quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Passagens




Jonathan Yeap

“Deus está vazio 
de todas
as suas obras”

A humanidade tem necessidade de rituais de passagem, desse simbólico que torna o mesmo de sempre, como a passagem dos segundos nesta noite, em algo que aponta novidade. Com mais ou menos superstição, festa ou humor, a noite de hoje mais uma vez será vivida por muitos no anseio de bons desejos. É natural e expectável. Quer-se o bem. E que bem assim é. Como tenho este lado que estremece com o demasiado convencional, com as tradições fechadas sobre si, tenho pensado como é que se pode viver de forma diferente esse mesmo de sempre. Pode haver agradecimento do que passou no ano anterior, as pessoas que conhecemos e que foram mais ou menos importantes no caminho. Mas, parece-me, também se pode agradecer esse esvaziar, no fundo, o libertar do que nos oprime e impede ser, tanto ricos de autenticidade, como cada vez mais pobres de (auto-)enganos. Abre-se um novo ano, as estrelas cadentes relembram o imenso do universo. A oração ou a meditação relembram o infinito de nós chamados à mudança, à transformação, à conversão. E o mundo também mudará. Afinal…

“Nas mãos do oleiro
o universo descobre-se
inacabado” 


[Poemas de José Tolentino Mendonça]

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Leis




Jeremy Fox


Cada vez que há uma lei nova a criminalizar, fico a pensar na tristeza do acontecimento. É triste que tenha de se chegar ao ponto de criminalizar a ofensa ou a falta de respeito à dignidade do outro. Tenho lido tanto de júbilo, como de desdém ante a nova lei. Fico a pensar que a questão de fundo está mesmo na educação: que se dá (ou não), que se recebe (ou não) e que cada um pode viver por si (ou não). É triste o acontecimento de criminalizar. Entre outras coisas, é sinal que a base, o fundamento, da boa criação, entre intelecto e afecto, não funcionou, impedindo de distinguir a graça que pode levar ao encontro, da estupidez que pode magoar e muito.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Sobre o silêncio...




Joe Leung


Tenho andado a ler “O Livro do Silêncio” de Sara Maitland. Um grande ensaio a partir da experiência, ajudado por muita investigação, que a autora viveu na busca do silêncio. O silêncio é importante, necessário e arriscado. Não se trata apenas de experiências espirituais. Trata-se de ir em busca de quem se é. Quando há essa disposição, há risco. O risco [e a certeza] de encontrar o que não se gosta lá pelas entranhas e dar o passo de se amar isso mesmo. No fundo, de dar luz a cada recanto da nossa história, sentimentos, sem julgar. É tão difícil, tão duro, mas tão libertador. Nestes dias tenho-me apercebido que é fácil colocar culpa numa serie de coisas, para se fugir a este caminho. No entanto, quando me apercebo que é de enfrentar a escuridão, ir às raízes, entrar pela cave e dar luz, frescura, sentido, e aceitar e integrar o que lá está, vive-se liberdade e dá-se renascimento. Acho cada vez mais forte isto do Natal ser à noite. É luz que ilumina as noites a serem atravessadas. E há (re)nascer… a partir dos riscos do silêncio.

Busca de Infinito



[Secção outros tons] Apenas vislumbro o silêncio de quem busca a fonte. É o risco do mergulho ao profundo... nessa ânsia de infinito e caminho de conversão.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Homilia da Missa da Noite de Natal




Isabelle Bacher


Presidi pela primeira vez à Missa da Noite, a celebrar o Nascer de Deus. É a Noite em que levo nomes para o altar. Nomes de tanta gente com quem me cruzei e cruzo no caminho. Este ano acompanha-me o silêncio deste mistério. Pedi que apagassem todas as luzes da Igreja e, à luz de uma vela, “escrevi” uma carta ao Menino Deus. Partilho aqui a minha homilia. Que o Menino Deus continue a nascer nos nossos corações. Santo Natal.


Deus Menino, sussurro-te esta carta de noite, neste silêncio embalado pela luz de uma vela, recordando a estrela guia até ti. Acabas de nascer. Surge a força dos reflexos para despertar o corpo tão nosso. Descobres o movimento fora do ventre que te protegeu durante a formação de cada orgão, de cada membro, de cada choque. A pele sente os panos lavados com perfume novo, tocas a tua mãe que te acarinha desde o momento que a palavra se fez carne em ti. 

