Aidan Williams
[Secção pensamentos soltos sobre a vida] Já ouvi “mais valia morrer, não faço cá falta nenhuma”. Conhecendo os acontecimentos na história dessas pessoas, compreende-se o sentir de extremo. Entre opções e realidades inesperadas que levaram a acontecimentos de grande sofrimento, muitas pessoas são marcadas pela sombra. Diante disso, a morte é por elas vista como solução e alívio. Será verdadeiramente a solução e o alívio? Não quero ir por resposta imediata. Afinal, o “não”, nos tempos que correm, é colado a uma posição conservadora e retrógrada. O “sim” é aparentemente fresco, brilhante, com marcas de progresso humanitário. O “nim” não existe. O “são” desajusta-se como resposta… sem sabermos se é de conjugação do verbo ser ou, simplesmente, alguém saudável ou ainda o diminutivo de algum nome. Por isso, antes de respostas directas e imediatas, fico a pensar na densidade de “desejos” e “sentires” por detrás da vontade de morrer.
Sem que investigue directamente, faço algumas leituras ligadas ao que se pode considerar o apogeu da desumanidade: o holocausto. Por exemplo, li “Noite” de Elis Wiesel. Um livro muito forte e duro, em que o autor relata as memórias da sua passagem por Auschwitz e como sobreviveu. Também li um talvez mais conhecido: “O Homem em busca de sentido” de Viktor Frankl, recordando como a sua experiência no Campo o ajudou a desenvolver a técnica de logoterapia, como saída do “sem sentido”. Posso mencionar também Emmanuel Lévinas, que mesmo perdendo toda a família, nos recorda que somos “responsáveis pelo Outro”. Inclusivamente pelo carrasco. Se assim não for, legitima-se todo o tipo de guerra e anulação de inimigos. Francine Christophe, também sobrevivente de um Campo, organizou em conjunto com a filha um congresso que tinha como tema “E se houvessem psicólogos e psiquiatras disponíveis para escutar os sobreviventes, como seria?”
Será a morte a solução ao sofrimento extremo? Apetece-me dar “vida” como resposta a esta pergunta. Mas, não uma vida qualquer. A vida em que a pessoa que está “sem sentido” pode ser ajudada a atravessar a sua sombra, não por um químico mortal, mas por alguém que a escute sem julgamento nos meandros da existência. Tenho noção que isto pode ser visto como muito bonito, mas se verdadeiramente queremos falar de dignidade, há que tomar consciência do central dos problemas, sem dar respostas rápidas. O desejo de pôr termo à vida seguramente não é por prazer. O sofrimento está lá e não deve nem pode ser menosprezado. A solidão, as memórias feridas de tanto mal sofrido, ou ainda a brutal dor física de uma doença que aparentemente anula a dignidade não devem ser justificações para a morte. Ajudar a atravessar a sombra é exigente, tanto por parte de quem faz o caminho, como quem escuta, em profundidade, respeito e sem julgamento, essa travessia. Ao fazê-lo, não tenho dúvidas, chega-se à vida.