quinta-feira, 31 de março de 2022

Acolhimento


Carmo Sousa Lara


[Secção conversas soltas, com a devida licença para publicar, alterando nomes]

- O P. Paulo fala tanto de corpo. Tem noção de dissociação?

- Sim, sim. Quando se estuda sobre trauma e corpo, umas das defesas mais ou menos inconscientes é a dissociação. A pessoa separa-se de si mesma. Há desde dissociações simples quando, por exemplo, nos abstraímos na sala de aula e a mente voa para outro lugar.

- Pois, quando os alunos se distraem. Tenho tanto de os chamar à terra.

- Neste caso, a distracção é um modo de dissociação. Depois há os casos mais extremos, em que a pessoa nem se consegue conhecer emocionalmente, como se a mente estivesse de um lado e a dimensão corpo de outro.

- Ou a mente ser de um género, tipo masculino, e o corpo do outro, tipo feminino, por exemplo?

- Transexualidade, é o que me está a perguntar?

- O que acha disso?

- A complexidade da sexualidade tem de ser falada com muita delicadeza. Antes de mais, estamos a falar de pessoas. 

- E pessoas com 55 anos de muito sofrimento.

- Como o Mário?

[Emociona-se]

- O P. Paulo chamou-me de Mário?

- Não foi como disse que gostaria de ser chamado?

- Chamado? Usou mesmo o género masculino?

- Mário, se foi como me disse que queria ser chamado, não vou chamar de Maria.

[Muito emocionado]

- Está-me a dizer que não vou para o inferno? Foi o que me disseram há 30 anos quando me atrevi a falar disto com tanto medo pela primeira vez a um padre.

- Quem sou eu para determinar idas para o inferno? Eu quero direccionar para o céu. E inferno, pelo que vejo, tem vivido a vida toda.

- Tem sido: os gozos, as piadas, as bocas. Isto de viver em meios pequenos é terrível. - Chegaram-me a dizer que tinham nojo de mim, pela aberração que era. 

- Deus nunca vê aberrações, vê pessoas.

- Posso pedir-lhe um abraço?

- Podem ser dois: o que me pede e outro como perdão, em nome de quem o destratou em Igreja?

- Muito obrigado!

[E a conversa continuou, em caminho de fazer encontro com Deus desde a pessoa que é.]


terça-feira, 29 de março de 2022

Sobre perguntas


[Secção pensamentos soltos com letras verdes] Estive a assistir ao Consultório do Amor da sexóloga Tânia Graça. Gosto de a ouvir, nas suas explicações mais direccionadas para a sexualidade. Para as minhas reflexões, sinto necessidade de sair das bolhas de conhecimento e ouvir outras perspectivas. Daí saem sínteses de aprendizagem, que humanizam. 


Às tantas, Tânia diz que é uma mulher que gosta de questionar, sendo para ela algo importante o de pôr as coisas em questão. Como comentário, deixei a frase das letras verdes. Um dos fundamentos da Filosofia é a pergunta. É preciso perder medo à pergunta. A meu ver é mesmo de grande densidade espiritual. Se não pergunto o que está para lá do lugar, fico estanque, não me ponho a caminho. Atenção, até pode ser uma opção ficar. E há que respeitar. O que quero dizer é que a pergunta alavanca movimento, dinamismo, intelectual, espiritual e existencial. 


No evangelho de hoje, Jesus pergunta: Queres ser curado? Mostra claramente que, mesmo desejando fazer o bem, não se quer impor. A pergunta é caminho de liberdade, para mim, para o outro, para a vida. Depois, no caminho, ir percepcionando as respostas. De forma adulta, com humildade de não sermos absolutos, integrá-las no crescimento. Isto de sermos inacabados é maravilhoso. Estamos em descoberta. Que seja para nos humanizarmos, mais e mais. Como? Respondendo cada pessoa, por exemplo, a duas simples perguntas: Quem sou? Como estou?


