sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Breve oração


[Breve oração antes da Passagem]


Agradeço-Te

o amanhecer e o anoitecer

de onde saem as sementes

com as raízes ao mais fundo

e os ramos ao mais alto 

de corpo pleno de Ti


Entrego-Te

as vidas e as mortes


Peço-Te

água límpida

pão fresco

vinho doce

para continuar, levando nomes, 

o caminho de liberdade até Ti


terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Encontros


João Almeida


[Conversas soltas, com a devida licença para partilhar]

-Sempre me defini ateu, ultimamente nem sei. E agora depois de ter tudo o que gostaria, ainda assim há um vazio que me habita. Não me identifico com as Missas, com a religião. E já li e viajei muito à procura. 

-À procura de si?

-Não, de colmatar esse vazio.

-Ou seja, de si.

-Como assim?

-Também me sinto algumas vezes perdido. 

-Estranho, um padre não vive de certezas?

-Algumas. Mas essas certezas não afastam a busca. E ver que essas certezas também são usadas em nome de poderes individuais e institucionais, causa vazio. Junto também a consciência do mal em mim, que posso fazer. De vez em quando, e ainda bem que acontece, abana as estruturas e sinto-me perdido. 

-Como faz?

-Tento viver cada vez mais o exigente exercício da verdade. Para lá daquela lógico-racional, a verdade do que é, do que sinto, das vontades mais viscerais às mais virtuosas. Ao princípio, era muito duro. Lutava comigo mesmo, com vergonha, com medo. Ainda acontece. Mas muito menos. O que me apercebo entrego a Deus na Missa.

-Pois, mas eu não acredito na Missa, nem em Deus.

-Já atravessou algum sofrimento visceral?

-Foi há muitos anos. Um dos meus filhos esteve muito mal, com uma meningite. Recordo estar disposto a tudo para que ele ficasse bom. Ainda dói quando penso nisso.

-Ele ficou bem? 

-Sim, sim. Mas, apercebo-me: voltámos à mesma rotina. Como se nada tivesse passado.

-E talvez, subtilmente, levantou-lhe a busca do sentido? Destapando o vazio?

-Isso. Sobretudo ver como a vida é efémera. O medo de o perder fez-me perceber a minha pequenez. E eu não podia. Tinha de ser forte.

-Então viajou à procura da sua pequenez?

-Tenho medo que Deus me anule.

-Qual Deus?

-O que nunca conheci, mas quero conhecer. Como acredita em Deus? O que o leva a ser crente?

-O modo como Ele atravessa a vida das pessoas com amor, quando O permitem.

-Tenho medo que Ele me mude. 

-O quê?

-A vida.

-Aquela que mudou quando se deu conta ser efémera? 

[Faz-se um largo silêncio.]

-Estou com uma estranha sensação de presença. Nunca tinha acontecido.

-Feliz Natal. 

[Demos uma gargalhada.]

-Acho que cheguei ao início de algo novo.

-Bom caminho!


sábado, 25 de dezembro de 2021

Nós não somos deste mundo


[Secção pensamentos soltos no dia de Natal] Ruy Cinatti no poema Anunciação repete por três vezes o verso “Nós não somos deste mundo”. Essas três vezes, cada vez que o leio, ecoam fundo em mim. Nós não somos deste mundo. E não somos mesmo. O Natal marca essa certeza. E sinto-me tão convicto dela, graças a outra certeza: Deus fez-se fragilidade e nasceu longe de todos, menos dos excluídos, representados pelos pastores. O Seu nascimento abre-nos as portas ao mundo a que pertencemos: ao divino. Mas apenas conseguiremos perceber isso se nos fizermos simples, desde Ele e com Ele. 


A simplicidade a que o Natal desafia faz-nos tirar adornos de vida: do poder, das coisas miseráveis que desgastam a humanidade, das cobranças de amizade e  do que desvia o sentido do amor. Precisamos de Natal. Precisamos de contemplar o Menino Deus em palhas: que sinal imenso a desmontar todas as imagens desviadas de poder desumanizador. Somos chamados à alegria, com o convite a libertar os adornos e descobrir o divino na simplicidade.


