domingo, 30 de maio de 2021

Memórias desde músicas


Marta José - dreamaker


[Secção memórias em dia da Trindade] Moby editou o álbum “Reprise” com músicas suas agora orquestradas. Ontem descobri este álbum, já noite dentro. Como tinha agendado ter o dia hoje mais de descanso, fiquei a ouvi-lo até tarde. Porcelain, Why Does My Heart Feel So bad, Natural Blues, We Are All Made Of Stars, entre outras músicas, reconhecidas mais mais maduras, em sons crescidos, fizeram com que fosse bombardeado de memórias de há 20 anos e as lágrimas aparecessem. Foi uma emoção estranha, sem tristeza. Como em 20 anos tanto aconteceu. 


É óbvio, sei, isto de num espaço de tempo tanto ter acontecido na vida. O lugar do esquecimento é fundamental. Não guardamos todas as memórias. Ou sim. Como uma música, um cheiro, toque, sabor, imagem podem despertar recordações de emoções, pessoas, histórias pequenas ou grandes. Imagino isso a acontecer no seio da Trindade. Eles, as três Pessoas unidas em Amor, a partilharem as nossas histórias e como desejam nos ver crescer. Somos histórias. Somos memória. Somos sonhos. As emoções atravessam esse sentir e algo novo surge. Emocionei-me porque me recordaram paixões, risos, sensações de fragilidade e mendigar amor. Imaginei-me a dançar os originais dessas músicas, abstraindo-me da realidade para entrar num mundo muito próprio. Ai, o poder da dança. E agora, estes anos todos depois, ver-me crescido. Continuar inacabado, em caminho, mas crescido. Afinal, não julguei nada nessas memórias. Não julguei nada do que senti, fiz ou vivi lá, naqueles lugares, com tantas pessoas e permiti-me recordar com novo olhar.


Gosto de sentir como o tanto da vida nos convida ao crescimento de existência. É dos grandes desafios: ir fazendo o caminho de não julgar a memória e desde aí aprender com ela, no que há a repetir, no que foi feito como falta de algo, como reacção, que já não faz sentido repetir como padrão desgastante. Foi e é uma emoção estranha. Deu-se crescimento. As músicas poderão ser as mesmas, mas a vida ganha outras cores quando se cresce no existir. E, mesmo sendo muitas vezes duro, há tanto que nos recorda a beleza da existência. Em oração, acolho as memórias com delicadeza, agradeço e danço-as com Eles.


sábado, 29 de maio de 2021

Breve oração



[Breve oração ao anoitecer]


Agradeço-Te

cada sentir, como sol a espreitar,

dando luz ao caminho de partilha

dos gestos que humanizam e curam


Peço-Te

ensina-me a dançar, 

para lá de toda a saudade, 

o Amor da Tua existência


quarta-feira, 26 de maio de 2021

Baptismo da Margarida


Miguel Pires


[Coisas na vida de um padre] A Margarida gosta da liberdade. No dia do baptismo queria passear, ir por aqui e por ali a descobrir a Igreja. Quando a pegavam ao colo, dava sinal bastante audível de querer fazer caminho de luz por ela. Chegado o momento de baptizar: “e agora?” Pois, se não formos como crianças, não perceberemos o reino dos céus. Há que sentar, colocando-nos ao nível, e, com tranquilidade, convidar a estar. Viva a água, que há que tocar, deixar que se torne parte, para de seguida, com boas gargalhadas, torná-la participante da força do Espírito na profundidade do seu ser. A Vida acontece! E a Margarida sorriu e continua a sorrir em Deus.


terça-feira, 25 de maio de 2021

Deus não faz acepção de pessoas


[Secção pensamentos soltos] “Deus não faz acepção de pessoas.” São várias as passagens bíblicas que o afirmam e outras tantas que o confirmam. Nós, as pessoas a quem Deus não faz acepção, somos quem distingue, separa, menospreza, ataca, categoriza, rejeita, desnivela, restringe, apresentando várias medidas conforme os nossos interesses mais ou menos conscientes. No fundo, também para ofuscar as vergonhas próprias, as castrações vividas, explorando ao máximo a chamada de atenção à existência. Quando se faz acepção de alguém, há uma subtil ou descarada forma de se colocar no lugar de um deus que se quer reconhecido e adorado e, por isso, capaz de definir quem faz parte ou não do seu legado de pessoas. 


