sábado, 26 de fevereiro de 2022

Notas muito pessoais


[Breves notas muito pessoais] Comecei a escrever pelas redes a partir do que chamei o género literário partilha. Ainda assim, estive hesitante se partilharia algo sobre o que tenho vindo a sentir. Não quero contribuir para o ruído, emotivismo, ou simplesmente porque fica bem partilhar com o tema candente. Há pouco, na Missa, percebi que o devia fazer.


Desde quinta-feira que quando paro para rezar, seja por breves minutos ou mais tempo, vem-me a comoção desde as entranhas. Uma tristeza profunda invade-me o ser. Mesmo agora, enquanto escrevo, os olhos humedecem. Não percebo nada de geopolítica, nem de relações internacionais, tratados e afins. Mas, o meu caminho interior, de luz e sombra, e sobretudo de escuta de tantas pessoas nos últimos anos, faz-me perceber um pouco de (des)humanidade.


Sinto-me pequeno ao ver as imagens de ataques vis em nome do poder que, desde idealismos megalómanos, apenas destrói. Sinto-me pequeno ao perceber que estamos, enquanto humanidade, reféns da deusa economia e do deus dinheiro. Sinto-me pequeno ante a fragilidade da vida, de sermos meros peões de um jogo de interesses. A ironia ou hipocrisia da realidade: quem preside o Conselho de Segurança das Nações Unidas é quem invade um país. Sinto-me pequeno. Mas um país é feito de pessoas e emociono-me ante a coragem de milhares que se rebelam e manifestam, mesmo sendo acusadas de traição com consequências nefastas, contra o que consideram a barbárie de um homem que se guia pela sede de poder.


Ontem, de noite, ajoelhei-me, fechei os olhos e voltei àquelas três horas em que rezei sozinho no Túmulo de Jesus. Naquele momento, com humildade, senti-me representante de toda a humanidade. Na minha pequenez, no meu pecado, enquanto tocava na pedra, pedi-Lhe a Paz. Mas Ele não dá a paz no etéreo. Deus conta com as nossas mãos, os nossos olhos, os nossos braços, as nossas pernas, os nossos corações, as nossas vidas para sermos homens e mulheres de e da Paz. Pensemos e repensemos as nossas acções, fazendo dos nossos gestos lugares de amor a nós mesmos e ao próximo, tornando-os oração por todos os que sofrem. Sejamos luz ardente na grande sombra que assola a humanidade. Sejamos Paz.


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Lugar de luz




[Breve apontamento a meio deste dia] A subtileza da flor de magnólia fez-me parar. Estava com ecos da dura notícia do dia e da memória que o Facebook fez da publicação de há quatro anos. Fui aos meus escritos buscar este dia. Li todo o texto que levou a esta conclusão. Emocionei-me. Reconheço a aparente ingenuidade e o aparente simplismo do que escrevo, mas tendo em conta a minha experiência com os meus combates de alma e todos os outros que acompanho, cada vez mais percebo que cada pessoa pode dar o seu contributo ao fim das guerras quando se permite, com mais ou menos ajuda, atravessar o mal que a habita, curando a alma de todo o desamor, tornando-a lugar de Luz. Que haja Paz!

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Ecos de ligar e desligar


Teresa e Dado | Arte Magna


[Breve nota, com tanto no coração] A Missa terminou pelas 17h30. Ecos de “ligar e desligar o céu e terra”, do evangelho de hoje, continuaram a bailar em mim. Fui sentar-me na pedra que gosto e estive a contemplar o anoitecer. O silêncio destes momentos é apaziguador. “Ligar e desligar o céu e a terra”. Que poder temos. Que poder tenho. Preciso sentir a noite, paradoxalmente para não me perder no ofuscar das luzes, e fixar-me na Luz. Aproveitei para falar com algumas das muitas faces de mim: o filho, o companheiro, o padre, o amigo, o padrinho, o escutador, o perdido, o crescido, o que diz sim, o que diz não, o peregrino, o sedentário, o pecador, o amante, o orante. Agradeci. Ainda com o rasgo de lusco-fusco no horizonte, a temperatura desceu rapidamente. Arrepiei-me. A pele contorna-nos e recorda o aqui e o agora, sendo lugar do sentir. Rezei por todas as tensões, das relacionais, às internacionais. O poder de ligar e desligar céu e terra todos temos. E para o reconhecer é preciso o grande trabalho de aprender a integrar o imenso que levamos dentro. É a exigência da vida espiritual. Envolvido de noite, imaginei-me no grande útero de Deus: somos criados à Sua imagem e semelhança. As estrelas surgiram. O útero torna-se todo o universo: somos chamados a dar vida. É impressionante o tanto poder que temos! Sobretudo vindo do alto. Agradeci. E antes de sair, pedi-Lhe novamente: dá-me um coração sábio, atento, que saiba escutar e amar; ajuda-nos a crescer de Paz.


