Veselin Atanasov
[Coisas na vida de um padre] Há uns tempos, fui a uma paróquia falar sobre o sacramento da reconciliação. Lá falei da beleza do sacramento, dos mitos, da liberdade sentida quando se encontra espaço e tempo para se ser escutado na partilha de entranhas de tudo o que fizemos e/ou deixámos de fazer, impedindo-nos de crescer em fé, esperança e caridade. No final, nas perguntas, alguém começa a confessar-se em público. Notava-se a dor e o desespero da pessoa, que vivia separada do marido, já em processo de divórcio... e de como foi tratada pela comunidade. Foi um momento de tensão, aumentada com a falta de respeito de outra pessoa que intervém, com tom de desprezo:
- Oh, minha senhora, quando alguém casa por amor tem de aguentar o amor até ao fim.
Fez-se silêncio. Senti as entranhas revolver. Olhei-os e:
- Aqui se percebe o quanto a vida é complexa e não há preto e branco nas coisas. Se o senhor acha que há que aguentar o amor, eu digo-lhe: o amor não se aguenta. O amor vive-se e cresce em reciprocidade num casal. Quando alguém casa, acredito e espero que seja por amor. No entanto, ao fim de algum tempo, se a violência, seja psicológica, física, moral ou todas, ou seja, se esse aparente amar se manifesta em "enxertos de porrada", digo-lhe, não há amor que aguente. Como crime que é, há que afastar e ajudar a pessoa a encontrar caminho de vida. E a comunidade tem muita responsabilidade nisso mesmo. Talvez por isso fazem falta mais reconciliações pessoais e comunitárias. Afinal, podemos ser tanto destruidores, como dadores de vida. Espero que se escolha sempre o ser dador. Para isso, é preciso fazer um grande caminho de, antes de ditar sentenças, conhecer a fragilidade do outro... e muitas vezes a própria, pondo de lado "machezas". Em geral, para não dizer sempre, as sentenças deixam de existir. Mais alguma questão?
Depois de um momento de silêncio, o senhor levantou-se e:
- Quero pedir desculpa a todos, em especial à senhora, pela minha intervenção. Foi impulso do cansaço.
A senhora levantou-se e foi apertar-lhe a mão.
Houve aplausos. Vislumbrou-se o que se tinha falado na hora antes.