quinta-feira, 30 de abril de 2020

Vocação - II



“Trinta e três raparigas saem a caçar a borboleta branca” de Max Ernst, 
da colecção permanente do Museu Thyssen-Bornemisza

[Secção pensamentos soltos sobre vocação] Há pouco publiquei uma flor de nenúfar como imagem do pequeno texto sobre vocação. Podia ter sido uma casa ou templo com múltiplos muros ou véus. Foi a flor com as muitas pétalas. Que me passava pelo pensamento?

A vocação de cada ser humano é o amor, que se vai convertendo de substantivo em verbo. Imagino o centro do ser como esse amor iluminado. No entanto, a luz vai sendo rodeada com véus, muros, redes, grades, impedindo-a de irradiar e pôr a render o seu talento. Deus não se cansa de encher de azeite o vaso de barro com a chama, que aviva ou enfraquece conforme o nosso agir diante dessas defesas.  Então, somos chamados a fazer o caminho de “des-cobrir” esses véus, muros e afins.  Que nomes terão? O medo do julgamento? A incompreensão da vida com votos, sejam religiosos ou matrimoniais? Achar-se incompleto ou imperfeito? Comparações? Vergonha ou até mesmo nojo do que possa ter feito ou tenha sido sujeito(a)?  Ser demasiado cedo ou tarde na vida? A limpidez das respostas ajudará a derrubar, rasgar, cortar, dissipar essas barreiras permitindo a luz irradiar.


Chegar a essa limpidez é exigente. Daí ser recomendando o discernimento, em passos de silêncio, para escutar e sentir o amar divino que, ao alimentar a chama, desafia o amar de cada pessoa. Amar como casal, como mãe ou pai, como consagrado ou consagrada, como profissional desta ou daquela área, sem comparações de estados de vida. Quem se encontra na sua vocação, por ir derrubando as barreiras, fica exposto apenas à graça de Deus, que não impede ventos fortes. Ainda assim, irradia a luz que contagia e testemunha a certeza de que todos somos chamados ao amor. E na sua vocação própria, ilumina os caminhos de outros que lhes são confiados a amar.

Vocação - I



[Notas breves enquanto caminho e penso sobre vocação] Quem se atreve a fazer caminho de descoberta da sua vocação perceberá a abertura que acontece na alma. É exigente, mas libertador. O infinito desperta beleza e contagia outros. Voltarei ao tema.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Dança: lugar de Deus



Andrés Waksman


[Secção coisas de corpo em dia Mundial da Dança] Fechar os olhos e descobrir o movimento autêntico é perceber liberdade. Abri-los de seguida e deixar-se levar é perceber a expansão da Vida. Quando nos conhecemos em corpo total, o divino percebe-se natural. E, sim, a dança é lugar de Deus.

domingo, 26 de abril de 2020

Emaús



[Secção outros tons no III Domingo de Páscoa] O coração arde quando a história é recontada com a limpidez de quem passou pela experiência do silêncio. Sem tornear as palavras, o gesto de partir o pão abre a visão. No silêncio da noite há que partir. Antecipando a chegada do Espírito, fica a certeza da fé: para quem o descobriu, é impossível guardar o amor.

sábado, 25 de abril de 2020

Liberdade




[Secção pensamentos soltos sobre liberdade] Quantas vezes não aconteceu, diante de uma fotografia ou a ouvir uma música, durante a leitura de um romance ou poema, a meio de um filme ou série, enquanto se passeou por uma planície ou no meio de uma grande cidade ou pequena povoação, a imaginação nos levar a sítios amplos e vastos, dando espaço à livre criação? Incontáveis.

O acto criador é um momento de grande libertação. Dá-se nascer. E tantos são os nasceres de vida. Uns mais pacíficos, outros autênticas revoluções para soltar amarras de qualquer opressão, relacional, política, religiosa, cultural. A liberdade é a abertura de horizontes, onde respeito e responsabilidade partilham o caminho da honestidade que alimenta a dignidade. Para que tal aconteça é fundamental a verdade, tanto intelectual como emocional. Ninguém é detentor da liberdade, mas todos somos atravessados dessa possibilidade: independentemente da condição que se vive, há a decisão de se ser profundamente livre com este aqui e agora concreto. Isto vai para além do lado político, mas entra no campo da existência. 