segunda-feira, 28 de março de 2022

Conflitos e Paz


[Breve apontamento sobre conflitos e paz]  Quando observamos a sombra dos outros em acção, percebemos o poder que ela tem. Ficamos em choque. Lançam-se sentenças. Torna-se claro, evidente e necessário o trabalho pessoal, que implica muito silêncio, escuta e observação do lado escuro, do que não se gosta em nós mesmos, de modo a ser iluminado, apaziguado e pacificado. Em cada momento de violência, seja de que tipo for, exteriorizada fora de lugares de sanação, todos perdemos. Quando cada pessoa encontra paz, contribui para o ganho de todos. Sejamos Luz. Sejamos Paz.


domingo, 27 de março de 2022

Breve oração


João Almeida


[Breve oração antes de adormecer]


Agradeço-Te

a força do Amor,

de saíres ao nosso encontro

na busca de nós, sem qualquer crítica,

de braços abertos, a acolher e amar.


Peço-Te

viver o amor

livre de filtros


sexta-feira, 25 de março de 2022

Consagração



[Secção pensamentos soltos sobre este 25 de Março de 2022] Tirei esta fotografia há mais de um ano. Já noite dentro, onde fiquei pela força do silêncio que dali saía. A noite atravessada de luz pela Capelinha e colunata, com a cruz apontada ao alto. Trago-a hoje, em que, daqui a pouco, se dará a Consagração da Ucrânia e Rússia ao Coração de Maria, pelo Papa Francisco e Bispos por todo o mundo. 


A fé não é coisa pouca. Já li comentário a ridicularizar o acontecimento, “como se a fé resolvesse guerras”. Pois, é isso: a fé resolve guerras e muito mais. Um dos grandes problemas é se ter relegado a fé para lugares de infantilsmo moralista religioso, de um deus pronto a ser aplacado da ira com mezinhas e rituais. A fé é a base para que se crie laços de confiança, suporte, cooperação, colaboração, onde todos, sem excepção, partilhamos a mesma dignidade. Não é acaso ser ao Coração de Maria no dia em que celebramos a Anunciação. Deus não abdica da humanidade para se manifestar, melhor, para manifestar a vontade de que todos sejamos divinos. Conta com uma Mulher que dá o Sim. E sabendo que a fé tem muito de ventre materno, no laço que se estabelece com o cordão umbilical, então hoje é dia de recordar essa fé que, sim, pode acabar com guerras de formas humana e divina.


O texto que Francisco apresenta é, mais uma vez, de grande densidade: convida a que todos façamos um exame de consciência, de modo a que pela fé nos libertemos dos conflitos e encontremos a paz. O mistério da Encarnação dá-se pelo sim de Maria, esta Mulher que arriscou a vida pela e com fé. E dela nasceu o Príncipe da Paz, a Luz do Mundo, que desafiou a Humanidade a crescer na mesma Fé centrada no Amor. Hoje, para milhões de pessoas, é um dia com muito significado de fé e de esperança.


quinta-feira, 24 de março de 2022

Perdas gestacionais


Teresa e Dado | Arte Magna


[Secção conversas soltas, com a devida licença para partilhar]

- É tão difícil falar disto. 

- Tome o seu tempo. 

[Silêncio]

- As pessoas acham que é simples. [Silêncio] Mas dói muito, depois do físico, na alma. [Silêncio] Vivi dois abortos. Dois meses e três meses. Depois de muitas expectativas, conseguimos engravidar. Há algo de profundo que acontece. É uma felicidade que não se explica.  Sentia-me cheia de vida. Depois, uma dor horrível. É horrível. [Emociona-se.] Queremos guardar segredos, mas é difícil quando a notícia é tão boa. E quando se conta a outra notícia, ouvimos: “era o que tinha de ser”, “dá graças a Deus, talvez não fosse perfeitinho e encarregou-se de o levar”, “vocês são novos, já conseguem outro”, “menos mal que já têm um”, “há quem esteja pior”. P. Paulo, desculpe-me, mas as pessoas são parvas, não são? Perdem a noção? E a minha dor?

