Chris Dandridge
[Secção coisas de corpo] Beijo. Ósculo. Xôxo. Beijinho. Manifestação de carinho, ternura, proximidade, muita proximidade. Apenas os povos latinos o usam como primeira saudação. Basta passar os Pirinéus e o primeiro contacto é um braço estendido para o aperto de mão. Só depois, muito depois, já a começar a se estabelecer um certo conhecimento, se avança para um beijo. Sou daqueles que gosta de beijinhos. E dou-os, a amigas e amigos, sem problemas de más-interpretações. Afinal, ainda considero que a consciência é fundamental nisto tudo. O problema é a consciência mal formada ou estabelecida na tacanhez e falta de bom senso do que chamo “ambiente-aldeia” ou falta de abertura de horizontes que impedem o espírito crítico, levando a afirmações extremistas de parte a parte do tipo “ora tudo” ou “ora nada”. As relações humanas, já se sabe, são complexas e é pena que se escute cada vez menos o corpo que se é (para que não se rasguem vestiduras, entendo o corpo como totalidade integral de muitas dimensões: física, psicológica, racional, social e espiritual). O beijo, repito, é sinal de muita proximidade. O acto de aproximar a cara de outra pessoa significa que me relaciono muito bem com essa pessoa e não tenho desconforto ou medo. No contexto português em que mais facilmente se beija o rosto (com um ou dois beijinhos), esse viver de proximidade atenua-se, mas, ainda assim, quem nunca sentiu incómodo com alguns beijos dados e recebidos que atire a primeira pedra. O contacto de corpo é contacto de ser. Educar para esse contacto implica respeito de parte a parte. As crianças, que, repito à exaustão, não são adultos em miniatura, vivem de forma mais espontânea o sentir tanto na proximidade como na repulsa. Quando gostam, são as primeiras a beijar e abraçar sem problema. Quando não se sentem confortáveis, por personalidade ou experiências vividas menos simpáticas, não querem contacto de proximidade, preferindo a distância. Se isto acontece, mais do obrigá-las (muito menos com acrescentos de violência física ou psicológica), será uma boa oportunidade de com calma (ah, sim, calma, tempo, disponibilidade, etc.) tentar perceber o porquê de não querer essa proximidade. Poderá ter que ver ou não com essa pessoa: recorda alguém que a agrediu, recorda alguém “mau” que viu num filme ou numa história, etc. Ou, então, se for na confusão de um sítio com muita gente, nada tem que ver com o beijo, mas com a sensação de insegurança que se sente à volta. Sim, é complexo, e não dá para escrever num texto curto. Por isso, antes de tanta agressão e discussão comportamental de tamanha violência, que se faça uma análise séria do ser corpo que se é e perceba-se os muitos mecanismos associados ao beijo, ao abraço, em última instância à complexidade da relação humana. Depois, se parecer bem, ósculemo-nos na paz.