Sem te aperceberes, és mistério. Sem te aperceberes, a tua fragilidade amplia todos os que vivem a fragilidade, tanto de corpo, como de alma. Sem te aperceberes, és sinal de toda a transformação. Tu, nessa pequenez de recém-nascido, tornas concreto todo o amor de Deus. Já não é uma abstracção, é rosto que se forma e falará de tu a tu. Nos dias de hoje já sabemos que crescerás a observar o mundo que te rodeará, ouvirás as palavras de afecto, os gritos de dor, as orações de desespero e de agradecimento. Crescerás a revelar o teu Pai de forma renovada. Em cada passo teu haverá nascimento de paz, de compaixão, de misericórdia. Sentirás, tu mesmo, as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias do povo que já não é isolado daqui ou dali, mas se expandirá em cada coração humano. Sim, essa humanidade de que te fazes participante, para que cada um de nós faça parte da força da tua divindade. Sem te aperceberes, és misterio que recorda a plenitude da imagem e semelhança de Deus em cada coração humano, neste mundo concreto, neste aqui e neste agora. 

Neste sussurro, quero embalar-te com nomes. Os nomes de cada pessoa que compõe esta comunidade que aqui celebra a beleza e o mistério do teu nascimento. Nomes de todos os que trazemos no coração, que traduzem histórias, com muitos sentimentos, com perguntas e gritos atravessados de incompreensão e saudade, junto com lágrimas ou sorrisos de afecto, alegria e vida. Nesta noite somos nós os pastores, com os nossos medos. Medos impelidos a serem dissipados na alegria deste acontecimento, que traz luz a cada recanto humano para que todas as trevas sejam eliminadas e as sombras da morte sejam transformadas em vida. 

Nesta noite em que nasces, ainda que não tenhas consciência, a tua liberdade rebentará as correntes da injustiça. Os primeiros a te contemplarem são os rejeitados da sociedade. Eu mesmo rejeitei e rejeito tantos. Jesus, Yeshua, serás ouvido, compreendido, amado por muitos. Serás, tu mesmo, rejeitado, criticado, atacado, por outros tantos. És mistério. És fonte de vida, sim, nessa fragilidade de Menino que está pronto a crescer, alimentado de leite, de pão e mel, dando espaço à doçura e carinho por todo o que sofre, por todo o que é último. O teu nascer ilumina a esperança de quem foge da guerra, da opressão, da violência física e psicológica. A tua pequenez incomoda quem quer ser grande de poder e de orgulho. 

Oh, Jesus, Yeshua, neste silêncio habitado também pela nossa fé, muita ou pouca, débil ou forte, fazes com que o amor ganhe novo sentido. Assim, tu, Deus encarnado em Menino, transformas toda a nossa pele humana em traço divino. Olhando para ti, olho para as minhas mãos, para a minha pele, e vejo novas marcas. Não só Deus assume humanidade pela carne, como cada um de nós, aqui presente, cada ser humano, nesta mesma carne que somos, nos moldamos em Deus. Que responsabilidade nos dás, Jesus, Yeshua, sem que te apercebas agora como Menino recém-nascido. A partir deste teu nascer, a humanidade começa a transformar-se, sendo plena no dia em que te entregarás, te despojarás por cada um de nós, sem excepção, e ressuscitarás. 

Assim, se te deixamos nascer no nosso coração, tudo fica diferente. As nossas palavras, as nossas orações, os nossos gestos, ganharão a força da Tua vida, da Vida de Deus. Jesus, Yeshua, no mistério que és, ajuda-nos sempre a recordar, a viver, o mistério que somos em ti, para vivermos, sem medo, a alegria da misericórdia. Ajuda-nos a viver a autenticidade da nossa fragilidade e da nossa força, a perdermos a vergonha de te entregarmos tudo o que nos afasta do amor por nós mesmos e pelo próximo. 