Ser livre na existência implica detectar apegos, prisões, ditaduras, opressões de alma que distorcem a acção humana. Quem se atreve ao exigente caminho de liberdade de coração e de alma, deseja a liberdade do outro, passando a gestos de vida, de juntar dons e talentos na colaboração desde perspectivas diferentes. Ainda mais em tempo novo, este que vivemos, que nos impele a descobrir, mais além do que nos separa, o que nos une no cuidado, na solidariedade, na dádiva, na busca da “paz sem vencedores nem vencidos” que nos leve a amanhecer sem medo de amar livremente. 

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Críticas aos professores




[Secção pensamentos soltos sobre criticar] Criticar algo é fazer uma apreciação, uma avaliação. A crítica entra no campo racional. Apesar da palavra estar rapidamente conotada com o negativo, a crítica também pode ser positiva, vulgo elogio. No entanto, muitas vezes entra-se no campo emocional e as críticas, sobretudo as negativas, evoluem de tal modo que se transformam em maledicência que muitas vezes não são mais do que a inveja e frustração de quem as faz. 

Acredito que muitos, senão todos, dos professores que se disponibilizaram para estar à frente das câmeras praticamente sem preparação estão a dar o melhor que sabem nesta novidade. Acredito também que aceitam as críticas, as verdadeiras críticas, que possam ajudar a melhorar o seu trabalho. Se há falhas técnicas, pedagógicas e/ou didácticas detectadas, obviamente que devem ser corrigidas, enviando informação bem argumentada aos sítios correspondentes. Tudo o resto, em especial o gozo de baixo nível a roçar o bullying que dá vergonha de ler e ouvir, é lixo. 


Da minha parte, o agradecimento a todos os professores que nestes tempos têm sido excelentes profissionais, renovando-se e reinventando-se, na sua dedicação a ensinar e a educar.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Breve oração



[Breve oração no entardecer em dia de Maria, Mãe da Companhia de Jesus]

Agradeço-Te
a consciência do pó da terra que sou 
e dos meandros escuros da existência

Peço-Te
sabedoria para a palavra ajustada
ao silêncio, à voz, à sensatez, ao encontro


segunda-feira, 20 de abril de 2020

Breve oração



[Breve oração ao adormecer]

Agradeço-Te
o esforço de tantos no caminho da autenticidade, 
apesar de todos os fantasmas

Peço-Te
ajuda-me a ser sopro fresco
a orientar na luz e na esperança

domingo, 19 de abril de 2020

Celebrações




[Secção pensamentos soltos sobre celebrações de Abril] Toda a celebração tem carácter simbólico. Aviva a memória para acontecimentos que transformaram e libertaram alguém, um grupo, uma comunidade, um país. Somos atravessados de História e celebrar é não permitir que se apaguem esses registos da existência. Muitas vezes, essas celebrações contrastam em modos de pensar ou ver a realidade. Pois, a complexa humanidade nas muitas perspectivas. 

As nossas gerações vivem algo único. Provavelmente haverá uma data (o momento da descoberta da vacina?) que se conjugará simbólica para marcar o fim da pandemia. Estamos a viver História. Infelizmente, mas estamos. Haverá a data da liberdade. Nem sei como a celebraremos, mas haverá um marco. Entretanto, é-nos pedido em cada canto e recanto que fiquemos em casa. Afinal, nunca de forma tão forte um acto individual deixa de ser um acto isolado, fechado em si. Para o melhor e para o pior. Sem se saber, e isso é muito doloroso, pode-se estar a infectar alguém. Por isso, todos os gestos de precaução são humanitários. Também de respeito por quem não se pode resguardar. Custa muito. Está a custar muito abrir mão de tanto. Aquele custo sem preço, por ser de sentir de entranhas tudo o que estamos a passar.