Quando acendi uma destas velas em Bethlehem, junto ao sítio onde Jesus nasceu, pedi pela simplicidade e pela paz. Ontem à noite, a rezar com a Luz do Menino Deus, agradeci por Ele nos abrir as portas do Seu mundo, aquele a que verdadeiramente pertencemos. Sejamos, assim, Natal uns para os outros e uns com os outros. E o mundo de que somos amplia-se em Luz e Amor. Santo e Luminoso Natal!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Breve oração



[Breve oração na Noite do Menino Deus] 


Agradeço-Te

seres parto de Luz e de Paz,

dando vida da Tua à nossa carne

permitindo a fragilidade ser lugar divino


Entrego-Te

cada nome que guardo no coração

em particular os que mais sofrem

para que deles faças brotar Natal


quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Olhar o horizonte


[Secção coisas de nada em ante-véspera de Natal] Olhar o horizonte provoca em mim esperança. Tenho perdido a pressa de estar lá, no futuro, libertando-me das ânsias do amanhã. Sucedem-se os abraços de Natal. Enviam-se os desejos bons para este dia que continua a transformar a humanidade. Mas faz cada vez mais sentido o presente e ser presente. Isso abre rasgos de céu ou vias que ligam corações em amizade, carinho, perdão, respeito. Já em ecos deste Menino a germinar e prestes a nascer tendo nele a Paz. Torna-se ramo de novidade e de esperança. Ainda assim, não se impõe. O que dá, livre e gratuitamente, só chega a quem está disposto a acolher, a receber. Quem o faz, descobre que ser divino é ter poder para amar mais e mais. Enquanto olhava o horizonte, rasgado de esperança, brotou-me a invocação:


Ó Luz sem ocaso

que embelezas a noite,

atravessa os corações empedernidos

com o mistério da Tua carne

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

A Nossa Tarde


[Coisas na vida de um padre] O Facebook recordou-me que há quatro anos estive à conversa com Tânia Ribas de Oliveira e José Pedro Vasconcelos sobre o Natal. Hoje voltei à RTP. Desta vez, muito bem recebido por Vanessa Oliveira, fui o primeiro convidado do programa e partilhei algumas ideias sobre Natal. Aqui fica o link: https://www.rtp.pt/play/p8248/e587704/a-nossa-tarde


terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Deus é simples


[Notas soltas sobre Advento] Tenho tido dias muito intensos a vários níveis. É bom. É a vida a acontecer (também e sobretudo para lá das redes sociais). Este advento tem sido muito preenchido de dádivas de esperança, também com muitos ecos dos efeitos em mim da viagem a Israel. E hoje avivou-se a memória, com este presente cheio de beleza, criado pela i.lust.tra.me, daquele momento único no Túmulo, de noite a rezar pelo mundo. Sai-me o sorriso, o silêncio e a gratidão a repassar no coração aqueles dias lá. E confirmo a missão: tenho pensado e rezado muito por tantas pessoas, ainda mais nestes tempos cheios de agitação. Brota da oração: Deus é simples e faz-se ainda mais simples em Menino. E nós complicamos. Precisamos mesmo de paragens de amor, de escuta, de renovar o sentido de caminho. Pois, precisamos de Natal: nascer, dar vida uns aos outros. Esta vida também de Deus que nasceu e a entregou. Pensar que está nas mãos de cada pessoa provocar nascer de vida nova. Ele desafia-nos a isso. Amanhã voltarei a falar de Natal em boa conversa com Tânia Ribas de Oliveira no “A Nossa Tarde” na RTP1. Sigo em caminho, na beleza de Deus a chegar.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Vejo olhares


[Secção letras verdes] A começar mais uma orientação a um grupo a fazer Exercícios Espirituais.


quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Breve oração


Christopher Sousa


[Breve oração depois de dias intensos]


Agradeço-Te

seres suporte de caminho,

seriedade na escuta e

entrega autêntica a dar Vida


Peço-Te

generosidade 

como a luminosa flor 

de final de Outono


terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Levar as alianças



Estúdio 44


[Coisas na vida de um padre] Chegam boas recordações de dia bonito. E nesta recordação destaco a importante missão de levar as alianças à nova família. Primos, afilhados, filhos, amigos do coração, já assisti a muitas modalidades de mais pequenos a graúdos, orgulhosos desse momento. A honra, entre nervosismo e sorrisos, é notória. E, claro, há sempre uma salva de palmas para os portadores desta grande missão. Haja festa!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