Deus Menino, sussurro-te esta carta de noite, neste silêncio embalado pela luz de uma vela, recordando a estrela que nos guia até ti. Acabas de nascer… no coração de todos os que amam. Amén.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Brasas iluminadas




Nada mais para além das cores vivas das brasas. A senhora das castanhas ao ver-me a fotografar sorriu. "O senhor é poeta?" Respondi: "Tento ser. Apenas fiquei fascinado pela beleza desta cor." "Obrigada, vou estar mais atenta." Ofereceu-me uma castanha, sorrimos e desejámos feliz Natal, iluminados pelo fogo.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Convenções e diferença




Arghya Chaterjee


As convenções fazem parte do ser humano. Convencionar, delimitar, definir, regrar, têm de constar na linguagem quando se vive em sociedade. No entanto, abusar disto pode levar à formatação, que anula outro lado da humanidade: o único, o genuíno, o diferente, o especial. Ao longo dos tempos o social estratificou modos de ser, criando modelos rígidos que podem anular a riqueza também inerente a cada ser humano. Sim, a riqueza proveniente dessa unicidade também não pode ficar sem limites. Parece-me que educar, ou fazer caminho de crescimento, é ajudar a dar asas à riqueza de cada um, junto com pautas de diálogo, sobretudo no saber escutar para além do preconceito pessoal.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Mãos




Dolon Archi


[Secção outros tons] As mãos contam a história de quem amassou terra. Semente após semente, as horas foram sendo depositadas. Gretas surgiam entre sol e frio, nas estações que deixam cair folhas de fogo, dando espaço aos rebentos, vigorosos, apoiados em contos. Não há velhos, não há novos: a vida faz-se de memória agradecida e de sonhos.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Sobre reacções...




Dmitry Butuzov

[Secção desabafos] Nos últimos tempos tem-me incomodado e dado que pensar as reacções de muitos cristãos católicos a temas sensíveis, como o divórcio, situação de recasamento, homossexualidade, já que em nada tocam a misericórdia de quem se diz seguidor de Jesus Cristo. Tenho lido, ouvido e visto reacções de agressividade que mexem com a vida de muitas pessoas: que menos esperam, que podem estar sentadas no lugar ao lado da Missa, ser do mesmo grupo de reflexão sobre a fé ou bíblico. Quando os temas são sensíveis, há que tratá-los com sensibilidade e respeito pela pessoa, sem pôr tudo no mesmo saco. É impressionante as barbaridades que se dizem acompanhadas com o artifício retórico de “e eu até conheço ou tenho amigos que são divorciados, recasados, gays, etc.” Se se tem esses amigos e se o são realmente, cuidado com o que se escreve ou diz, pois com amigos assim… já se sabe. Custa-me ver que em nome da fé, perdão, duma pseudo-moral-que-se-diz-vir-da-fé, pode-se provocar tanto sofrimento desnecessário. Por vezes, apetece perguntar se a reacção visceral que se tem aos temas não será alguma situação mal resolvida, consigo ou com outros próximos, que não quer aceitar. Se assim é, não vai de rezas, mas de se fazer caminho de encontro consigo próprio… e nisso, Cristo foi muito claro (e duro, sobretudo com os fariseus e doutores da Lei). De vez em quando lá me recordo quem tem precedência na chegada ao Reino dos Céus.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Aula com alunos de 5.º ano




Bjorn Persson


Mal entro na sala, alguns põem logo as mãos em cima da mesa. Não, não é nenhum tipo de inspecção. Desde que comecei as aulas com eles que, antes da oração da amanhã [tenho aula ao primeiro tempo], resolvi dar-lhes dicas de meditação. Mãos apoiadas na mesa, costas direitas, pernas descruzadas, pés bem assentes no chão, olhos fechados. Inspira e expira… e cá vai disto. “Isto ajuda-vos?” É sabido que as crianças têm grande capacidade imaginativa. Um ou outro sorri, emociona-se, em todos vou percebendo a serenidade a acontecer. “Sim, stôr!”, “É diferente!”. Propus, por exemplo, que visualizassem alguém de quem gostam muito, depois alguém com têm mais dificuldades de relacionamento. Pedi que dessem um abraço a cada pessoa. Achei que iam fazê-lo em pensamento, quando tenho o meu momento de surpresa: todos, quase em coreografia, levantam os braços e, das duas vezes, dão um abraço. Depois, conversámos e as partilhas foram no ponto.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Advento




Justin Knott


Estamos em advento. É tempo de espera, em esperança, do nascimento de Jesus. Em cada ano voltamos a viver este mistério, tornando-se oportunidade para renovar ou transformar o encontro que cada qual tem com Deus. Para uns esse encontro é de certeza, de aconchego, de acolhimento, para outros, por muitos motivos que merecem respeito, é de silêncio, de confusão, de tristeza, de dúvidas ou até mesmo de negação. Atrevo-me a dizer que este tempo de espera tanto é nosso como é de Deus. Sim, Deus também espera, em esperança, pela nossa vinda até Ele, com imenso respeito pela nossa liberdade.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