Em maturidade, mais dos que discussões ideológicas, todos somos chamados a dar o exemplo de respeito e cuidado. Não sei o que é viver em ditadura, por isso, reconheço o grito da liberdade e quero que continuemos a dá-lo. No entanto, celebrar de forma diferente não significa falta de respeito pelo Abril de 1974 que, em conjunto com outras dimensões do ser, me permite crescer como Homem livre também no modo de celebrar as coisas essenciais da vida. Custa não ser com toda a gente representativa? Custa. Mas, o simbólico no pouco, na simplicidade, pode ajudar milhões a compreenderem o imenso que significa o profundo sentido da liberdade, mais que política, existencial. De outra forma, apenas será ruído. Neste momento, todos necessitamos de encontrar a “paz sem vencedores nem vencidos” que nos fará recordar a união tão necessária neste Abril de 2020. 

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Nascer de novo



[Secção letras verdes] A pensar e a rezar as muitas escutas de vidas ao longo destes tempos novos.

Dar o melhor



[Notas soltas enquanto caminho na chuva] Atravessamos tempos únicos, inacreditáveis, onde a muitas perguntas a humilde, por ser verdadeira, resposta é “não sei”. Por isso, em muitas coisas, é preciso estar atento aos fantasmas de futuro que causam angústia e aumentam ansiedade. Se o cansaço chega, se o medo surge, se a tristeza aparece, é de reconhecer que são naturais ante a imensidão do desconhecido. Se possível, nem que seja por cinco breves minutos, voltar à base: sentado de costas direitas e pernas descruzadas ou de pé com braços ao longo do corpo, cabeça erguida, e respirar normalmente, alternando com inspirações/expirações profundas. Se se sentir que precisa de ajuda, por favor, que se procure alguém com real capacidade e formação para escutar o desabafo, a queixa, o grito. Ninguém é chamado a ser herói, mas pessoa a dar o seu melhor.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Breve oração





Albina Cunha

[Breve oração a pensar de forma especial nos educadores e alunos, nestes tempos únicos, repito, únicos, em que se roça pedidos impossíveis]

Agradeço-Te 
a criatividade, a resiliência, a bondade, a comunicação, a colaboração, o saber, a liberdade, a fragilidade, a humanidade, a força, a determinação, a garra, a aceitação, a integração, o respeito, a vida.

Peço-Te

consciência dos limites, do impossível, do não conseguir, para libertar-me do medo, vergonha ou julgamentos ante o cansaço intelectual e emocional e, assim, saber parar sem me sentir inferior ou mau profissional, ou mau pai ou má mãe. 

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Abraço grande



Luísa e Paulo - Lovely Moments


[Coisas na vida de um padre] Hoje andei às voltas com o tema Educação. Pensei escrever ou fazer um vídeo. Mas, depois de mais duas chamadas de adiamentos de casamentos, estive a rezar por todos os noivos, todos os fotógrafos, todos os organizadores, quintas, restaurantes, floristas, animação em música, agentes culturais, juntando, claro, à oração diária por todos os profissionais de saúde, segurança, comércio, educadores (professores, pais e mães), governantes, enfim, toda a gente. Só me apetece dar abraços a esta gente toda. Cá vai um abraço grande!

terça-feira, 14 de abril de 2020

Pontos Cardeais



[Breve apontamento fotográfico sobre norte, sul, este e oeste, ou regionalismos ou nacionalismos em Estado de Emergência, sem filtros ou “papas na língua”, de um Algarvio a viver no Minho. E que já viveu em Lisboa, Coimbra, Braga, Cernache, Madrid, Paris, Santo Tirso.]