O silêncio de Deus


[Breves apontamentos depois de rezar] O silêncio de Deus é desafiante. Em tempos idos, sentia aperto no ego ferido: esqueceu-se de mim. Cada vez compreendo mais a importância desse silêncio, ajudando-nos a ganhar fé adulta. Deus apenas esquece, depois de o chorar, o desamor. Enquanto isso, todo Ele é recordação da humanidade. Do silêncio abre-se em Verbo e encarna uma e outra vez: faz-se Menino para nos revelar nesse rosto simples a Sua presença. Desafia-nos no silêncio, para O escutarmos no balbuciar de criança. E, com Ele, fico em silêncio a ver o que libertei. Agradeço. Comovo-me. Torno-me húmus.


sábado, 11 de dezembro de 2021

Sobre a noite


[Breves notas à noite sobre a noite] Tem luz própria. Desvelada pelo mistério que acalma os passos, ajustando os batimentos do coração a recordar o dia: dá graças. Também a sedução surge, depois de os filtros se recolherem, permitindo a nudez da verdade, sem medos: os sonhos abrem o caminho do que é, entre símbolos, memórias, desejos, com a oração mais límpida. A noite abre-se em segredos. E no silêncio, danço livremente no tremeluzir da vela a acompanhar o respiro do movimento, dispondo as mãos a dar vida à aclamação “Bendito sejas Tu, pela noite que empardece cada rosto.”


sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

O Nome


[Secção letras verdes no dia internacional dos Direitos Humanos] Trago estas letras verdes no dia de hoje, mas foram inicialmente escritas no dia 18 de Novembro, à noite, enquanto estive em oração, sozinho, envolvido de nomes, diante do Túmulo no Santo Sepulcro.


quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Abraço



João Almeida


[Coisas na vida de um padre] Chegam boas recordações de dias felizes. O sentido do sacramento, em diferentes vocações, é partilhado pela certeza de que todos somos chamados a viver o amor. O abraço que trocamos recorda isso mesmo: agradecer a vocação específica de cada um e recordar que o caminho conta com suporte de amizade, de escuta, de luz. E assim também se forma e vive o Corpo de Cristo na diversidade de amor.


quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Faz-se Luz em Corpo


[Notas soltas ao terminar o dia da Imaculada Conceição] Maria cumpre o faça-se a luz do início da criação. Com o Seu sim, nenhuma noite, sombra, escuridão, trevas se tornam algo fechado, mas passagens para a humildade de vida nova. E Deus não perde oportunidade de manifestar o Seu amor. Faz-se Luz em Corpo no ventre de Mulher. Ainda precisamos de muitos mais anos para compreender a igualdade na dignidade da Mulher? Deus já o vive, de forma particular, desde há coisa de 2000 e tal anos. Muitos (e muitas) ainda preferem o lugar de comodismo antigo. Vale-nos que outros tantos e tantas que conseguem perceber a força da humildade de Deus e de Maria: ambos vivem a Luz atravessada de Amor. E tudo, desde aí, muda.


terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Breve oração



[Breve oração ao anoitecer]


Agradeço-Te

os tempos intermédios

tantas vezes esquecidos

das nossas histórias inacabadas

quando as contamos vagamente


Peço-Te

consciência do todo,

e assim encontrar sentido

nos pormenores que nos tornam únicos


segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

O amor salva


[Secção Vida] “Faz um ano que nasci outra vez e foste tu que me salvaste.” A densidade do imenso que está nesta frase dita pelo meu pai, dirigida à minha mãe, enquanto conversávamos os três, é de me deixar em silêncio a contemplar. Há um ano, neste dia, fez-se silêncio de espera depois da notícia do AVC muito grave. O advento para uma nova realidade: de cada um, em especial do meu pai. Ao longo deste ano, tantas vezes pensei no que é mesmo importante, no onde faz sentido orientar a entrega, sabendo que Deus nos suporta na adversidade para sermos adultos de fé e de essência. Não duvido na resposta: o amor. 


Depois de 6 meses internado, nas várias instituições, com tanto sofrimento, misturado com desejo e força de recuperação, o amor do meu pai pela minha mãe moveu o seu ser a fazer o que aparentemente seria impossível: libertar-se da cadeira de rodas, andar, subir e descer escadas. Tem o sonho de voltar a ir à Fóia de bicicleta. Já esteve mais longe. Sim, o amor salva. 