[Levanto-me.] 

- Posso dar-lhe um abraço?

[Abraçamo-nos. Vem o choro profundo.] 

- Dói tanto! É um vazio horrível!

- É um luto. Não se pode desvalorizar.

- Foram duas vezes.

- Ainda mais. Que dores violentas, física e emocional. 

- E nós, mulheres, somos consideradas o sexo fraco. Fraco? Desculpe-me P. Paulo: f*da-se!

- Isso, deite a raiva e zanga cá para fora. 

- Não se ofenda, desculpe.

- Fico ofendido se continuar a pedir desculpa por estar a libertar essa dor. É mesmo para dizer um real F*DA-SE!

- Obrigado! [Emociona-se] 

- Há gritos que têm de ser dados. É a perda de dois filhos. 

- E há tanta incompreensão nestas dores. 

- Que têm de ser acolhidas. Quem não sabe o que dizer, mais vale ficar calado. Todas as dores de alma têm de ser respeitadas e acolhidas, para poderem ser aliviadas e integradas. 

- Talvez possa ser estúpido, mas posso pedir-lhe para celebrar missa por eles?

- Não é estupidez nenhuma. Faz-lhe sentido?

- Muito. 

- E se for com as pessoas que para vocês, família, são próximas? 

- Agradeço-lhe de coração. 


terça-feira, 22 de março de 2022

Deus é amor


[Breves notas muito pessoais] Ainda criança, não me recordo se li numa história ou alguém me disse, comecei a pedir três desejos ao ver a primeira estrela da noite. Assim o fazia. E de vez em quando ainda o faço. Dois dos desejos foram mudando ao longo dos tempos, mas há um que se mantém: que haja paz no mundo. Olhava a estrela, fechava os olhos e pedia os desejos. Hoje, sorrio, na inocência que ecoa da aprendizagem de criança, e peço apenas esse que é um continuo: que haja paz no mundo.


O conhecimento, em trabalho pessoal, leituras e estudos, formações, liberta a ingenuidade. Acredito que seja possível a paz. Ainda há pouco, a celebrar com a tão bonita oração eucarística para as missas da reconciliação, ecoava-me forte esse desejo de paz. Mas não no etéreo. Sentia-o alimentado pelo Evangelho de hoje: perdoar até 70 x 7. Durante muito tempo pensei ser isto impossível. Com o trabalho pessoal de sanar as feridas, de reconciliar-me, visitando lugares de memória doloridos, aceitando as acções feitas ou palavras ditas, sobretudo tendo sido erradas, atravessando os meus lugares mais sombrios com essa luz límpida da verdade, dou-me conta que o impossível torna-se possível. O perdão vai suavemente brotando, surgindo a pacificação de coração.


Isto é exigente. Ao reler o que escrevi, parece fácil. Bem, curiosamente, mais que fácil, é simples, pois Deus é simples. Mas exigente. Estamos envolvidos por tantos filtros e por tantos ruídos, que ganhar coragem para a libertação até ao perdão também implica ajuda divina. Começa pela respiração, na consciência do aqui e do agora, e depois a enfrentar os muitos auto-enganos, mentiras, que nos colocaram e colocamos, para sermos aceites ou bem vistos social e religiosamente. A nossa integridade começa em nós mesmos, desmontando imagens de deus castrador, punitivo, tomando consciência de quem somos, simplesmente, sem véus. Até ao Deus Amor.