[Primeiro-] Ministro



Zay Yar Lin


O Presidente da República indigitou António Costa como Primeiro-Ministro. Neste momento, parece-me importante que, mais do andarmos em lutas de ataque-defesa, se pense realmente em algo óbvio: nas pessoas, em especial as que estão mesmo mais desprotegidas e com muitas dificuldades a vários níveis. Mais do que pensar em “bolsos pessoais”, haja sentido do que significa ser Ministro (do latim “Minister”): não é aquele que se serve a si mesmo e/ou amigos próximos, mas aquele que serve. E para servir desta forma é preciso muita consciência da responsabilidade social.

domingo, 22 de novembro de 2015

Caminhos




Fabio Petti


[Secção outros tons] Bastam-me as moradas que tenho de cruzar. Entre o silêncio, a noite e o amanhecer, novas nuances surgem em pinceladas na alma, tornando o corpo mais humano.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Folha branca




Aula de 3.º ano Ensino Profissional (alunos entre os 17 e os 20 anos). Módulo: Relações humanas e gestão de conflitos. “Uma das coisas que me apercebo é a grande necessidade que há de falar sem filtros. No entanto, é difícil falar de sentimentos e explorar o que nos vai nas entranhas. Já sabem, eu acredito em vocês. Não me interessa os estigmas e preconceitos que há com as pessoas que frequentam estes cursos. Eu acredito em vocês. Aqui têm uma folha branca. Vão escrever o que quiserem… até mesmo ‘estou farto desta m..da toda’. É para vocês, não é para me darem. [Caras de incómodo, estranheza e ‘este passou-se’.] Peço-vos que sejam verdadeiros e autênticos convosco.” Música de fundo. Também escrevi na minha folha. Um silêncio impressionante. Sim, incómodo, muito mesmo. “Stôr, acabei.” Levantou-se e veio dar-me a folha. “Ah, mas não é para me dar.” “Eu quero que leia.” Muitos entregaram-me. Terminei a aula antes do tempo para lhes dar tempo para respirar… “Stôr, não volte a fazer mais disto!” “Ainda agora estamos a começar.” ;)

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Agradecido




Enviei este sorriso a uma pessoa especial, depois de ter recebido uma mensagem à qual me senti muito agradecido. Isto há uns tempos. Acho que faz sentido partilhar hoje este sorriso no dia seguinte a ter recebido tanta manifestação de carinho e amizade. Sorri muitas vezes, emocionei-me também, agradeci, agradeci muito a Deus. A vida é feita de relação, de busca, de encontro, de deixar que nesta peregrinação possamos ir abrindo mais os horizontes. Ontem foi um dia cheio… ainda está a ser. Não conseguirei responder às muitas mensagens que recebi. Fica aqui o agradecimento especial, com um sorriso, a cada uma e a cada um. 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Sonhos




Aula com alunos de 5.º ano. Tinha pensado um tema, mas uma pequena conversa de corredor com um pequenote antes de entrar na sala fez-me mudar o que tinha pensado. Sumário: “Ao encontro dos sonhos”. Foi engraçado vê-los agitados de curiosidade a passar o sumário. “Sabem, acredito que os sonhos mudam a vida e que podem realizar-se. Façam o favor de sonhar muito! Que sonhos têm?” E comecei a escrever no quadro os sonhos que iam partilhando. Regras: ninguém podia julgar, nem pôr em causa ou gozar com nenhum sonho de um colega. Era o tempo e espaço de liberdade para partilhar os sonhos. No final, já quase na hora de sair, queriam continuar a partilhar. Disse-lhes: “Mais importante do que partilhar agora, alimentem os sonhos no vosso coração. Libertem a imaginação. Não há sonhos impossíveis. Podem realizar-se de forma diferente ao que esperamos, mas realizam-se.”

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Encontro, conversão.