segunda-feira, 13 de abril de 2020

domingo, 12 de abril de 2020

Santa Páscoa



[Secção pensamentos soltos em Páscoa] Sinto-me mais comedido a viver a Páscoa. Não é de agora. Cada dia de tríduo tem tal densidade que abre outras perspectivas no sentir. Reconheço no Evangelho o temor, a alegria, os silêncios, as dúvidas, as inquietações, que os discípulos vivem no acontecimento pascal. Já vivemos em Ressurreição, por isso, tudo se torna claro de um dia para outro. Mesmo atravessando a morte, já se sabe o final da história. No entanto, a Páscoa de Cristo não substitui as nossas páscoas. E que grande páscoa esta que todos vivemos. Ainda assim, cada pessoa tem de continuar a deixar-se embrenhar na luz que cruza os meandros escuros da própria existência. Há pedras a serem removidas. Há sepulcros a esvaziar. Há ligaduras a serem postas de lado. A beleza da esperança é saber a presença d’Ele que vive e, se assim permitirmos, nos ajudar a remover, esvaziar, desligar e assim encontramos passos de vida nova. Por outras palavras, a nossa própria Ressurreição. A grande alegria pascal para Deus é a nossa Ressurreição já na vida quotidiana, mesmo confinados. Talvez por isso, a Páscoa me levante mais perguntas que respostas: Onde tenho de me deixar Viver? Que passos e espaços de Paz tenho de dar e construir? Que comunidade me permito colaborar no que posso? O mundo já está diferente. Deus, na sua ressurreição, não impele a uma emoção estonteante de alegria. Sussurra, desde a Sua suave luz de amanhecer, que nos deixemos habitar na Verdade. E desde aí, permitirmos ser por Ele transformados. A páscoa de cada um, cada uma, será caminho de abertura ao outro, em liberdade. Com o tempo próprio de cada pessoa, profundamente respeitado pelo Ressuscitado. 


Santa Páscoa a cada pessoa que a vive, a todas de boa vontade, a quem sabe o que é o Amor e a quem está por experimentá-lo na existência. Cada uma, cada um, sem excepção, está na minha oração.

Breve oração



[Breve oração em Noite de Páscoa]

Agradeço-Te
a Luz que nasce da morte atravessada e vencida. 

Peço-Te:

faz de mim reflexo.

sábado, 11 de abril de 2020

Sábado Santo



[Secção letras verdes em Sábado Santo] Por eles e elas, em valas comuns, com nome inscrito na palma da mão de Deus.

É noite.



[Secção pensamentos soltos em oração na Noite de Sexta-feira Santa] É noite. A noite mais densa das noites. A noite que escurece o silêncio e absorve todas as noites. É noite. A noite de todos os corações ofuscados por dor, sofrimento, vingança, vergonha, angústia, anseio, ódio, morte. É a noite que absorve todo o vómito do mundo, cada pedacinho de lixo e miséria humanos, de quem insistentemente assume lugar de Deus e perde a visão do amor. A morte de Deus? É o assassínio de Deus que anula a possibilidade do amor. Nesta noite, Deus envolve-se de morte, carregando as marcas das flagelações das fobias que, impedindo a profundidade da relação humana e divina, continuam a segregar cada filha e cada filho seus: xenofobia, homofobia, génerofobia, religiofobia, laicofobia. Nesta noite, as correntes da falta de liberdade humana são colocadas sobre Deus, enterrando-se no profundo abismo do pecado, de tudo o que é desamor. É noite do ano diferente em todo mundo. Seremos capazes de no silêncio desta noite de semanas começar a entender o amor? Seremos capazes de começar a perceber que a Tua liberdade consiste em ajudar-nos a fazer o caminho de liberdade de tudo o que nos ofusca? Seremos capazes de nos libertar dos juízos desumanizadores? Seremos capazes de compreender que esta noite nos quer conduzir ao dia novo em que olhamos o outro desde o amor? Tudo tem uma consequência. Mais do que arrastar uma culpa, já que esta noite resgata todas as culpas, chamas-nos ao perdão. E a consequência do perdão é sempre a Vida. É noite. A noite que prepara a mais suave de todas as noites. A noite que prepara a noite que ilumina a voz e liberta todas as noites. É a noite que do estrume humano fará adubo divino. É noite também de Amor.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Quinta-feira Santa



Rita Rocha

[Secção pensamentos soltos em Quinta-feira Santa] A Rita Rocha enviou-me ontem esta fotografia. Dava a bênção nupcial. “Vou partilhá-la amanhã”, pensei. 