O caminho da liberdade é exigente. Chegar a ser como Deus mais exigente é. Implica articular liberdade e responsabilidade, onde o espaço e o tempo do amor ganham maturidade tal que o outro pode ser amado na sua diferença, sem lhe querer impor as minhas categorias. Há gente assassinada moral e plenamente por quem ainda está fechado na sua pequenez de horizontes, seja em questões sociais, religiosas, afectivas ou políticas. E eu não fujo ao juízo da minha pequenez. Cada pessoa é chamada a fazer o seu exame de consciência para perceber onde está o eco da acepção de pessoas na sua vida. Não adiantam auto-enganos, de pedestais de moral. Apenas aquele lugar onde com humildade se diz: “Senhor, tem piedade de mim que sou pecador”. Por outras palavras, tem piedade de mim que estou em caminho de liberdade, de querer aproximar-me mais de Ti, nesse profundo amor que apenas propõe precisamente amar. 


Quem se quer endeusar, inclusive no campo religioso, vai segregar. Quem quer fazer caminho de divinização, reconhece-se pequeno e, por isso, vai com o seu tempo sendo capaz de ver no outro, independentemente de gostar ou não, uma irmã, um irmão. O caminho da liberdade é exigente, mais o é ser como Deus que não faz acepção de pessoas. 


segunda-feira, 24 de maio de 2021

Pele de vida


[Secção coisas de nada ainda em ecos de Pentecostes] Detenho-me muitas vezes a contemplar os troncos em geral. As rugosidades do tempo têm formas únicas e específicas e impressionam como pilares de sustentação das árvores. Apoiados pelas raízes, erguem-se ao alto deixando abrir os ramos onde, aludindo ao evangelho, as aves vêm abrigar os ninhos. Hoje olhava um de plátano. As manchas de cores assinalam o libertar da pele que já não interessa para ser revestido de algo novo. Vamos fazendo esse caminho de liberdade. A pele, lugar de tanta memória, é renovada a cada tempo. Ela mesma é fronteira da interioridade de tudo o que somos com a exterioridade de tudo com que nos podemos relacionar. O Espírito aos nos atravessar a pele com o fogo do amor, liberta-nos do caminho do medo, do que fomos acumulando em sensações de encontro, de dores, de elasticidade, de paixões, de brisas suaves que nos retornam à origem: o lugar do paraíso. É outra forma de dizer que através do Espírito podemos crescer na densidade que nos revela a árvore do cumprido e do não cumprido. Aquela da famosa proibição de comer do fruto. Porque precisamos de tanta aprendizagem da vida para termos esse conhecimento. Só o amor abre portas a isso. O amor do Espírito que habita a matéria. O amor uns pelos outros dando vida. Em peles renovadas e troncos revestidos de novidade: a luz própria de cada pessoa que fala livremente a linguagem do amor.


quinta-feira, 20 de maio de 2021

Breve oração



[Breve oração em início do Ano Inaciano]


Agradeço-Te

a Tua delicadeza ante as feridas

e o Teu cuidado: sem julgares ou perderes tempo,

debruças-Te sobre os caídos,

dolorosos, de corpo, de alma, de relação, 

e mostras, ainda que exigente, caminho novo

para renascermos em Ti


Peço-Te

aproxima-me desse amor

que sana e ilumina 

novas perspectivas de ser

contigo e com os outros em Ti


[Mais informações sobre o Ano Inaciano que nós, jesuítas, começamos hoje a celebrar aqui: https://pontosj.pt/ano-inaciano/]


terça-feira, 18 de maio de 2021

Sobre o amor


[Secção letras verdes] Ainda, que nunca é demais nos tempos actuais, sobre o amor.


segunda-feira, 17 de maio de 2021

Fobias sociais


[Secção pensamentos soltos sobre fobias sociais] Escrevi há pouco um breve texto sobre gestão de emoções, em que falei de forma rápida, como breve texto que queria que fosse, sobre homofobia e o conflito Israel-Palestina. Escreveram-me, simpaticamente, a dizer que também como padre eu deveria ser mais explícito no combate à homofobia, já que acompanho tantas pessoas que sofrem desse flagelo. Ainda mais sendo este dia contra essa fobia em particular. 