E, permitam-me o orgulho, o amor dos meus pais um pelo outro tem sido exemplo de salvação, em caminho de cura, de reconhecimento que os votos de “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença” se encarnem de forma tão intensa como suporte na relação com desafios tão exigentes. A minha mãe cuida com a delicadeza de novo amanhecer, sentindo o cansaço e a vida. O meu pai, no conforto, entre muitas histórias da dureza daquele tempo sem visitas, conta esta: “pedia sempre três almofadas a mais para dormir. Porquê?, perguntavam. Uma para a perna não tombar. Outra para o braço não tombar. E outra para, com o braço bom, abraçar imaginando a minha Maria.” 


No silêncio contemplo a importância, beleza e força da Vida, desde o meu José e a minha Maria como exemplo de casal consagrado a serem sinal de amor enquanto olham o caminho partilhado nos desafios da vida. Sim, o amor, apoiado de esperança e fé, salva.


domingo, 5 de dezembro de 2021

Nascer de novo


Marta José - Dreamaker


[Conversas soltas, com a devida licença para partilhar]

- Sinto tanta dor na minha oração. Nem sei se rezei ou se consigo rezar. As pessoas embelezam a maternidade. Sei que não posso generalizar a minha dor, mas estou a encontrar-me como filha de mãe ausente. Melhor, filha de mãe impositiva do seu ser mulher, mas ausente como mãe. Honra pai e mãe. Mas como posso honrar quem me manipula, ignora, anula, despreza?

- O que sente em profundidade?

- Posso mesmo dizer? 

- Se sentir liberdade e segurança para o fazer. Mais por si, que por mim.

[Breve silêncio.]

- P. Paulo, eu quero que a minha mãe morra. Desde que nasci que ela me mata. Ela nunca me cuidou, sempre me usou para o seu prazer. Quero que morra. Eu sou péssima. Ela conseguiu. Eu sou péssima. [As lágrimas saíam.] Talvez seja eu quem não deve de existir. Estou condenada à dor.

- Vamos respirar fundo. Situar, aqui e agora. E rezar juntos. Dizia há pouco da dor na oração. Sim, o que vive é muito doloroso, com trauma marcado. Rezemos ao Deus da salvação. Para lá da pessoa que a gerou, há o Deus que a resgata. 

- Serei digna?

- Todos somos dignos. Todos. 

- P. Paulo, apenas queria sentir uma carícia.

- Leio uma passagem de Isaías: “Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca o esqueceria.” E por Deus não a esquecer, acolhe-a e desafia a atravessar a morte, nem sua, nem da sua mãe, mas do que a impede de tomar consciência de que pode começar um caminho novo consigo mesma, libertando-se do controlo da sua mãe. Por mais duro que seja, e é, libertar-se do mendigar carícias. Acaricie-se e respeite-se a si, com a ajuda de Deus que não a esquece.

- Podemos rezar só a primeira parte da Avé-Maria? Tenho de a buscar como Mãe.

- Quer-se sentir no Seu ventre?

- Posso?

[Convidei a enrolar-se em posição fetal e enquanto rezássemos que se fosse abrindo. Repetimos uma quantas vezes.]

Ao fim de algum tempo, emocionada diz:

- É possível nascer de novo. 


sábado, 4 de dezembro de 2021

A pele ser luz


[Secção outros tons enquanto escuto a oração em LabOratório na SEEI, ainda com muitos ecos de ontem de Transverse Orientation, obra coregráfica arrebatadora de Dimitris Papaioannou] É preciso deixar que a pele se torne lugar de luz. Passo ante passo, fazer caminho a que o olhar amanheça para lá de suposições, modelando desde o que é. Duro, violento, alegre ou pacificado. Somos chamados a voltar ao nu do paraíso, deixando que o banal se entrecruze com o extraordinário, e desde essa beleza de segundos sem excepção permitir Deus brotar em terra aberta de água viva. E nenhum corpo, n’Ele, foi, é ou será esquecido. Isso também é Natal, com a pele a ser luz.


quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

domingo, 28 de novembro de 2021

Precisamos de luz


[Secção pensamentos soltos sobre Esperança] Hoje começa o Advento. A espera em esperança da vinda de Deus. Se tivéssemos tempo, melhor, se nos detivéssemos a saborear o tempo, na beleza de cada momento, ficaríamos a contemplar a luz da coroa que se acende ao começar a Missa ao longo do Advento. Gosto tanto da imagem da luz que se espalha, como preparação e anúncio da Luz maior que vem. 


