas, há o profundo desejo de encontrar sentido na vida. Fomenta-se a formatação de conteúdos e impede-se a educação ou formação sobre os valores. Dar pilares profundos de existência, para que na construção da vida, havendo derrocadas, possam manter a estrutura fundamental da humanidade. Tudo em nome da poupança para colmatar défices. Pois, mas as más gestões, alienadas da responsabilidade pelo Outro, pensando no “meu” poder, dão resultados que estão à vista. E temo que possa sair ainda mais caro… não em termos de dinheiro, mas em humanidade. Porque é que se esquece a história tão rapidamente? Talvez porque não se conheça, não se tenha estudado e não se tenha pensado dentro das ciências humanas. Mas isto… é o meu lado ingénuo e utópico… e a imensa força interior que me agita em querer contribuir para um mundo mais humano. Respiro fundo e sigo em caminho de conversão, na descoberta e vivência da mística.