Sirsendu Gayen


O encontro connosco mesmos, esse entrar na consciência de si, é um exercício exigente. Tenho-me apercebido disto nestes tempos de muita aprendizagem, acabando por surgir muitas perguntas que me fazem tremer diante do que me é confiado. O exterior pode ser desafiante. No entanto, o grande desafio está no transformar-me, converter-me, ampliando o horizonte do meu sentir e estar. E isto é duro, sobretudo por também implicar perder ou perder-me. Pode-se dizer: a exigência da fé nesse abandono à confiança de Deus, que não está lá, como os ídolos, mas cá, nas entranhas, segredando a força da própria humanidade e divindade. A conversão não é para apenas tornar-me uma pessoa melhor, mas alguém divino com Ele. Para tal, as noites, os silêncios, as ausências de Deus fazem crescer, dando-se caminho de liberdade.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Deus em causa




Calla Kessler

- Stôr, desculpe a pergunta. O stôr na Missa de domingo disse que às vezes não acredita em Deus. Percebi bem? 
- Não me recordo como formulei. Provavelmente o que disse foi, mais do que não acreditar, que também punha Deus em causa. Melhor, questiono o meu modo de acreditar em Deus.
- Nunca pensei que um padre pudesse dizer isso. Se o diz, sinto-me mais descansado.
- Então?
- Oh, acho que também passo por isso, mas fui ensinado que a fé não se põe em causa. 

- Não ponhas em causa a fé em ti, mas quanto ao modo de ver, viver ou sentir Deus, de vez em quando é bom que te perguntes sobre isso. Agora, não o faças sozinho. Busca sempre alguém que te compreenda e ajude a fazer caminho. Deus e nós somos mistério, pena é que se perca a consciência disto. 

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Caminho de sombra...



Takashi Nakagawa


No caminho da liberdade, há vistas de beleza em encantos de consolação. É o brilho de sol em Primavera ou Verão. Vem o silêncio da contemplação. Com igual naturalidade, mudam as estações. O caminho segue e a rota leva até às sombras da alma que repugnam, não apetecendo encarar ou aceitar. Suaviza-se a consolação da beleza, em contraste com a nova visão da realidade que, afinal, também sempre lá esteve. Abraão, Jacob, Job, Jonas, Isaías, a mulher Samaritana à beira do poço, e, claro, Jesus, passaram por esse confronto para encontrar liberdade. Nessa marca de ideais sociais e religiosos de perfeição ou pureza, esconde-se ou evita-se tocar o lado sombrio do ser. Por mais duro e terrível que seja, nessa passagem dá-se crescimento, expansão do ser, em liberdade e amor. Daí que nunca se pode julgar. O caminho com Deus é profundamente pessoal.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Ensinar. Saborear.




Sho Shibata  


Aula com alunos de 5.º ano. Lemos um poema de Ary dos Santos, onde se percebe que estudar pode significar muitas coisas. No final, propus que em casa voltassem a ler o poema e no caderno escrevessem os versos ou palavras que mais lhes chamassem a atenção. Rapidamente alguns braços no ar para perguntar: “O tpc é obrigatório, professor?” Respondi-lhes: “Não, não é nem tpc, nem obrigatório. É uma proposta para que em casa com mais calma possam saborear o poema. Que pena é que só se façam as coisas quando são obrigatórias. Sim, imagino que têm muito que fazer e limitam-se ao que são obrigados, mas, por favor, não reduzam a vossa vida de estudo ao que é apenas obrigatório.” Não sei quantos irão fazer o que pedi. Sei que nestas idades é preciso marcar bem os limites. No entanto, também sei que as crianças podem ser educadas no sentido da liberdade em saborear a realidade. Há riscos? Sim, há. Mas quero contribuir para uma educação que não mecaniza, mas humaniza. 

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Silêncio




Francisco Negroni

O silêncio faz jus à Palavra.
Nessa escuta, em tempo
que o pão leva a ser amassado,
o vento passa pela vinha

soltando folhas de fogo.


domingo, 27 de setembro de 2015

12 anos




Dulce Antunes - Missa final dos 1.ºs Exercícios Espirituais que orientei


Diz que à dúzia é mais barato. Mas cá não andamos em promoções, porque damos, ou neste caso, vou dando de e com graça a minha vida de forma especial como jesuíta há 12 anos. Há momentos em que parece que foi ontem, outros em que já foi há imenso tempo. Têm sido tantas as mudanças em mim, em jeito de conversões que vão acontecendo, que há muito a agradecer e a continuar a descobrir… sobre mim, sobre Deus e sobre os outros e o mundo a que sou enviado… e nesse descobrir perceber onde posso continuar a dar, a partir do muito que vou recebendo, em especial da Companhia de Jesus, que também hoje celebra 475 anos.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Pastor




A bolsa guarda as muitas chaves… sobretudo para abrir passagens. O peixe já me acompanha desde que fui morar para Lisboa com 18 anos. O “J”? Em S. João, Jesus mostra-se como o bom Pastor e como a porta. É no cadernito que vou apontando as ideias, intuições, palavras soltas, do que vou escutando…