Fobia significa medo. Medo do estranho, do desconhecido, do diferente, do que pode pôr em causa o que me é estrutural no pensamento. Os medos tem o seu quê de instintivo, como forma de sobrevivência. Há medos bons. Mas, há medos tremendamente negativos: todos os que provocam rejeição humana. A homofobia é um deles. E faz tanto mal, ao ponto de matar, na dignidade e literalmente. Grande parte das fobias sociais, em particular a  homofobia, são reacções de defesa. A quem tem essas reacções deveria perguntar-se: tem medo de quê, afinal? Sim, de quê? De uma orientação mal resolvida na sua própria pessoa? De não querer aceitar alguém próximo a ser quem é? De perder a sua noção de mundo a preto e branco? 


O trabalho pessoal de libertação de fobias é exigente. Reconheço. Mas, o primeiro passo, que em humanidade nem deve ser considerado, não é anular o outro. É o de buscar ajuda para perceber a raíz da fobia e abrir horizontes de pensamento. A complexidade do ser humano é tal que qualquer pensamento é curto para a abarcar. Ainda assim, essa pequenez pode ser lugar de humildade e permitir, em caso de dúvida, caminho de conhecer a pessoa no seu todo. Aos poucos, o medo dissolve-se dando lugar ao respeito, ao cuidado e à defesa dos direitos humanos. E todos ganhamos e crescemos em humanidade. 


Gestão de emoções


[Apontamento breve sobre gestão de emoções] É muito fácil num clique partilhar nas “stories” do Facebook ou Instagram imagens e vídeos vários. De quinze em quinze segundos passa a outra. Hoje são muitas as publicações sobre a homofobia, neste dia internacional contra esse flagelo, a juntar a outras tantas do conflito Israel-Palestina. Depois, de uma destas forte, a seguir surge algo fashion ou humorístico e dou por mim a flutuar rapidamente nas variadas emoções. Já acontecia isso nos feeds, agora é mais rápido nas “stories”. Ora vem a tristeza, depois o sorriso, a seguir o choque, passa o deslumbre de beleza, e logo a dor. É o que é. Apercebi-me que tinha de me silenciar o dobro dos segundos para respeitar não só o conteúdo que implica o sofrimento humano, como as minhas próprias emoções. E houve mesmo imagens e vídeos, tanto da importância de se falar da homofobia, como do pedido do fim do conflito, que me fizeram parar mais tempo, sem me ficar em consumismo mediático e perceber como posso contribuir para o respeito e paz na minha proximidade.


domingo, 16 de maio de 2021

Corpo e respeito




[Secção coisas de corpo no dia da Ascensão] Sempre me incomodou quando alguém insiste fazer algo que a outra pessoa não gosta. Por exemplo, tenho muita dificuldade, dor mesmo, quando alguém me bate nas costas. Uma vez fizeram isso e avisei que não gostava: “oh, não gostas de cumprimento à macho?” Prefiro cumprimentos humanos. Mas recordei outras vezes que assisti não a cumprimentos, mas a gestos aparentemente de macho: as “arróbadelas” às raparigas. A brincadeira de as apalpar como demonstração de virilidade. Uma vez, já com medo presente, manifestei-me contra apenas com a reacção facial. Ouvi: “que cara é essa? Não gostas? Não és homem? Ah, a menina apoia as meninas. Maricas de merda!” Mais medo tive, ainda veio o empurrão em conjunto.


Sei hoje, por muita formação, leitura, estudo, silêncio, ajuda espiritual e psicológica que o trauma não é fácil de desbravar. Leva tempo a falar. Anos, décadas. Mas é possível! Ainda há muitas pessoas com dificuldade em verbalizar as dores sentidas pelas violações da dignidade com as apalpadelas e mais que isso. É preciso muito respeito e compreensão na escuta, até mesmo para acolher a possível distorção de memória que é natural surgir. Para que se comece a dar espaço à libertação do trauma, é preciso que se fale de forma pública, sim. Sobretudo para ajudar a mostrar que não se está sozinho(a) no sofrimento e assim possa procurar a ajuda necessária. Mas é importante que se fale de forma sensata, clara, sem apelar ao emotivismo, pois muito ruído também pode provocar mais fechamento. 


Na Ascensão, Cristo leva a nossa humanidade para o céu. Aí está o corpo, a carne, com a sua força e fragilidade. Deus conhece o ser humano plenamente. Mas porque nos quer adultos, nas muitas dimensões, desafia-nos a fazer caminho de maior respeito por cada pessoa para que também nós possamos ascender com Ele. Quando alguém insiste em fazer mal a outra pessoa de forma verbal, psicológica ou física contribui para dificultar a vida plena. Ainda assim, vale-nos a certeza de que Ele inspira pessoas que se vão libertando do medo e são capazes de impedir que mais sejam maltratadas na sua dignidade, também enquanto corpo.


sexta-feira, 14 de maio de 2021

Longa oração




[Longa oração ao final de uma semana muito intensa de acompanhamento(s)]


Agradeço-Te 

o caminho, cada passo, a luz e a sombra sobre eles.