É a nudez do paraíso. Já não ingénua. Mas consciente de que, como adultos na maturidade da fé, depois do longo caminho feito de sombras atravessadas de luz, temos o poder de libertar, de amar e de perdoar. Está nas nossas mãos a responsabilidade da decisão. Sejamos Luz. Sejamos Paz.


quarta-feira, 16 de março de 2022

9 anos de diácono


SL Casamentos


[Pequeno apontamento em dia de celebração] Há 9 anos vivi dos momentos mais importantes da minha vida: a ordenação de diácono. Recordo o momento em que senti o já está durante a oração de consagração. Tudo mudou. Momentos antes, prostrado, a emoção era demasiado forte, ecoando em mim: “que eu seja terra fecunda ao teu serviço”. D. Fidel, o bispo que nos ordenou, com o impacto da eleição do Papa Francisco três dias antes, insistiu “vocês são diáconos da Igreja e da Sociedade. São chamados a servir a Igreja e a Sociedade”. Na minha oração, hoje, avivava a consciência da profundidade deste serviço nos tempos actuais tão densos. 9 anos passaram. Continuo em caminho de, como padre, ser o melhor servidor possível, na travessia das sombras pela luz. Nem de propósito, o Evangelho para hoje recorda que Jesus não veio para ser servido, mas para servir. Pois, é Ele o centro e o exemplo do Amor, que não se cansa de nos abraçar.


terça-feira, 15 de março de 2022

Breve oração


[Breve oração ao anoitecer, em tempos de tanto]


Agradeço-Te

ser pó da terra cheio de manta morta

a fertilizar as sementes lançadas

nas escutas, nos olhares, nos gritos,

tornando o coração a Tua casa


Peço-Te

silêncio para ouvir as raízes 

a recordarem que somos

atravessados de tudo e todos

em Ti


segunda-feira, 14 de março de 2022

Não julgues


[Breves notas, muito pessoais] A falta de tempo tem sido um grande factor a impedir a escrita por estes lados. Junta-se a pouca vontade. Tudo o que escrevo parece-me efémero. Escrevo, apago, re-escrevo, volto a apagar. As palavras têm sempre a densidade do sentir. Até mesmo num papel de recado. Quanto mais aqui, quando são lidas por milhares de pessoas. Sinto responsabilidade acrescida. Pedem-me palavras de esperança. É o que se pede a um padre, não é? Esperança. Fé. Carinho. Caridade. Misericórdia. Compreensão. Escuta. Vida. E Deus. Estremeço só de pensar. Nestes tempos em que tanto acontece.


Há dias, na ténue fronteira entre o estar acordado e o adormecer, o pensamento agitava-se com isto: os conflitos externos acabarão quando os internos forem enfrentados, dissolvendo-se o desejo de anular o outro. Recordo ter aberto os olhos, no escuro, e ficar a pensar nesta quase impossibilidade de eliminar totalmente os desejos de anular o outro. Só Deus vive isto. Vieram-me à memória tantas imagens.


“Não julgueis e não serás julgado. Não condeneis e não serás condenado. Perdoai e serás perdoado.” É tão básico, mas tão difícil. Estamos carregados de monstros sociais e religiosos que ora promovem o julgamento e a condenação, ora impedem o perdão. Por isso, o trabalho interno de libertação desses monstros é exigente, para encontrarmos o perdão a nós mesmos. Nesse abrir de olhos no escuro vi um gesto meu que continha ambiguidade, um jogo de interesses, e senti “tu és uma fraude”. Contorci-me de vergonha. Mas como já vou conhecendo os meandros dos monstros, respirei fundo por três vezes, a situar-me no presente, e na imaginação voltei ao gesto ambíguo. Olhei-me. Acolhi-me. Perdoei-me. 


No silêncio da noite, fez-se silêncio habitado de paz. Abriram-se um pouco mais das portas da compreensão. Talvez seja demasiado redutor, reconheço, mas precisamos de ir a estes lugares nossos e viver perdão. Não consigo acabar com as guerras, mas consigo humanizar-me um pouco mais. Depende de cada um de nós a decisão da morte e da vida, da guerra e da paz pessoais. As palavras têm a densidade do sentir. E do decidir, nos gestos de amor. Sejamos Luz. Sejamos Paz.

