"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida"
Vinicius de Moraes
Queridas amigas, queridos amigos,
Quando estava a pensar escrever a “minha carta de Natal” de 2011 ocorreu-me fazê-lo depois do dia 25 de Dezembro, nos dias em que ainda celebramos o Natal. Sento-me a escrever e ando às voltas com as palavras, com as frases, com o muito que gostaria de partilhar. À semelhança do ano passado, não tenho tempo para personalizar cada mensagem ou carta como gostaria de o fazer. Então, através das palavras, ofereço um pouco do meu sentir e pensar.
“O impossível é possível”. Esta frase foi dita por um coreano e partilhada no vídeo "A vida num dia". Vi este documentário (de hora e meia) há umas três semanas e pensei que seria um óptimo documentário de Natal. Num condensado de milhares de pequenos vídeos, filmados num só dia, consegue-se transmitir a imensidão do que nós, humanos, somos na diferença e na semelhança. Recomendo muito que o vejam.
Para mim o Natal é, não um condensado de vídeos, mas um condensado de histórias e vidas, misteriosamente presentes no nascimento que mudou o curso da Humanidade, tornando o “impossível possível”. Deus torna-se frágil, Deus cresce, observa com olhos de criança, é muito provável que se tenha constipado, quase de certeza que tinha alimentos preferidos. No fundo, vive a humanidade em pleno. Para mim a encarnação não foi uma brincadeira, foi uma realidade tão forte e tão densa que não pode ser reduzida a um dia. Por isso, quero continuar a celebrar o Natal convosco.
Enquanto escrevo surge o sem sentido de desejar um bom Natal depois do dia 25. Talvez até seja, no entanto, ainda há doces nas mesas, as luzes nas ruas, as árvores e presépios montados, muitos de nós devemos de estar a usar algumas das prendas que recebemos. Também poderá haver quem possa agradecer por já ter “terminado” este dia, que para alguns evoca tristes recordações ou, então, junta tensões dos encontros familiares que têm “pedras nos sapatos”.
A vida de cada pessoa é tão complexa, cheia de pormenores, de cantos e recantos a descobrir. Uma vez, quando ainda era comissário, sobrevoava Madrid e vi a cidade toda. Já como jesuíta passeava pela mesma cidade e lembrei-me dessa imagem com mais de 9 anos. Apercebi-me que não vi a cidade toda, pois faltavam as ruas, as avenidas, os prédios, as pessoas e tudo mais que se possa imaginar. O mesmo se passa connosco. A sensação de já conhecermos cada canto, nosso ou de alguém, quando, afinal, há uma nova surpresa.
Comigo tem acontecido com bastante frequência. Entro na “cidade” que sou e acabo por descobrir muito mais do que pensava: os cantos, os jardins, prédios derrocados, outros a precisar de restauração, pessoas que já não encontrava há muito tempo, pessoas que prendi, que expulsei, muitas outras com quem me encontro diariamente e me sento à esplanada a tomar algo, em partilha de vida e, sobretudo, destes meus passeios pela minha cidade de vida.
Isto tem que ver com o meu Advento, o tempo que antecede o Natal. Comecei-o com a passagem do profeta Isaías: “Estou a fazer algo novo, já está a germinar: não estão a notar?” (Is 43, 19). Esta passagem ficou-me no pensamento por vários dias. A novidade que acontece diariamente e eu nem me apercebo. É verdade que não se consegue estar atento aos pormenores infinitos que passam em cada momento, no entanto, até que ponto não se pode ver uma nova oportunidade em deixar que algo germine em cada uma das nossas vidas? Por exemplo, se ajudámos alguém nos dias que antecederam o Natal, talvez essa(s) mesma(s) pessoa(s) continue(m) a necessitar de ajuda... há que continuar a ajudar. Se algum de nós precisou de ajuda (material, afectiva, espiritual), talvez continuemos a necessitar dela depois do dia de Natal... não tenhamos nem medo, nem vergonha de continuar a pedi-la.
O dia 25 já passou, mas não o sentido mais profundo do Natal. Mesmo que possa ir caindo no esquecimento, não passará. Em cada nascimento somos chamados à Vida, ao encontro com o todo que somos, por isso há que vivê-la intensamente, com os desejos e sonhos que caracterizam o nosso ser. Não estará na altura de notar essa vida a germinar? Não importa a idade, nunca é tarde para novos passos de profundidade, de reconhecimento da grandeza que existe no acontecer diário.
Dou por mim a pensar o quanto há a aprender e a agradecer em cada passo e em cada gesto. Assim, vejo o tempo de Natal como oportunidade de sanar feridas, pessoais ou relacionais, como aquele momento de abrir portas ao que pode surgir da leitura renovada da história, de não deixar que a fé, a esperança e a caridade se estanquem em dias específicos, mas conduzam ao dinamismo que leva à entrega, independentemente da quantidade, do que cada um é e tem. Tudo na simplicidade do quotidiano, nas lutas pela justiça e verdade, na criatividade artística, científica, culinária, no estudo, na possibilidade de avançar para mudanças de vida, contribuindo para que o mundo seja cada vez mais humano.
Como na passada noite de dia 24, continuo a rezar por cada um de vocês, pelos vossos sonhos, desejos e necessidades. Neste novo ano que se aproxima, aconteça o que acontecer, para cada uma e cada um peço esperança, serenidade e oportunidades de encontro com o sentido mais fundo do Natal: a Vida!
Um Abraço muito apertado e até breve!