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Breve oração


[Breve oração ao adormecer com ecos da contemplação no final da tarde]


Agradeço-Te 

o silêncio em cor de fogo

como mar a chamar-me

ao infinito onde a paz é

celebrada como lugar de vida


Peço-Te

cala-me as palavras vãs

deixando falar os gestos 

amassados de fé


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Raízes



[Secção coisas de nada] Achei fascinante andar por um caminho de raízes. Altivas, fortes, imensas, entrelaçadas, numa comunicação de vida. Parava. Observava. Imaginava as minhas raízes, das mais longas no tempo, às recentes: familiares, espirituais, existenciais de experiências vividas. O interessante: as raízes não se podam. Não podemos arrancar o nosso passado. O que se viveu está lá. No acompanhamento vou fazendo perguntas para ir o mais ao fundo possível do sentir, do concreto do que se viveu, para se perceber, por exemplo, onde é a raiz do sofrimento. Não se podendo arrancar, é possível curar. E nessa cura, ela fortalece e pode dar mais força e serenidade ao tronco e aos ramos. Estes últimos, sim, podem ser podados, direccionando futuro, em flores ou frutos bons.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Acolhimento


Nuno Gonçalves


[Conversas soltas com a devida licença para partilhar]

-Tenho para mim que a Igreja ganharia muito mais se perdesse o medo do corpo e se julgasse menos a vida dos outros.

-Quando fala de Igreja, pensa na instituição ou alguém em particular que pertence à Igreja?

-Sim, penso em alguém. Melhor, “alguéns”, pois é mais do que uma pessoa. 

-E essas pessoas estão-lhe atravessadas na alma.

-Fizeram-me mal. Rejeitaram-me quando descobriram partes do meu passado. Pressionaram o pároco para que deixasse de ser leitora e catequista. E pelos vistos, faltou-lhe coragem para enfrentar essas pessoas. Medo do corpo ferido de alma, a reconstruir-se depois de decisões muito duras. [Emocionava-se!]

-Que ainda estão a latejar no seu coração.

-P. Paulo, eu tive de me prostituir para dar de comer aos meus filhos. O meu marido abandonou-nos. A família dele virou-me a cara. E tinha duas crianças para cuidar. As instituições naquele tempo não se preocupavam. Era mesmo a miséria. E que fazer? Veio a oferta. Em lágrimas decidi. Ainda hoje me atravessa o nojo pelo corpo. A vergonha quando olho para os meus netos. Que pensariam se soubessem que a avó… [as lágrimas caiam densas]… e agora ainda mais com medo por aquelas pessoas que descobriram esses tempos. 

-Essas pessoas nunca devem ter lido a passagem em que aquela mulher que se prostituia foi respeitada e acarinhada por Jesus, enquanto os fariseus que julgavam a mulher a foram repreendidos pela sua falta de respeito e compaixão. 

-Qual é essa passagem?

-Em São Lucas, capítulo 7, versículos 36 a 50. Posso ler?

-Sim, sim.

[Enquanto lia, ouvia a sua emoção.]

-[Após um tempo de silêncio] P. Paulo, Jesus é maravilhoso. Senti em mim as Suas palavras. Sabe ganhei força para ir ter com aquelas pessoas e conversar com elas. Acho que lhes levarei fotocópias sobre este texto.

