Chris Coekin
Há muitas formas de gritar. O grito histérico e ridículo de quem tem tudo e ainda se queixa. O grito forte dos que se acham detentores da autoridade e abusam da mesma. Há ainda o grito de susto, ante uma situação inesperada. Há o grito silencioso, através do rosto marcado pela violência também ela sem qualquer ruído, escondida, psicológica ou física, que só a sensibilidade mais fina pode detectar e ajudar. Como não falar do grito de desespero? Aquele grito ao jeito de Job que de um momento para o outro fica sem chão, como um farrapo humano... sem rosto, família, registo e, sentia ele, sem Deus? Sim, gritamos. Ou pelo menos ouço o grito de outros, muitos outros.
Acabo de ouvir a intervenção da Joana Manuel. No fundo, um grito, sem dúvida educado, numa intervenção que se quer séria e com respeito... mas um grito. Fiquei a pensar que há pouco publiquei um post suave, daqueles que, vistos superficialmente podem ser purpurina mágica de afagar o coração. Sim, também tem esse lado. Mas, saindo da epiderme vou ao “Libertar os oprimidos”, ao jeito do desejo de algo renovado na nossa Pátria. Escuto a Joana Manuel, recordando tantos amigos que como ela gritam ao seu modo, outros que já partiram a caminho de países em busca de uma vida melhor, outros que na sua “eterna juventude” ainda vivem com os pais, alguns deles, tal como os filhos, também desempregados. Paradoxos do tempo: quem diria que o elixir da eterna juventude poderia vir da precariedade?
Sim, pássaros a voar, também eles um grito. O desejo de querer viver para além da carga de ser um número que alimenta uma máquina estatal. O grito ao jeito dos profetas Jeremias, Isaías, Oseias, que clamam ante Deus a opressão do Povo. Por isso não acredito em espiritualismos bacocos, desligados da realidade, mas numa espiritualidade que encarna as dores e os gritos da gente: que quer o espaço da autonomia e não tem, por falta de justiça ante aqueles que ficaram com todos os espaços; que quer abrir o coração a uma família que não pode existir, pois as condições são cada vez mais diminutas (e de momento não quero saber de moralismos que... “antigamente as pessoas aguentavam-se e não precisavam de tantas coisas para ter filhos, agora querem é ter tudo arrumadinho”. Antigamente, as pessoas sofriam e gritavam de forma calada a precariedade. A minha avó Constança, que saudades tenho dela, teve 11 filhos, morreram 8); gritos de gente que quer simplesmente ser pessoa, no desejo de realizar o sonho que a modernidade desenvolveu a partir da diversidade de cursos tecnológicos, científicos, artísticos, dando assim a possibilidade de seguir vocações e não de matá-las à nascença, sabendo que o futuro não os chama.
Falamos de Arte, ou de histórias que podem ser desenvolvidas a partir da capacidade do imaginário humano, da riqueza do imaginário humano, numa educação que vai para além de números e cifras. Sim, acredito numa espiritualidade encarnada por Deus que de algum modo sofre calado, à espera que aqueles que O seguem não deixem de gritar ao jeito dos profetas, pela justiça e pela verdade. Quando é que se tomará consciência que as pessoas, mesmo cantando a música dos Deolinda, não são parvas? Em vésperas de sexta-feira de Quaresma, deixo mais um grito. Eu não posso dar emprego(s), mas dou o melhor que tenho: o grito naquele que entendeu e viveu todas as dores.
Assim, no desespero que acompanho de muita gente, usando as palavras de Bento XVI, acredito que: “Ama-se tanto mais eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol de um bem comum que dê resposta também às necessidades reais [das pessoas concretas]”, pois “todo o cristão é chamado a esta caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de incidência na sociedade”. O que esperamos?