segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Viragens [de ano]




"Goal Post, Chile" - Nadav Kander

(Versión en español en los comentarios)

As viragens. Possibilidade de abertura: o mistério desejoso de ser revelado. Deixando o medo sem a principal palavra, a História quer ser escrita... e vivida a partir de oportunidades e encontros. Para 2012: Amém. Para 2013: Aleluia! 


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Ironia(s) da actualidade




A entrada em Lisboa (e de algum modo em Portugal) pela estação de Metro “Aeroporto” tem como anfitriões muitas personagens destacadas da cultura portuguesa. A estação do Saldanha da mesma linha, entre muitas citações de Almada Negreiros, tem uma que me chamou a atenção: “O idioma é a instrução de um povo, a arte a sua educação”. 

Sorri e pensei: “Que curiosa ironia para os tempos que correm”. 


segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A minha Carta de Natal 2012





(Versión en español en los comentarios)

“Em tudo o que suscita em nós o sentimento puro e autêntico do belo, existe realmente a presença de Deus. Há uma espécie de encarnação de Deus no mundo, de que a beleza é testemunho. O belo é a prova experimental de que a encarnação é possível. Portanto, toda a arte de primeira categoria é, por essência, religiosa. (Algo que hoje em dia desconhecemos.)” 
Simone Weil, em A Gravidade e a Graça


Queridas Amigas, queridos Amigos,

Há dias, nas minhas escritas e estudos, escrevi: as palavras têm “corpo”. Tinham em mente a certeza de que quando se escreve de “coração na mão”, as palavras tornam-se verdadeiramente densas, como que um espelho que reflecte não só o sentir, mas também toda a pessoa que as escreve. Tenho para mim que nesses momentos não pode haver mentira, que a verdade mais pura do sentir aflora e torna-se presente. Outra forma ou outro lado da encarnação, diria. Acrescento que quando me refiro ao coração, faço-o no sentido hebraico, em que é considerado como centro não só das emoções, dos afectos, como também do discernimento, do pensar, do encontro com o sentido e decisões da vida. Por isso, escrever de “coração na mão” é escrever com todo o ser.

Em jeito de pequeno ritual, acendo a vela que me acompanha nas orações dos últimos tempos e dou “corpo” a esta carta de Natal de 2012. 

“Onde estás?” (Gn 3,9) Esta pergunta soou-me forte há dias. No contexto em que é formulada, Deus procura Adão, que se escondeu depois de comer o fruto proibido. No entanto, mais do que me sentir procurado por Deus, percebi que a pergunta me levava a ir ao presente, a uma escuta do “aqui e agora”. “Que fazes? Que queres? Que sonhas?”, ramificariam a partir desse estar. Não se trata de um presente que anula o passado e o sentido das coisas. Tem os alicerces na História (seja ela qual for) e, precisamente por esse passado, é vivido de uma forma diferente. Mesmo que ao jeito de ritual familiar se cumpram as tradições, estas não serão iguais. Olho para este ano que passou e é impressionante as mudanças que houve, os acontecimentos que me levaram a uma diferença no meu olhar da realidade, alterando as respostas quanto ao meu estar, fazer, querer e sonhar.

Ofereceram-me um presépio. As figuras não tinham rosto. Gosto muito de presépios assim concebidos. Dá-me a possibilidade de rezar e de alguma forma ser eu a pôr o rosto: meu ou de alguém. Uma das grandezas da Bíblia é permitir entrar nela com a própria vida e sentimentos. Este ano gritei dolorosamente como Job, blasfemei como Moisés, voltei a construir ídolos como o povo hebreu, senti a minha fé ser desafiada como Abrãao, passei por uma conversão como S. Paulo. Se me centrar nas figuras do presépio: encontrei-me com incógnitas como Maria, junto com a consolidação do sim à minha vocação em servir; foram algumas vezes que fiquei “sem chão” perante os desafios pessoais, sobretudo aqueles que me levavam ir ainda mais fundo de mim e confiar... confiar... e confiar, tal como o grande José; e aos poucos deixar-me entrar no “sentir” do Menino. Este “sentir” de quem não conhece nada, nem ninguém, quando nasce, quando descobre outra realidade da Vida, tendo de ser ensinado e aos poucos crescer em todas as suas dimensões como humano.