A lista é grande. De tudo, sim. Mas desta vez, continuo pela pequenez de mim. É um desafio constante isto de enfrentar a morte, seja de que tipo for, e ter de perguntar uma e outra vez sobre o lugar certo da existência. É o constante ajuste desse caminho que leve de lugar a lugar até encontrar o pleno, onde não necessitarei mais de me justificar, buscar compreensão, perceber a raíz das coisas e ir, assim, libertando-me de julgamentos rápidos de acções ou omissões. É ânsia de alcançar perdão, tanto para pedir como para conceder. 


Detenho-me no de pedir. 

Quando de um dia ao outro a morte escancara o que realmente importa, dou de frente com tantos pedacinhos incompletos, desgastados, por não ter sido pleno e estar ofuscado por tanto, como o medo. Por isso


Peço-Te

perdão pela falta de escuta, entre rasgos de incoerência ou de desvios, distorcendo a essência do amor que não Te cansas de enviar, dar, ser


força para não permitir a indiferença ante as mortes e assim


abrir portas à esperança, de que desde a imperfeição consegues resgatar algo novo, mostrando-nos o lugar que cada pessoa é na nossa vida e que somos na vida de cada pessoa


segunda-feira, 10 de maio de 2021

Detém-se o tempo



[Apontamentos soltos enquanto caminho a sentir a chuva e a ver o sol em dia intenso de Vida] Ryuichi Sakamoto compôs “fullmoon” depois de a vida tê-lo obrigado, por questões de saúde, a pensar seriamente no que importa. Escreveu: “Como não sabemos quando vamos morrer, podemos pensar na vida como um poço sem fundo. No entanto, tudo acontece apenas um certo número de vezes. E um número muito pequeno, realmente. Quantas vezes mais recordarás uma certa tarde da tua infância. Alguma tarde que faz parte tão profundamente do teu ser que nem consegues conceber a tua vida sem ela? Talvez quatro ou cinco vezes mais. Talvez nem isso. Quantas vezes mais vais assistir a lua cheia nascer? Talvez vinte e ainda assim tudo parece ilimitado.”


Respiro. 

Os aguaceiros têm este poder de deixar um brilho no ar quando as nuvens se afastam. 


Fico em silêncio. 

O tempo detém-se nestes momentos. E, sim, recordo tardes marcantes, rostos que falam de vida, a surpresa da beleza da lua cheia ou do pôr-de-sol, as conversas boas que constroem os passos que compõem o ser, as paixões e os amores, os abraços trocados em luz renovada, a esperança de algo novo. E se de repente tudo expande, logo logo tudo diminui em pequena semente.


O pequeno torna-se lugar de oração. 

Para quando tudo oscila no sentido, aí possamos encontrar o limite que nos descasca filtros, véus, mistérios, encaminhando para uma nova luz. E Deus revela-se: na simplicidade, no amor. 


Respiro.

Fico em silêncio.

Detém-se o tempo para poder contemplar e agradecer. 

domingo, 9 de maio de 2021

Breve oração



[Breve oração]


Agradeço-Te

a humildade para acolher

lágrimas em abraços

de Páscoa 


Peço-Te

envolve-nos a todos 

com a Tua Luz 


sábado, 8 de maio de 2021

Sobre amizade




[Secção pensamentos soltos sobre amizade] Por várias questões, hoje acabei por andar às voltas sobre a amizade. Vou ser radical: sem amizade não há vida. No grego, “philia” é uma das faces do amor. Ou o amor traduzido numa das suas dimensões: a amizade. Visto deste modo, remeto-me a S. Paulo: “o amor tudo suporta” ou “suportai-vos uns aos outros no amor”. Ainda que o amor a que se refere seja o “ágape”, total e gratuito, falarei em termos de amizade que tudo suporta ou que é caminho de suporte uns de outros.