O mundo precisa de luz. Sinto o soturno a crescer. Os cansaços a vários níveis entrecruzados com falta de empatia fazem com que cada pessoa se sinta mais presa: ao medo, à desconfiança, à dor, ao sofrimento, ao desespero. Parece que estamos sozinhos no mundo. A força do aparente super-poder humano leva a isso. Mas, não. Somos de relação. E tal deveria ser marca de esperança. A relação que nos convida a crescer como pessoas, a saber ajudar e a pedir ajuda; a saber calar e falar; a saber libertar da ganância e do que impede que o outro seja; a saber dar tempo a contemplar sem necessariamente possuir e simplesmente deleitar. Sei que isso não traz comida para a mesa. Mas também sei que tal humaniza, deixando que a clarividência do sentimento e do pensamento nos afaste das trevas da posse e nos encaminhe para o cuidado e o respeito, por nós próprios e pelo próximo. 


Precisamos de luz. De mãos dadas com o silêncio que nos permita escutar o tresmalhar das folhas caídas do que já não nos pertence pelos passos novos da existência que se transforma, converte, modifica no caminho novo. O Advento é oportunidade para recomeçar, nessa Esperança que atravessa a dor, o cansaço, o sofrimento, abrindo-nos à fé que, depois da travessia feita, revela o nascer do divino em nós. E sozinhos não estamos. Deus é connosco. Mas quer sê-lo em liberdade. Por isso, mantém a esperança de nos ver crescer a atravessar as sombras com a Sua Luz.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Dizer e fazer bem


José Novais


[Coisas na vida de um padre] Chegam boas recordações de dia bonito. Abençoei o casamento da Joana e do José. O seu amor já estava a dar frutos. Recordo o momento em que perguntava se acolhiam os filhos como dom de Deus. Olhámo-nos e sorrimos, nessa certeza já a caminho. Já tenho abençoado casamentos de noivos grávidos. A vida a acontecer. Neste casamento, a Joana mostrava o orgulho do amor na sua barriga e o José deleitava-se a ver a sua amada a acolher o filho de ambos. Pedi licença e também dei a benção à vida ali a rejubilar no dia feliz. Fico a pensar na importância das bênçãos desde sempre, em particular na actualidade: a palavra de origem latina também traduz o dizer bem. Acrescento: o dizer e o fazer bem. Todos ganhamos quando abençoamos.


terça-feira, 23 de novembro de 2021

Breve oração


[Breve oração ao adormecer]


Agradeço-Te

o ouro que ilumina a terra

com histórias a libertar o passado

até ser riqueza de experiência 

e sábia humildade de vida


Peço-Te

desprendimento 

para fazer caminho

leve de mim, pleno de Ti


segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Ecos de peregrinação


[Secção letras verdes] Ecos de peregrinação, onde o corpo ainda sente os sons, os cheiros, as vistas, os sabores e os toques.


domingo, 21 de novembro de 2021

Até breve Jerusalém, Shalom Adonai





[Notas soltas com um “até breve” Jerusalém] A intensidade dos dias traduz-se pela sensação de muito vivido. A diversidade cultural e religiosa, junto com a semelhança: todos, apesar de tudo, somos pessoas. Marcadas por uma educação: por vezes de segregação, mas, espero que mais vezes, de relação, comunhão, proximidade, compreensão. Este último caminho é mais exigente. Implica, sobretudo, desmontar preconceitos, atravessar sombras, para abrir horizontes de luz e de amor. Antes de sair, passei novamente pelo Muro das Lamentações. Há a tradição de deixar um papel com intenções. Pensei escrever uma oração ou umas “palavras bonitas”. No entanto, por tantas pessoas e orações que levava no coração, tantas pedidas, tanto vivido, fazia sentido deixar literalmente todas as letras verdes. As mesmas que coloquei no altar do Túmulo onde celebrei Missa. Sinto muita gratidão, em especial ao grupo que acompanhei, que também me ajudaram muito a ser padre e a viver estes dias. Voltarei a eles, em ecos com pensamentos soltos do muito vivido. Já em Portugal, digo: até breve, Jerusalém. Shalom Adonai.


sábado, 20 de novembro de 2021

Bethlehem







[Notas soltas com breve oração em Bethlehem] 


Por vezes sinto-me como Moisés no Monte Sinai: dias que são anos. Aqui o tempo tem tal densidade que é difícil compreender o que se passa. Talvez não seja para agora. Não é mesmo. Continuei a observar e os ecos virão nos próximos dias. Hoje, em Bethlehem, na gruta da Natividade, depois de acender velas e abençoar com o óleo da lamparina que ilumina o sítio do nascimento, abri o coração numa breve oração.