-Inclua também aquela passagem em Jesus diz que atire a primeira pedra quem não tem pecados. Para si, releia a passagem e permita-se fazer caminho de libertar o nojo e encontrar a serenidade. Apesar de não mudarmos o passado, somos muito mais do que esse passado. Também somos futuro. E Deus quer-nos livres de tudo o que nos impede de amar.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Sobre a vida espiritual


[Secção letras verdes] Quando na oração me apercebo de mais um convite à conversão. A vida espiritual é exigente. Bonita, mas exigente.


domingo, 13 de fevereiro de 2022

Da paixão ao (des)amor - Público





[Coisas na vida de um padre] Na passada quarta-feira, dia 9, estivemos em muito boa Conversa Ímpar, Luana Cunha Ferreira e Eduardo Sá, psicólogos, e eu, com Bárbara Wong, editora do Público. A conversa teve como base “Da paixão ao (des)amor”. Bárbara Wong escreveu um artigo a partir da conversa e que, nem de propósito para o tema das violências que se têm assistido em televisão no programa BB, deu como título algo que afirmei: “Quando há violência acabou o amor!” Volto ao mesmo: é urgente a reflexão e a promoção da educação para os afectos, para uma saudável sexualidade. Aqui partilho o link para o artigo, onde também é possível encontrar o vídeo com toda a conversa: 

https://www.publico.pt/2022/02/10/impar/noticia/ha-violencia-acabou-amor-1994874


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Um ramo de amendoeira entre luz e sombra


[Notas soltas sobre paternidade espiritual] Voltei a esta fotografia. Tirei-a nos meus dias de silêncio, em Exercícios. Fiquei parado a ver a flor de amendoeira. Reluzia com a subtileza do seu diálogo com os raios de sol. Pequena. Como um floco de neve. Recordei a lenda algarvia. Enquanto isso, no coração latejava esta passagem proposta para a oração, do profeta Jeremias: “Em seguida, o Senhor estendeu a sua mão, tocou-me nos lábios e disse-me: ‘Eis que ponho as minhas palavras na tua boca; a partir de hoje, dou-te poder sobre os povos e sobre os reinos, para arrancares e demolires, para arruinares e destruíres, para edificares e plantares.’ Depois foi-me dirigida a palavra do Senhor nestes termos: ‘Que vês, Jeremias?’ E eu respondi: ‘Vejo um ramo de amendoeira.’ ‘Viste bem - disse-me o Senhor - porque Eu vigiarei sobre a minha palavra para a fazer cumprir.’”


Recordo a sensação em mim enquanto rezava. Pequeno. Como a flor. Em luz e sombra. São tantas as vezes que peço a humildade a Deus, sabendo que Ele cumpre a Sua palavra. Como padre tenho imenso poder nas mãos. No olhar. No escutar. No falar. No agir. Atravessa-me mesmo a pequenez e a delicadeza da flor, com toda a responsabilidade que simbolicamente traz. Estes dias tenho-me emocionado, quando confirmo que só podemos viver a vocação com e por Deus. 


Quando escutamos a fragilidade de alguém, temos a sua vida nas mãos. É grande a responsabilidade. Cuidar bem dessa vida só é possível se estivermos centrados no respeito e constantemente conscientes, com toda a humildade diante de Deus, do poder de arrancar e demolir, arruinar e destruir, edificar e plantar. 


Por isso, é tão importante o silêncio. De pés no chão, a aprofundar raízes. A re-centrar o coração naquele que toca os lábios e o coração, sabendo que o poder é para O ajudar a que a Sua luz atravesse todas as sombras, em Primavera anunciada, naqueles e naquelas que confia a quem cuida espiritualmente. Na minha, nossa, pequenez, Ele engrandece nas suas vidas. Assim o creio. E as pétalas cairão dando lugar ao fruto.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Breve oração



[Breve oração ao anoitecer depois de um dia de muitos pensamentos sobre a existência]


Agradeço-Te

as cinzas de tudo

o que me impede de ser mais

livre, autêntico e consciente

dos limites e dos dons

das luzes e das sombras 


Peço-Te

que as uses para fertilizar as terras

que modelas com ternura

e insuflas de alento de Vida

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Pressão, pressões.


[Secção pensamentos soltos sobre critérios para candidatos a emprego] Parece que cada vez mais aparece “capacidade de trabalhar sob pressão” nas ofertas de emprego mais generalizadas. Não se tratam de ofertas para “gabinetes de crise”, “gabinetes de apoio em situação de catástrofe”, mas para “designer”, “marketing”, “áreas administrativas”, etc.. Dá que pensar.


