terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Perdão e esquecimento



[Secção pensamentos soltos] Há pouco, numa capa de revista, vi em grande destaque a frase “Perdoo, mas não esqueço” dita por Júlia Pinheiro. Ouço esta frase com alguma frequência. Perdoar não significa directamente esquecer. Perdoar é fazer caminho de serenidade de coração em relação ao mal que foi feito. Esse caminho, dependendo da situação, tem um tempo muito próprio. Gosto muito da expressão de Enzo Bianchi que vê o perdão como cura da memória. Não se trata de esquecer, mas de curar. Usando a imagem da ferida, cada uma, dependendo da profundidade, tem um processo de cura. Não se pode curar uma queimadura do mesmo modo que um corte. No entanto, todas elas curam mais depressa com ajudas, mais simples ou especializadas. O mesmo se passa com as feridas emocionais e relacionais. No final, fica uma cicatriz. Quando deixa de doer acontece perdão em nós. Depois, curiosamente, também a memória pode começar a desvanecer. Se há esquecimento, vivemos a semelhança com Deus. Afinal, no Seu coração o perdão coincide totalmente com esquecer. N’Ele só há amor. 

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Em homenagem ao Tiago




[Secção homenagem] Recolho-me depois de uma tarde de Paixão. Foi o funeral do Tiago. 16 anos, sorriso aberto, de coração cheio de Amor. Assim o demonstraram as centenas de amigos aos seus Pais e Namorada nesta tarde. Essa certeza, sem o Tiago o saber ou pretender, de que foi um anjo nas suas vidas. Os Pais do Tiago, honra e respeito lhes sejam dados, tiveram o cuidado de nestes dias ir ter com pessoas importantes na vida do filho: “Se ele era quem era, também foi graças a si, a vocês, a todos.” Permitiram que do Tiago a vida continuasse em quem mais precisasse, doando o que fosse possível da sua dimensão corporal. O coração volta a bater, os pulmões a respirar, os rins a purificar sangue. Quem os receber, que seja sempre agradecido à força da Vida. Desde a sua dimensão relacional, ficam as muitas recordações do ânimo e da força do Tiago. Será sempre fonte de inspiração para os amigos e colegas de voleibol e de escola onde, em nome dele, farão caminho para serem vencedores na vida e na amizade. Filhos e pais, abalados com esta partida, terão oportunidade de reforçar laços, entre silêncios, gestos e palavras, de ajudar a perceber o que importa para o seu crescimento como pessoas: o amor. A Ressurreição, nas pessoas que receberam vida do Tiago, já acontece em muito suave e ténue amanhecer.

domingo, 13 de janeiro de 2019

Fundo do Jordão




[Secção pensamentos soltos em dia de Baptismo] O silêncio tem estado muito presente em mim. Talvez por isso, ao ler o Evangelho de hoje, imaginei Jesus, no Baptismo, naqueles breves segundos no fundo do rio. Segundos que podem ser eternos, em tempo que marca a revisão de toda a sua vida: pessoal, social, afectiva, religiosa, política. A Encarnação de Deus é totalmente imersa na vida da humanidade. No silêncio do fundo do Jordão, as águas tornam-se travessia de emoções diante da realidade concreta para o caminho de maior liberdade. Muitas vezes pergunto no meu silêncio: como olharia Jesus estes tempos igualmente agitados? Como sinto de entranhas o Seu convite a olhá-los? O fundo das águas, apesar da luz, também se preenche de escuridão. A sombra do racismo. A sombra da intolerância. A sombra do medo. A sombra da anulação do outro por quem acha que pode converter a sua essência. A sombra do desrespeito pela privacidade. A sombra de muros. A sombra do mau uso da fé e da religião. A sombra do perfeccionismo. A sombra da desumanização. O mergulho na sombra que existe em cada um de nós, exercício dos mais duros e exigentes, faz-nos tomar consciência da sua força. Levar luz à sombra é o que Jesus vai viver ao longo da vida pública, mostrando o caminho de como canalizar essa força para o maior Amor, seja, por exemplo, pela denúncia das injustiças (que não podem ser embelezadas pelo entretenimento), seja a curar, em especial, a ignorância. Ainda há muito caminho por percorrer e fundos a visitar. Depois de ser baptizado, Jesus recolheu-se no silêncio do deserto, como passo de maior liberdade.