Agradeço-Te 

os abraços que se tornam pontes

a recordar como o Teu nascer 

em corpo, em carne, continua.


Entrego-Te

as esperanças de tanta gente.


Peço-Te

o fim de muros, barreiras, fronteiras,

sociais, religiosos, políticos, culturais,

a fim de que possamos ser mais Corpo

uns com os outros e no mistério da Vida.

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Vigília no Santo Sepulcro






[Notas soltas de Jerusalém] Estive 9 horas sozinho, sem contar com os monges e frades residentes, no Santuário do Santo Sepulcro. A porta fecha solenemente às 19h, trancada por dentro e por fora, vigiada pelos guardiães das três tradições cristãs que têm a custódia do lugar: Ortodoxos gregos, Arménios e Latinos (Católicos, representados pelos Franciscanos). Alimentam-se as lamparinas de azeite. Acendi a que ilumina a entrada do Túmulo, ficando hoje todo o dia a receber os peregrinos. Entrei no Túmulo e permaneci 3 horas a rezar. 


O silêncio era preenchido por paz e por nomes que me vinham com toda a naturalidade ao coração. Pedi perdão pelo que contribui de mal ao mundo e a pessoas concretas. Em vários momentos, senti-me profundamente em casa. Não tanto ali, espaço físico, mas de sentir a fé neste Cristo que morreu e ressuscitou por cada pessoa. Essa casa que é o Seu Corpo, morto e ressuscitado. 


Muitas letras verdes foram surgindo, a repassar a história dos últimos tempos. Agradeci muito: das grandes coisas ao detalhe. Pedi para que cada pessoa fosse capaz de acolher, aceitar e integrar as suas luzes e sombras. Pedi por este Ano Inaciano, rezando por cada companheiro jesuíta, indo de Comunidade a Comunidade. Pedi por toda a Igreja, em particular pelas feridas que infligimos e pelo sínodo que atravessamos. Entreguei, pausadamente, nomes de A a Z. 


Pelas 23h30 começaram as diferentes liturgias diante do Calvário e do Túmulo. Eu fui para um canto, em frente à pequena capela dos Coptas. Aí fiquei. O silêncio habitado de profunda paz acompanhou-me. Senti o tempo a passar, sem lentidão ou rapidez, mas suspenso no presente. Era ali que tinha de estar. Não para ficar, mas para ir e anunciar a Luz e Paz do Ressuscitado. Às 4 da manhã abriram as portas. E saí, leve com o coração cheio de Vida. [A primeira fotografia foi de quando lá entrei há dias, para ilustrar onde fiquei a rezar com tempo.]


quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Dia intenso (mais um)









[Pequeno apontamento sem muito mais, em Jerusalém] Vou passar a noite em Vigília no Santo Sepulcro, qual Quinta-feira Santa. Depois de um dia intenso, a rezar na Via Dolorosa e com a visita ao museu Yad Vashem, de memória do holocausto, rezarei pela paz. E também por cada pessoa, pelo caminho de perdão e reconciliação. Logo escreverei com calma. Terei tempo. De momento, apenas a certeza de que vir aqui é profundamente transformador.


quarta-feira, 17 de novembro de 2021

O tempo suspende-se





[Notas soltas ao adormecer em Jerusalém] Não sei que escrever. Parece-me pouco. Até mesmo quase miserável ante todo o sentir, sobre ruas e ruelas carregadas de mistério e de banalidade. Repito-me no contraste. Mas é isso que me mexe e faz sentir o sagrado em cada coração, para lá de cores. O silêncio das seis da manhã, enquanto celebrava Missa na Capela da Crucificação, que alternava com os cânticos de lamentação dos coptas ante o túmulo. As pedras com milhares de anos que rodearam o Santo dos Santos que, como escrevia ontem, gritam por encontro. As conversas de partilha de vida com laivos de conversão. O tempo suspende-se. Em cada canto especial, repito a oração “entrego-Te quem me confias, quem dirigi um simples olhar e quem, para lá de credos, se dispõe a acolher o amor”.


terça-feira, 16 de novembro de 2021

Breve oração







[Breve oração ao anoitecer em Jerusalém] 


Agradeço-Te

os tempos para lá do tempo

em pedras que gritam vida

nas orações ondulantes a Ti


Entrego-Te

nomes, de A a Z


Peço-Te

coração aberto a acolher

silêncio, sons e palavras

de contrastes e de unidade

ao Teu amor entregue por nós