sábado, 12 de março de 2022

Conversas com Graça


[Coisas na vida de um padre] O dia foi longo, cheio de celebração. Comemoramos 400 anos da canonização de St. Inácio de Loiola e de S. Francisco Xavier, no ano em que celebramos os 500 anos da conversão de Sto. Inácio, com o tema “Ver novas todas as coisas em Cristo”. Estivemos mais de 2000 pessoas em Fátima, em encontro da família inaciana em Portugal. Também hoje foi publicada a conversa que tive com Ticas Graciosa no seu podcast Páginas com Graça. Falámos de muitas coisas, em novas perspectivas: fé, saber parar, homossexualidade, psicoterapia e acompanhamento espiritual, a vida com e em Deus. 


Aqui fica o link para o Spotify: 

https://open.spotify.com/episode/7muBE9fTExUGi6EYM64265?si=VFSVuwiQRG6F77sddzZ9tA


e para o YouTube: https://youtu.be/2emnqt-h-BM


domingo, 6 de março de 2022

O mal atravessado de bem


[Breves notas muito pessoais] Dos exercício espirituais mais exigentes que já fiz foi ir ao deserto da alma em oração e colocar de frente o mal que posso fazer. Quando tentei pela primeira vez fazer isto, não consegui. Mal fechei os olhos para, tal como Jesus, enfrentar Satanás, senti enorme repulsa, medo, vergonha. Percebi que estes exercícios não vão de heroísmos, mas de aprendizagem inspirada pelo Espírito a encontrar o tempo que se ajusta. Até que chegou o dia. Foi duro, muito duro. Mas sabia que tinha de o fazer para crescer em humanidade. 


E dar-me conta, de entranhas, que:

Posso maldizer. Posso desbaratar os meus dons. Posso criar conflitos. Posso contribuir para guerras. Posso magoar. Posso ferir. Posso fazer o mal. Posso matar. 


Tomar consciência disto é duro, mas profundamente libertador. Não me escondo atrás de máscaras de isso-é-para-os-outros, mas rasgo a minha sombra com a verdade. E daí surge luz. Quando se avizinham a raiva, a zanga, o ódio, não nego, assumo, integro e entrego a Deus. Ao saber que posso aquelas coisas todas negativas, também está nas minhas mãos, sem ingenuidade, optar pela vida, por pôr os dons a render, por bendizer, por promover a paz, por curar, por fazer o bem. 


Como já escrevi outras vezes, temos tanto poder em decidir por palavras e gestos que poderão ser de morte ou de vida. E cada pessoa, sem comparações, sabe o que realmente pode fazer em bem para si e para o próximo. A conversão leva-nos sempre à vida maior e autêntica, em amor. Sejamos luz. Sejamos Paz.


sexta-feira, 4 de março de 2022

Gosto muito de ti



[Breves notas muito pessoais, com letras verdes] Nestes dias tenho dito e escrito mais vezes


gosto muito de ti. 


Mas acabo por lutar contra os meus desajustes de ego que atazanam: que exagero, nem gostas mesmo da pessoa, apenas para ficar bem, lá estás armado em ser iluminado, queres que te lembre os pensamentos opostos?, de que adianta isso, lá te estás a armar em santo, ainda vão achar que estás com intenções dúbias. Vale-me saber que estamos carregados de lixo emocional, de julgamentos moralistas incutidos, também em inconsciente colectivo, que nos leva a muitas vezes não dar o passo do bem, mesmo na simplicidade do gosto muito de ti, por medos, muitos medos, que provocam tantos conflitos internos e relacionais. 


Tenho levado tudo à oração. Quando digo tudo, é mesmo tudo o que sinto. Fazê-lo tem sido uma aprendizagem ao longo dos anos. E é maravilhoso sentir a leveza de Deus que é o grande exagerado na promoção do Bem, que até tinha o discípulo predilecto, sem por isso gostar menos dos outros, de saber que as palavras e gestos de carinho adiantam. E, no caso de ambiguidades, que sim habitam-me, olho-as de frente para perceber a raíz disso mesmo, para curar ou tirar em reconciliação.