Ontem, em conversa, apercebia-me do tsunami que passo. Explico: foi-me confiada a missão de ser o coordenador da pastoral do Colégio das Caldinhas, que compreende 5 escolas, perfazendo um total de quase 3000 alunos dos meses de idade aos 22 anos, juntando, claro, os muitos educadores. Numa das escolas sou professor de Educação Religiosa e Formação Integral. Também sou coordenador das actividades da pastoral comum aos 3 colégios dos jesuítas em Portugal. Têm sido muitas reuniões, conversas, leitura de pastas… de escuta, muita escuta, para perceber como posso bem servir por aqui. Vivo muitas sensações diante dos desafios que tenho pela frente. Claro que já vou acumulando pérolas ;) , além de já ter sido confundido como electricista, houve um aluno de 7.º ano que depois da minha apresentação manda esta: “p’a padre até se veste bem!” ;) Seja como for, uma das minhas prioridades é cuidar. Afinal, pastoral vem de pastor, aquele que cuida. O primeiro a cuidar é Cristo, o bom Pastor. E Cristo tem uma predilecção por quem está cansado, oprimido, perdido ou rejeitado. Não julga, apenas quer cuidar e com misericórdia. Em resumo: de momento é uma animação de informação a reter, para poder cuidar bem.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Ajudas




AP Photo/Martin Meissner


Tenho estado mais silencioso por estes lados. 1) O tempo tem sido diminuto, sobretudo diante da muita novidade a absorver com a nova missão. 2) Do que vou lendo sobre a situação de crise humanitária que estamos a atravessar, só penso que infelizmente a memória é cada vez mais curta, deixando o medo e a ignorância tomar as últimas palavras. Vale-me a esperança de muitos mais que vêem seres humanos nos rostos: de família, amigos, sem-abrigos, refugiados, migrantes, desempregados, excluídos. Afinal, quem se interessa pelo ser humano em sofrimento procura onde há necessidade, ajuda no que pode fazer ou oferecer, e ponto. Se é necessário fazer reflexões? Óbvio, mas essas levam tempo e é preciso estudo, muito estudo, que não são meras opiniões. De momento, que se ajude como se pode… seja o vizinho do lado que está no desemprego, o sem-abrigo que dorme na nossa porta e/ou os refugiados que fogem para viver. O resto são tretas… para não dizer outra coisa.

domingo, 30 de agosto de 2015

Cultura de acolhimento




Robert Atanasovski/AFP


Somos concebidos em cultura. Essa cultura que atravessa a humanidade condiciona o modo de pensar e viver. É difícil, para não dizer impossível, alcançar a pura neutralidade. Questões de crenças atravessam todos os âmbitos. Ser humano é ser crente. E não vale a pena fugir disto. Os tipos de crenças é que podem variar: do desportivo ao religioso, sem esquecer o político, elas pairam na vida de cada um. Somos cultura, somos crença… e somos relação. Nessa relação deveríamos perceber a riqueza da humanidade na sua diversidade. Chegam-nos humanos, como cada um de nós, por mar, atravessando arames farpados, de culturas diferentes. Apenas buscam viver… nem é viver melhor, apenas viver. Ficar-se neutro é impossível, já não o é optar entre o medo ou a confiança na altura de falar na ajuda que se pode dar. Continuo a acreditar que, para além das crenças todas, possa crescer a de um mundo melhor. Nestes dias, de todo que passa por acolher, e não expulsar, sobretudo quem quer apenas viver.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Notas soltas



Juan Carlos Osorio

Escrevo notas soltas
no caderno que sente
a letra mudar

o pensamento
em rabiscos e ideias

o sentimento
em frases e dizeres

entre Deus e Amor
são histórias sem fim.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Aprumar valores




Yap Kh


[Secção desabafos] Estar “fora do mundo” durante alguns dias sabe bem. É como se me fechasse numa redoma de outros ventos e marés. No entanto, sabe-me bem apenas por uns dias, pois muito mais tempo entro no perigo de desligar-me da realidade circundante. E é essa realidade que também me ajuda a pensar. É certo que temos vários níveis: o banal do quotidiano, o extraordinário, os acontecimentos de vida e o que se passa no mundo. Dá-se mais interesse conforme os gostos. Volto e leio sobre a gravidade da situação humanitária de refugiados, sobre a continuação do massacre perpetuado pelo Estado Islâmico, sobre as manifestações de extrema-direita na Alemanha contra a entrada de refugiados no país e sobre pessoas a continuar a morrer no Mediterrâneo por buscar a vida. Gosto de animação, não sou pessimista, sigo numa linha de esperança, mas que dói, dói. O que mais custa é saber que há quem tenha interesses com tudo isto, banalizanado a vida humana. Diante destes cenários, fico a pensar na hierarquia de valores que tenho de aprumar… afinal isto de amar o próximo como a si mesmo tem muito mais que se lhe diga.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Agradecer




