quinta-feira, 9 de abril de 2020

Quinta-feira Santa



Rita Rocha

[Secção pensamentos soltos em Quinta-feira Santa] A Rita Rocha enviou-me ontem esta fotografia. Dava a bênção nupcial. “Vou partilhá-la amanhã”, pensei. 

Começam os dias mais intensos da Semana Santa. Neste dia, Jesus tira o manto, põe a toalha e lava os pés aos discípulos. É sempre forte quando contemplo aquele olhar de baixo para cima. Ainda mais neste ano, em que somos obrigados (e bendita obrigação, para o sentido religioso, entenda-se, e com muito respeito por todos os que estão em grande sofrimento) a viver Deus em casa. A última ceia com lava-pés foi não num templo mas na casa de “tal pessoa”, incógnita, diz-nos o Evangelho de Mateus. Assim “tal pessoa” pode ser cada pessoa, sem excepção. A grande bênção de Jesus acontece em espaço doméstico, dando vida nova ao ritual de passagem. A vida nova é Ele mesmo: “Chamam-me mestre, pois bem, façam como eu”. 

Ser padre é ser e fazer como Ele. Este “é” é forte. Ser como Ele é um caminho de conversão em conversão. A formação até à ordenação é longa. Mas, mais ainda (toda a vida?) é o caminho deste “ser e fazer como Ele”. Entre um querer deus ao meu modo, Ele mesmo vai desmontando, até que chegue ao profundo “amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”. No sentido místico, é um casamento a relacionar a profundidade do amor com o que temos e somos: a força e a fragilidade, os dons e os limites, a voz e o silêncio, a luz e a sombra. A conversão é uma morte de um sentir antigo para um amar renovado. Os pés lavados tornam-se sinal da união e da responsabilidade de fazer caminho de bênção, de “dizer bem”. A luta titânica de alma é querer o poder ao meu modo. Por isso, partes de mim identificam-se com Pedro. E outras, também com Judas, que igualmente teve os pés lavado e comungou do pão. A exigência de ser padre é saber que Ele, ainda assim, não se cansa de se baixar e mostrar como se ama. 

Os pés de padre continuam a ser de barro. As mãos ungidas fecham-se, por vezes. Contudo, neste tempo novo, além de agradecer o Seu olhar de bênção, peço-Lhe que nos ajude a tê-lo no centro, através da Sua palavra e da Igreja, sendo, em Seu nome, dadores de Vida.


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