A reconciliação que desejo para o mundo começa em mim. Não podendo ir ter com Vladimir Putin e dar-lhe um abraço superior a 5 minutos, para acalmar a sua raiva, além de lhe enviar luz na oração, posso contribuir para que as pessoas se sintam amadas na simplicidade do 


gosto muito de ti. 


Sentindo-nos amados, somos capazes de amar mais, sobretudo os que sofrem. E nesse amor, em consciência, que se afasta de qualquer aproveitamento da desgraça alheia, cada qual percebe de coração o que pode fazer, livre de julgamentos ou comparação: na oração, no contributo em dinheiro e/ou géneros, no voluntariado, no acolhimento. 


Sejamos Luz. Sejamos Amor. Sejamos Paz.


quinta-feira, 3 de março de 2022

Breve oração



[Breve oração ao adormecer, no que me é possível no diminuir conflitos]


Agradeço-Te

a flor que vi de manhã, 

salpicada de gotas de chuva;

os sorrisos de liberdade,

de corações aliviados;

os braços a colocarem mesas,

na vontade de colaboração;

a conversa a pensar nas crianças,

para crescerem na paz;

o jantar partilhado,

a alimentar amizade;

a vida, 

escolhida desde o amor


Entrego-Te

todas as caravanas humanitárias,

todas as pessoas que doam e se dão,

cada rosto em sofrimento,

cada nome carente de luz


terça-feira, 1 de março de 2022

Sejamos Luz. Sejamos Paz.


[Breves notas muito pessoais] Tem sido muito pouca a vontade de escrever. Não me sinto capaz para reflexões. No meio de todos os afazeres, aproveito cada minuto para recolher-me mais em silêncio. “Amar os inimigos” circula-me pelo coração durante esse tempo, enquanto, à maneira da contemplação inaciana a aplicar os sentidos, imagino Jesus a dizê-lo e pôr em prática. Tem feito com que vá aos lugares e tempos em que desprezei, magoei, maltratei alguém, por pensamentos, palavras, gestos ou omissões. 


Com o impacto das imagens, surge o querer fazer mal a quem está a fazer mal. É natural. O instinto de sobrevivência desponta a defesa, em emoções de zanga, tristeza e raiva. Acolho-as. Imagino Jesus a dizer “amem os inimigos”. Hoje, compreendo que vai para lá de gostar ou aprovar o mal que eles fazem. Nada disso. Mas, amar a pessoa. Porque também eu posso ser inimigo de alguém, real ou simbolicamente (basta ser padre, por exemplo). E várias vezes trouxe ao pensamento e coração Vladimir Putin, imaginando a raiva e a sede de poder que leva dentro. Apesar do poder que lhe foi dado, é tão homem quanto eu. Quem agride daquela forma sofre imenso, sobretudo nos lugares mais fundos do inconsciente. E, apesar da zanga e tristeza que me surgem quando o rezo, peço que seja Jesus a iluminar-me o caminho no desejo de bem para este homem. Não quero alimentar a escuridão, o vazio, em vingança. Quero ser intermediário desse amor na minha oração por ele e por quem agride. Desejo que pare e que seja responsabilizado pelos actos. Desejo que seja atravessado por bênçãos. 


Volodymyr Zelensky no discurso ao Parlamento Europeu pedia a liberdade. As suas palavras, carregadas de rostos e nomes, pediam liberdade e humanidade. Acredito, e sei que pode soar ingénuo, que os milhões de nós sem poder político ou militar, o podemos ajudar nesse caminho reconhecendo o mal que nos habita, entregando-o a Deus, dando lugar ao bem: na oração, no acolhimento, na ajuda possível em acções, géneros, dinheiro. Se cada pessoa se torna melhor, o mundo torna-se melhor. Afinal, cada um de nós é mundo, com possibilidade de caminho de esperança. Sejamos Luz. Sejamos Paz.