Quando se fala, tanto de temas fracturantes e polémicos, como de aparentes banalidades, há que ter em conta o ser humano na sua existência total, para lá da sua funcionalidade. Mas, tal não acontece. A pessoa na sociedade actual corre o risco de ser mais uma peça de engrenagem, desculpem a expressão, mas “carne para canhão” numa empresa ou gabinete. Trabalhar em pressão até pode ser motivador, estimulando a criatividade, em determinados contextos. Mas, em situação prolongada, a pessoa vai-se deteriorando rapidamente nas muitas dimensões do ser. Por isso, normalizar-se o “trabalho sob pressão” é, a meu ver, perigoso a vários níveis. Para empresas sem cuidado e atenção pela pessoa, quem sofre esgotamentos pela pressão, sai e é substituída. A empresa segue. Pois, somos pessoas e não máquinas. 


Os últimos tempos têm sido totalmente atípicos, provocando alterações sociais sérias. Fala-se mais e bem de saúde mental. Mas, e sobre a saúde laboral? Normalizar “trabalho sob pressão” é contribuir para reduzir a pessoa a máquina ao serviço do sistema. E, repito, não somos peças, nem máquinas, mas pessoas, tanto quem busca emprego, como quem é emprega. A única pressão plenamente boa é a de um abraço ou aperto de mão a a afirmar que se está junto na colaboração para o trabalho ser mais humano e mais digno, dando tempo e espaço para contemplar e agradecer a vida.


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Dia dos consagrados



Nuno Gonçalves


[Secção pensamentos soltos em dia dos consagrados] Tracei este dia na agenda para ser de descanso. Mais uns minutos na cama pela manhã, oração prolongada, leituras, afazeres de ministro (sim, sou, mas sem assento parlamentar. É um serviço comunitário), passeio pelo bosque, sesta longa, Missa, telefonemas e mensagens, daqui a pouco breve oração e dormir. Ah, comi. Ainda não vivo do ar. Se bem que quando vivia no ar, ouvi: “ah, vocês também comem?” Voltando a hoje, deu para pensar nisto de ser consagrado. E de tantas perguntas que surgem sobre a vocação religiosa. Fará sentido nos dias actuais?


A minha resposta é claramente óbvia. Sim. Entregar a vida totalmente, em comunidade, é um desafio tal como outras vocações. Se bem que, em particular como jesuíta, implica a disponibilidade de coração e de acção. E isso acarreta muito de vida, onde o tempo tem outra dimensão, impensável e impraticável caso tivesse família. Ainda assim, o alicerce profundo é o da espiritualidade. A relação com Deus que nos desafia à liberdade nesse serviço maior a quem mais precisa. Também atravessamos contradições, lutas interiores, silêncios e buscas de maior autenticidade, para podermos testemunhar Deus que nos quer a todos adultos na fé, com alegria. Em tempos, falava-se da vida religiosa como a perfeita caridade. Tenho dificuldade com o termo. A imperfeição também me, atrevo-me ao plural, nos corre nas veias. E ainda bem. Além de ver muita perfeição noutras vocações, a imperfeição torna-me mais próximo e empático com as vidas que acompanho. Pois, é bom deixarmos a comparação de a-minha-vida-é-melhor-que-a-tua. 


A decisão da vida religiosa tem mesmo de ser atravessada de confiança no chamamento por Deus. Dá-se sensação profunda de realização interior, que se manifesta, apesar de todos os cansaços, com a paz que nos descansa. O importante: tomar consciência de que somos colaboradores de humanidade e divindade, a sermos luz e alegria para o caminho de quem de nós se aproxima, apontando na direcção daquEle que vive a amar. Afinal, há que nos choc…, perdão, animar com amor e humor a vida uns dos outros.


terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Estrelas em terra



[Secção coisas de nada] De uma das janelas do gabinete onde escuto, tenho acompanhado o florir de uma magnólia. Flor em flor, foi despontando até se revestir de branco. Depois de uns momentos de silêncio, contemplei-a, serena, no anoitecer. Enquanto olhava as flores, a serem envolvidas pelo escuro da noite, imaginei-as estrelas em terra. Como cada pessoa a querer ser ponto de luz na escuridão que pode estar a vida, sua ou de alguém. Cada vez mais pessoas vêm desabafar a sua escuridão. E em muitos casos é grande. Enquanto as escuto, acompanho, tentando orientar em direcção ao pontilhado luminoso presente nas suas vidas. Deus tem sempre meios curiosos para nos revelar a luz. Isso, estrelas em terra. Sempre sagrada, como é cada pessoa.