Agradecer. Verbo bastante usado nos últimos tempos, tanto nos Exercícios espirituais que fiz e orientei, como nestes dias de Campo de Férias com uma equipa de animadores muito boa, tal como o grupo de participantes. Como não podia deixar de ser, houve demonstrações de segurança da “Jesuit Airlines”. Percebo que a farda ainda tem de ser adaptada, mas já está em caminho. ;) Sinto-me agradecido pelas boas conversas e partilhas…. com muita gargalhada à mistura. Como alguns diziam: “Oh padre, acalma lá o olhar ‘suga almas’”. Não suguei nenhuma, mas vi imensas cheias de dons, muita criatividade e com corações cheio de vontade de ajudar e servir. Não, não me venham com “a juventude está perdida”. Do muito que tenho visto, em particular estes 42 adolescentes, entre 17 e 19 anos, que animámos, todos têm potencial para ajudar o mundo a ser melhor. Eles não são o futuro, mas o presente da humanidade. Daí, muito a agradecer. :)

sábado, 15 de agosto de 2015

Partilha(s)




Têm sido dias muitos cheios, de silêncio e com muita escuta: pessoal, de Deus, de outros. Ainda estou a orientar Exercícios Espirituais. Depois irei para campo de férias. Será a loucura e animação. Daí continuar mais ausente destes lados. ;) Agradeço as mensagens que me têm enviado, responderei com calma assim que possa. Deixo uma pequena partilha do que pensei sobre a misericórdia durante o meu retiro: “Repito muitas vezes ‘misericórdia’, com o sentido de ‘entranhas mexidas’ com a dor, o sofrimento, do outro. Tenho receio de que de tanto repetir possa esvaziar a palavra, tal como acontece com ‘amor’. No entanto, tal como na dança, a repetição do gesto, do movimento, é fundamental para os incorporar, também é necessário repetir os gestos de misericórdia. Deixar que se entranhe, incorpore o sentido da entrega, do amor ao próximo. Dito assim pode ser, ou pode entrar num voluntarismo. Aqui é uma questão, mais que de esforço, da prática de amor ao próximo a partir de Cristo. Imitar Cristo, não me comparar com Ele. Senhor, peço-te, ajuda-me a ‘con-figurar’ contigo. Não para ver se chego onde tu chegas… não é uma questão de comparação ou competição, mas de viver o amor ao próximo a partir do teu amor. É aí que vou percebendo o ‘passou fazendo o bem’ e o ‘levanta-te’ tantas vezes repetido a quem estava caído, desprezado, excluído e rejeitado, sem exigires nada, absolutamente nada, em troca.” 

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Exercícios Espirituais




Paul Brooks


Estou a mergulhar de forma diferente nos Exercícios Espirituais (EE) de St. Inácio. Depois de os ter feito pela primeira vez há 14 anos, preparo os que vou orientar pela primeira vez sozinho a partir de amanhã para um grupo de 16 pessoas. Depois do merecido descanso entre sol e mar, preparo os pontos e os textos bíblicos que irei propor como ajuda ao encontro entre a “criatura e o Criador”. A grande riqueza dos EE está situada neste encontro, onde, mais do que ideias ou teologia, promove a liberdade através de um caminho que fará dialogar a história pessoal com o seu passado, sem julgamentos, na actualidade, em conjunto com a de Deus, em especial a partir da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus. Depois farei eu os meus EE… e de seguida voltarei a orientar outro grupo. Nos próximos dias estarei rodeado de espiritualidade inaciana e sobretudo de encontro com Deus. Nesse silêncio habitado e orante, tanto proposto como o que irei viver, rezarei por vocês, pelas vossas intenções e projectos. Peço-vos a oração e ou o pensamento, por mim e pelos dois grupos. Até breve. :)

