Carmo Sousa Lara
[Secção conversas soltas, com a devida licença para publicar, alterando nomes]
- O P. Paulo fala tanto de corpo. Tem noção de dissociação?
- Sim, sim. Quando se estuda sobre trauma e corpo, umas das defesas mais ou menos inconscientes é a dissociação. A pessoa separa-se de si mesma. Há desde dissociações simples quando, por exemplo, nos abstraímos na sala de aula e a mente voa para outro lugar.
- Pois, quando os alunos se distraem. Tenho tanto de os chamar à terra.
- Neste caso, a distracção é um modo de dissociação. Depois há os casos mais extremos, em que a pessoa nem se consegue conhecer emocionalmente, como se a mente estivesse de um lado e a dimensão corpo de outro.
- Ou a mente ser de um género, tipo masculino, e o corpo do outro, tipo feminino, por exemplo?
- Transexualidade, é o que me está a perguntar?
- O que acha disso?
- A complexidade da sexualidade tem de ser falada com muita delicadeza. Antes de mais, estamos a falar de pessoas.
- E pessoas com 55 anos de muito sofrimento.
- Como o Mário?
[Emociona-se]
- O P. Paulo chamou-me de Mário?
- Não foi como disse que gostaria de ser chamado?
- Chamado? Usou mesmo o género masculino?
- Mário, se foi como me disse que queria ser chamado, não vou chamar de Maria.
[Muito emocionado]
- Está-me a dizer que não vou para o inferno? Foi o que me disseram há 30 anos quando me atrevi a falar disto com tanto medo pela primeira vez a um padre.
- Quem sou eu para determinar idas para o inferno? Eu quero direccionar para o céu. E inferno, pelo que vejo, tem vivido a vida toda.
- Tem sido: os gozos, as piadas, as bocas. Isto de viver em meios pequenos é terrível. - Chegaram-me a dizer que tinham nojo de mim, pela aberração que era.
- Deus nunca vê aberrações, vê pessoas.
- Posso pedir-lhe um abraço?
- Podem ser dois: o que me pede e outro como perdão, em nome de quem o destratou em Igreja?
- Muito obrigado!
[E a conversa continuou, em caminho de fazer encontro com Deus desde a pessoa que é.]