terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Acolhimento


Nuno Gonçalves


[Conversas soltas com a devida licença para partilhar]

-Tenho para mim que a Igreja ganharia muito mais se perdesse o medo do corpo e se julgasse menos a vida dos outros.

-Quando fala de Igreja, pensa na instituição ou alguém em particular que pertence à Igreja?

-Sim, penso em alguém. Melhor, “alguéns”, pois é mais do que uma pessoa. 

-E essas pessoas estão-lhe atravessadas na alma.

-Fizeram-me mal. Rejeitaram-me quando descobriram partes do meu passado. Pressionaram o pároco para que deixasse de ser leitora e catequista. E pelos vistos, faltou-lhe coragem para enfrentar essas pessoas. Medo do corpo ferido de alma, a reconstruir-se depois de decisões muito duras. [Emocionava-se!]

-Que ainda estão a latejar no seu coração.

-P. Paulo, eu tive de me prostituir para dar de comer aos meus filhos. O meu marido abandonou-nos. A família dele virou-me a cara. E tinha duas crianças para cuidar. As instituições naquele tempo não se preocupavam. Era mesmo a miséria. E que fazer? Veio a oferta. Em lágrimas decidi. Ainda hoje me atravessa o nojo pelo corpo. A vergonha quando olho para os meus netos. Que pensariam se soubessem que a avó… [as lágrimas caiam densas]… e agora ainda mais com medo por aquelas pessoas que descobriram esses tempos. 

-Essas pessoas nunca devem ter lido a passagem em que aquela mulher que se prostituia foi respeitada e acarinhada por Jesus, enquanto os fariseus que julgavam a mulher a foram repreendidos pela sua falta de respeito e compaixão. 

-Qual é essa passagem?

-Em São Lucas, capítulo 7, versículos 36 a 50. Posso ler?

-Sim, sim.

[Enquanto lia, ouvia a sua emoção.]

-[Após um tempo de silêncio] P. Paulo, Jesus é maravilhoso. Senti em mim as Suas palavras. Sabe ganhei força para ir ter com aquelas pessoas e conversar com elas. Acho que lhes levarei fotocópias sobre este texto.

-Inclua também aquela passagem em Jesus diz que atire a primeira pedra quem não tem pecados. Para si, releia a passagem e permita-se fazer caminho de libertar o nojo e encontrar a serenidade. Apesar de não mudarmos o passado, somos muito mais do que esse passado. Também somos futuro. E Deus quer-nos livres de tudo o que nos impede de amar.

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