O suporte de algo dá segurança. Pode estar à vista, em algo decorativo, como pode estar completamente fora de visibilidade, p. ex. os pilares que fundamentam um grande edifício. Se passarmos ao carácter humano, ser suporte de alguém é dar-lhe a confiança de ser quem é sem julgar. A força dessa confiança é fundamental para que na amizade haja esse lugar de segurança, ajudando mutuamente no caminho de autenticidade, sem máscaras, filtros ou obrigações. Há mesmo a beleza da nudez existencial, onde se podem partilhar as alegrias vividas e as dores sofridas, no terreno sagrado de cada amigo. E quando as portas da confiança se abrem na partilha de algo profundamente íntimo, que, em particular, pode ser doloroso, é sinal de que ambas as pessoas tocam paraíso. Esse lugar onde já não há espaço nem tempo para o medo, mas para a força da Vida nova. Sim, é Páscoa. Sim, é Ressurreição. 


Precisamos de amizade para a vida, que apontem infinito. Há amizades de infância. Há amizades que acontecem no caminho, ao longo dos anos, onde se desmontam perdas de tempo a tentar justificar, permitindo ser, simplesmente ser. Aí, surge a “philia”, a face do amor, que suporta, apoia, sustém. Depois, dá possibilidade de ajustar, apontar outros caminhos, eventualmente corrigir. Mas, unicamente quando há amor. E o amor, em philia e agapé, tudo suporta, desejando que o outro, libertando-se de correntes e ganchos de medos, seja profundamente livre e autêntico, colocando todos os seus talentos a render. 


sexta-feira, 7 de maio de 2021

Crescimento social


[Apontamento breve a terminar a semana] Ainda há tanto para crescer na sociedade em responsabilidade, escuta, cordialidade, educação, empatia, cuidado, sensatez, compreensão, bom senso, auto-consciência de sombras e luzes, igualdade, sentido do outro (em especial o mais vulnerável e frágil), de ser capaz de opinar com intuito construtivo, de perceber e viver o profundo sentido de amar o próximo como a si mesmo.  


quarta-feira, 5 de maio de 2021

Breve oração



[Breve oração ao anoitecer]


Agradeço-Te

o que é, sem filtros,

do passado e presente

por mais duro que seja


Peço-Te

coragem para fazer

de cada cicatriz da vida

lugar para tomarmos chá


domingo, 2 de maio de 2021

Maternidade


[Secção pensamentos soltos sobre maternidade] A vida nos seus começos é partilhada pelo cordão umbilical. Em pleno ventre de ambas pessoas trocam-se alimento, higiene e afecto. No que queremos de melhor enquanto humanos, sobretudo a ser publicável nas redes, é destacado com beleza. E que bom que assim sempre fosse. A maternidade é desafio de vínculo intenso, com tanta história a contar. E alegrias. E perguntas. E dúvidas. E medos. E transformação de vida. De mãe e filho(a).


Ao longo destes anos de acompanhamentos tenho-me apercebido da dificuldade de se cortarem cordões. Simbolicamente, claro. Quando Jesus diz que a mãe, irmãos, família é quem cumpre a vontade de Deus, soa a bruto e a desprezo. Será? Afinal a Sua mãe foi a que cumpriu essa vontade, apesar de todos os riscos sociais e religiosos, com possibilidade de apedrejamento. Então pode ser um elogio. Mas, mais que o elogio, é alertar-nos para a capacidade de fazermos caminho de permitir a transformação de vida acontecer em liberdade. É por isso que não se tem filhos: é-se mãe, é-se pai. E, claro, é-se filho(a). O Amor, no seu sentido profundo, implica a liberdade sem qualquer posse do outro. A pedagogia do crescimento mostra o aconchego do abraço, tão fundamental no nascer, com a presença que se vai ajustando com a passagem do tempo cronológico e a consciência do tempo existencial. Sim, é-se mãe, pai, filho(a) para sempre. Mas sem a fatalidade da imposição do que for, com a responsabilidade de propor valores que continuem os passos de humanização da pessoa e de quem a rodeia. 


Todos, realmente ou em desejo, em sorriso ou em lágrimas, consideramos as nossas como as melhores mães do mundo. Todos, realmente ou em desejo, em sorriso ou em lágrimas, seremos os melhores filhos(as) do mundo. A grande homenagem que nos podemos fazer uns aos outros nesse ser melhores é mesmo irmos permitindo que o afecto recebido seja retribuído gratuitamente e que as dores de desamores sejam trabalhadas em direcção a maior compaixão. Então, os pódios deixam de fazer sentido e teremos oportunidade de nos sentarmos juntos a partilhar vidas, talentos, dons, em colaboração. Aí, a maternidade viverá entranhas e dádiva divinas.