Começam os dias mais intensos da Semana Santa. Neste dia, Jesus tira o manto, põe a toalha e lava os pés aos discípulos. É sempre forte quando contemplo aquele olhar de baixo para cima. Ainda mais neste ano, em que somos obrigados (e bendita obrigação, para o sentido religioso, entenda-se, e com muito respeito por todos os que estão em grande sofrimento) a viver Deus em casa. A última ceia com lava-pés foi não num templo mas na casa de “tal pessoa”, incógnita, diz-nos o Evangelho de Mateus. Assim “tal pessoa” pode ser cada pessoa, sem excepção. A grande bênção de Jesus acontece em espaço doméstico, dando vida nova ao ritual de passagem. A vida nova é Ele mesmo: “Chamam-me mestre, pois bem, façam como eu”. 

Ser padre é ser e fazer como Ele. Este “é” é forte. Ser como Ele é um caminho de conversão em conversão. A formação até à ordenação é longa. Mas, mais ainda (toda a vida?) é o caminho deste “ser e fazer como Ele”. Entre um querer deus ao meu modo, Ele mesmo vai desmontando, até que chegue ao profundo “amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”. No sentido místico, é um casamento a relacionar a profundidade do amor com o que temos e somos: a força e a fragilidade, os dons e os limites, a voz e o silêncio, a luz e a sombra. A conversão é uma morte de um sentir antigo para um amar renovado. Os pés lavados tornam-se sinal da união e da responsabilidade de fazer caminho de bênção, de “dizer bem”. A luta titânica de alma é querer o poder ao meu modo. Por isso, partes de mim identificam-se com Pedro. E outras, também com Judas, que igualmente teve os pés lavado e comungou do pão. A exigência de ser padre é saber que Ele, ainda assim, não se cansa de se baixar e mostrar como se ama. 

Os pés de padre continuam a ser de barro. As mãos ungidas fecham-se, por vezes. Contudo, neste tempo novo, além de agradecer o Seu olhar de bênção, peço-Lhe que nos ajude a tê-lo no centro, através da Sua palavra e da Igreja, sendo, em Seu nome, dadores de Vida.


terça-feira, 7 de abril de 2020

Breve oração



[Breve oração na noite de Terça-feira Santa]

Agradeço-Te
conheceres cada ser pelo nome desde o ventre materno e assim, apesar de tudo, nos veres pela luz.

Peço-Te 
a consciência cada vez mais viva dessa luz, para não cair em velados auto-enganos de certezas que se podem transformar em negações ou traições.


segunda-feira, 6 de abril de 2020

domingo, 5 de abril de 2020

Domingo de Ramos





[Secção pensamentos soltos com coisas de corpo em Domingo de Ramos único] A revista Time antecipou-se à minha publicação. E muito bem. Elegeu como pessoas do ano os profissionais de saúde, pondo na capa as fotografias das marcas na cara. Brinco com o antecipar, pois há dias, com a devida licença, pedi a um amigo enfermeiro para partilhar as fotos que me enviou. Na altura, pensei, vai ser para o texto de Domingo de Ramos. 

- Paulo, as marcas contam como pontos para o Céu?

Enquanto vi as fotos o meu pensamento voou para as chagas de Cristo. Não querendo ser simplista, tanto umas como outras, são sinal de entrega maior.
- Contam, sim.
Respondi, rapidamente, como em desejo de o abraçar de forma agradecida.