terça-feira, 21 de julho de 2015

Coisas extra-quotidiano da vida de um padre - continuação de hoje




Chegado a Portimão para uns dias de descanso mais à séria, o meu pai disse: “vamos até ao Zoomarine!” Assim foi, pensando eu que seria mais uma das muitas vezes que lá fui. Mas não. Se há um ano andei a nadar com leões e elefantes marinhos e fui ver golfinhos no alto mar algarvio, desta vez os meus pais fizeram-me a surpresa de ir nadar de perto com os golfinhos. Este era um dos sonhos de criança. Posso não ser veterinário com especialidade em cetáceos, mas já posso dizer que dancei, nadei, mergulhei com o Hugo e dei e recebi beijinhos da Sara. Toda uma animação! De facto, sempre fui dado a novas amizades… mesmo que para muita gente possam ser estranhas. ;)

Coisas extra-quotidiano na vida de um padre




Os meus pais fizeram-me uma surpresa. Quem disse que sonhos de criança não se cumprem? Daqui a pouco conto mais... agora vou nadar com golfinhos!

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Pastor e ovelha e pastor




Jawed Alan


Ontem, durante mais uma viagem e acompanhado pela noite, recordei os muitos encontros desde que cheguei, junto com boas conversas. Sobrevoava: quem é o ser humano? Talvez em tempo de “silly season” não apetece andar com estas questões mais filosóficas. No entanto, o tempo não pára e os acontecimentos, mais ou menos conhecidos, continuam a mover a humanidade. Pensei nisto de ser “bom pastor” (para onde encaminhavam as leituras deste domingo, ajudado pelas reflexões das homilias dos dois companheiros jesuítas que este fim-de-semana presidiram às suas Missas Novas). Não podemos ser bons pastores se não conhecermos a realidade das pessoas que nos rodeiam. Além das pessoas, também dos tempos, das culturas sociais e religiosas, que vão para além do meu “eu” fechado sobre si mesmo, em ideias ou modos de pensar. No fundo, mais uma vez o apelo à conversão pelo que esta ou aquela conversa ou história fazem ver de novo, em especial, a partir da misericórdia. O Francisco Campos, no sábado, recordava que somos pastores e ovelhas. O Francisco Martins, ontem, recordava-nos que o compadecer de Jesus é algo de entranhas, nesse movimento visceral, até mesmo uterino, que provoca vida. O bom pastor quer e compadece-se da vida das suas ovelhas, independentemente da sua cor, raça, sexo, crença, força ou fragilidade… sem esquecer, ou talvez por tomar cada vez mais consciência, que também é ovelha.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Muros




Laszlo Balogh/Reuters


[Secção desabafos] Li que se começa a erguer mais um muro na Europa. “Impedir a entrada de gente”, dizem eles. Os muros, físicos ou relacionais, erguem-se pelos medos. E o medo em excesso faz coisas muito estúpidas: impede a vida e fecha mentalidades. Ah, e se eles “lá” estão a morrer, isso, pelos vistos, não interessa nada. Realmente, a história é esquecida com muita rapidez.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Fase de regresso




Nilton Quoirin


Entre conversas e silêncios vou-me apercebendo que estou em fase de regresso. Há o regresso físico, numa viagem de lá para cá. Depois há as muitas outras pequenas viagens de regressos: de pormenores ridículos de me espantar com o valor de 2,8€ por dois croissants e um pastel de nata… quando em Paris só o pastel de nata seria 2€, passando pela sensação de precisar de tempo e oração para dar-me conta das mudanças. Parece que foi ontem, mas 5 anos fora é algum tempo, ainda mais quando muito aconteceu. O regresso também é tomada de consciência das mudanças, do solidificar ou confirmar caminhos, em registo de tanta gente que conheci, seja em conversas soltas, seja em amizades que ficarão pelo tempo. Estes dias passados foram de (re)encontros, de conhecer a nova casa, de começar a perceber os desafios da nova missão e de recordações, o que permitiu escutar e contar o “como foi” destes últimos tempos. Vivi também a alegria de co-celebrar na ordenação sacerdotal de três companheiros na Sé Nova de Coimbra. Hoje foi a Missa Nova de um deles, com foguetes e tapete de flores. Depois, coisas curiosas como andar na rua e “Desculpe, é o padre Paulo?” “Sim, sou!” “Ah, comecei a segui-lo pelo blogue, depois pelo facebook. Não sei se tem tempo, mas com algum descaramento pergunto: posso confessar-me?” “Vamos a isto! :) ” É isto, entre conversas e silêncios, vou-me apercebendo que estou em fase de regresso.