Contudo, atrevo-me a ir mais longe. Estas marcas são Céu. Obviamente não entendendo o sentido de paraíso mítico, onde só há descanso e prazer. São Céu na medida em que cada um, cada uma que as tem revela a entrega maior de vocação, no cruzar a linha do impossível, diante de algo nunca vivido. Não são seres etéreos, mas de carne. Precisamente por essa carne, ficam as marcas de quem põe solenidade, risco, tudo de si, em nome da vida. É, são marcas de Paixão. A mesma que levou a que o véu do templo se rasgasse pondo Deus face a face com a humanidade. O Deus próximo chora a dor dessas marcas. Não as pode evitar por não querer fazer do ser humano uma marioneta nas suas mãos. Depois de se ter feito carne, assume todas as dores e revela a entrega como sinal de presença. Para quê? Para que cada um de nós, ao ver essa entrega, se desafie na sua vocação neste tempo novo, dando o melhor de si, ajudando como pode: uns é com marcas de corpo e de alma, outros com marcas de alma, outros ficando em casa para não provocar marcas a ninguém.

Tenho rezado em cada dia de forma intensa por vocês. Estas marcas são de humanidade que a todos nos atravessa. Nestes tempos duros, não se trata de heroísmos, mas de disponibilidade para que, mesmo na impossibilidade de evitar morte, a Vida tenha a última palavra. Obrigado a cada um e a cada uma de vocês! Mas o grande agradecimento que somos chamados a dar é, podendo, ficar em casa.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Onde estás?




[Secção pensamentos soltos em início de novo tempo de Emergência Nacional] Voltei para o canto onde tenho ido escutar o silêncio. Levei um ícone da Trindade. Em contemplação, imaginei-me sentado na mesma mesa a colocar-lhes muitas perguntas. As mesmas que me vão chegando nos momentos de escuta, em voz ou mensagens, de desabafos. Sem auto-enganos, estes tempos são exigentes. 

“Onde estás?” 
Talvez seja a pergunta com maiores desejos de resposta. Curiosamente, a primeira pergunta que surge na Bíblia é “onde estás?”. Deus procura o ser humano que quis ser rapidamente como Deus, comendo o fruto da árvore do conhecimento. Deus não se cansa de nos procurar, importando-se connosco, como nos recordou o Papa Francisco há uma semana. Já passou uma semana desde aquele momento histórico da bênção extraordinária. Voltei às suas palavras. A tempestade continua. O entardecer continua. A noite continua. E é o ser humano que agora, como noutros tempos densos de trevas históricas, pergunta: “onde estás, Deus?” 


A resposta, silenciosa de palavras, gritante de gestos, acontece em particular naquele momento em que Jesus na cruz, suspirando, entrega o Espírito. O Espírito de serviço, de criatividade, de colaboração, de ímpeto ao crescimento de alma, de liberdade, de comunhão… que chora com os que choram, que anima os que dão tudo para que o outro viva no hospital, que ri com os que elevam o astral a quem está em casa, que serena quem tem de tomar decisões difíceis, que convida cada pessoa a amar como Ele ama. E hoje, para a grande maioria das pessoas, o grande gesto de amor é ficar em casa. [Ícone escrito por Tânia Pires, atelier Sabbat]

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Anti-Vírus




[Coisas na vida de um padre] A Rádio Comercial tem momentos “Anti-Vírus” (by Ana Martins) com algumas partilhas sobre temas que ajudem a viver bem estes tempos. Convidaram-me a participar. De vez em quando, lá aparecerão as minhas palavras e voz. Vale muito a pena ouvir os outros convidados. Obrigado Ana e Comercial pela confiança. Partilho um deles

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Abraço voador




Pedro Leite, no dia em que abençoei as fardas novas da TAP - Express, 
mas que se estende a todas as Companhias


[Secção abraço] O comissário que há em mim envia um abraço voador a todos os amigos e amigas voadores por esse mundo fora. São tempos novos estes, em que também centenas de aviões a partir de hoje estão pousados. Mas os voos continuam no coração, com emoção e esperança. Peço-vos, arranjem-me uma farda e quando os voos voltarem eu irei convosco e celebrarei Missa nos céus. Pode ser? Até lá, estão, como sempre, nas minhas orações. #wewillflyagain