Uma grandeza (ou pequenez) de Deus é este voltar a nascer. Não porque necessite, mas para que cada ser humano possa fazê-lo também, na simplicidade dos acontecimentos da sua vida. Pode ser fácil ou muito duro, difícil até. Nós crentes, por vezes, acabamos por dizer coisas “bonitinhas”, como se a vida fosse torneada de “luzinhas e fitinhas natalícias” ou, então, carregarmos a força da crise e dos que estão a sofrer muito. Sem dúvida que temos de lutar pela justiça, no entanto, também temos de respeitar e/ou ajudar as pessoas a encontrar o seu caminho pessoal de relação com Deus, que pode não ter nada que ver com a nossa visão das coisas. Dar corpo às palavras também é passar a uma escuta da realidade, percebendo que o “nascer de Deus” pode dar-se onde menos se espera. O Salvador nasceu frágil, numa gruta, e não caiu dos céus, como um deus guerreiro. 

Onde estou? Estou a ver um presépio sem rosto, onde na sua beleza deixo que a presença de Deus se manifeste, de modo que aí ponha os vossos rostos, com todos os sentimentos que possam estar a passar: a alegria do reencontro, ou a tristeza da separação, ou a incompreensão por tanto mal na realidade, ou o sofrimento pelo desemprego, ou o afastamento da Igreja (mais que de Deus) por todos os motivos e mais alguns, ou a força ganha por um desafio ultrapassado, ou o silêncio da solidão, ou o silêncio de quem contempla agradecido(a) tanto bem que recebeu (nos acontecimentos consolados ou dolorosos), ou a angústia do “sem chão” em relação ao futuro, ou a certeza de que apesar de tudo, mas tudo mesmo, é amado ou amada. 

Queridas Amigas, queridos Amigos,

o meu desejo para estes dias de Natal é que tomem consciência da beleza que cada um de nós é, que todas e todos somos “arte de primeira categoria”. Se isso acontece, o belo falará mais forte e a forma como viveremos o ano de 2013 será diferente, permitindo que as encruzilhadas que passamos sejam oportunidades com esperança e humanidade. 

No silencioso, misterioso e belo acontecimento da noite de 24, rezarei por cada um(a) de vocês ao Menino Jesus: pelos vossos sonhos, desejos e necessidades. Neste novo ano que se aproxima, aconteça o que acontecer, para cada uma e cada um peço esperança, serenidade e oportunidades de encontro com o sentido mais fundo do Natal: a Vida!

Um Abraço muito apertado e até breve!
Paulo Duarte,sj

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Perdão [em Advento]





amy friend

(Versión en español en los comentarios)


Também para o Advento: O perdoar é da condição humana. Tal como a limitação e o tempo. Para perdoar é preciso reconhecer os limites e deixar o tempo dar a sua contribuição. Sem pretensões de teses sobre o perdão ou o acto de perdoar, sei que somos capazes de dar esse passo, mas a partir de muitos outros prévios. Não se pode exigir o perdão a ninguém, nem mesmo o esquecimento. Aliás, perdoar não significa esquecer, de todo que não são sinónimos. Em jeito muito simples, perdoar significa chegar ao ponto em que não se deseja mal (com as suas muitíssimas variações) a quem mal (lhe) fez. E a recordação do acontecimento ou da pessoa que é/foi perdoada poderá ajudar a ver a vida e os outros de modo diferente.


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Mistérios da identidade



Martin Klimas

(Versión en español en los comentarios)

Muitas vezes busca-se definições que possam emoldurar quem se é. É verdade que é a forma de apresentação. No entanto, não pode ser reduzida a características absolutas. Alto ou baixa, gordo ou “Olivia palito”, emotivo ou racional, hetero ou gay, guineano ou holandesa, crente ou ateu, cristão ou islâmica, de esquerda ou de direita, praticante ou não praticante, doente ou saudável, médica ou varredor, corrupto ou irrepreensível, são exemplos de qualificativos com que se rotula a identidade. O Advento pode ser o caminho de quebrar rótulos até ao encontro de alguém que nasce confirmando que se tem de haver alguma definição, que seja a partir do “ser amado”. Aí também reside o “mistério da identidade”.



quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Perspectivas de Advento





(Versión en español en los comentarios)



A fé é um caminho de muita sinuosidade, onde todos os sentimentos são convidados a caminhar por esses passos. É na vida, com as narrativas que se escuta, lê e se encontra que a fé é movida. 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Aos [meus] professores





Queridas professoras, queridos professores,

Pode parecer estranho ou ridículo. Talvez desajustado, mas gostaria de vos agradecer publicamente. Agradecer de coração terem passado pela minha vida. Hoje fui ver O Substituto. Duro, intenso, real. Todos os que estão directa ou indirectamente ligados a educação deveriam vê-lo. É um valente “murro no estômago”. O ampliar da realidade presente no filme pode a ser a imagem do grito que de muitos sai. Se os que governam no âmbito educativo conhecessem de facto a realidade, o olhar para contas feitas ou por fazer seria diferente. Nem o professor seria mais um objecto, como uma cadeira ou uma mesa, nem os alunos seriam postos numa carreira de competitividade, esquecendo os valores mais altos de ser humano, nem a Escola se transformaria em mais uma empresa ou “depósito de filhos” em busca de lucros e objectivos.

A meio do filme comecei a recordar os meus antigos alunos, depois, e de forma bem definida, quem me ensinou a ser para além das matérias. Surgiu-me o forte desejo de agradecer. Talvez se dirá que a entrega faz parte de ser professor. No entanto, também o agradecimento faz parte do reconhecimento dessa mesma entrega, por vezes em dias duros, que não apetece nada ouvir os desaforos, enfrentar a má educação, ou ver o desalento ante a aprendizagem.

Há momentos que ficam na memória de muitas aprendizagens. Sobretudo o recordar o gosto com que as aulas eram dadas. Sim, enquanto via o filme apetecia-me agradecer o que recebi de cada um e cada uma de vocês. Sobretudo quando também tenho na pele a experiência de ser professor, de tentar educar e ensinar, enquanto se escuta no aluno outra realidade para além do caderno que não trouxe, ou da resposta agressiva e desobediente. Fui professor e, obviamente, também tinha vida fora das aulas: exterior e interior. Muitas vezes apeteceu-me dar um valente estalo, uma ou outra vez a voz saiu mais forte, mas há um carinho que fica, a estranha sensação de que se recebe mais do que se dá, literalmente. 

Dentro de dias tenho exame de “Virtudes”. Curioso estar em estudos sobre a fé, esperança e caridade e de seguida aterrar neste filme. A realidade na actualidade pede-nos isso mesmo: cultivar a confiança, no encontro do sentido, na entrega ao outro... sem ser em lugares idílicos, mas no concreto da História.

Com um Abraço, o meu Obrigado a cada uma, a cada um!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Sentido de ser (IX) - Especial Advento




Elif Sanem Karakoç

(Versión en español en los comentarios)

“Chegámos à convicção de que, entre todas as coisas da terra, o primeiro a expor era a Mística do Corpo, já que é a mais desconhecida e a mais próxima de nós. Vivemos com o nosso corpo e através do nosso corpo. Ele é o nosso primeiro universo, a forma concreta do nosso ‘eu’, um instrumento universal e tão à mão, que é ao mesmo tempo o artista responsável e a primeira matéria da obra. Mas nós não conhecemos este corpo. Arrastamo-lo a trabalhos absurdos, sem dirigir-lhe sequer um olhar, sem que nos passe pela mente interrogar-lhe sobre tudo o que nos poderia dizer.” 

Victor Poucel,sj, em “Apologia do Corpo” (1959)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Carta [a ti Isabel] sobre silêncio e Deus.




(Versión en mi mejor español en los comentarios)

"Deus quando nos fala não grita. Sussurra. Para que as palavras não nos levem à loucura porque afinal... somos só meros humanos..."  Isabel P.

Querida Isabel,

Escrevo-te uma “carta”!
Sem saberes acabaste por me dar algo a pensar. Sem querer acabei por andar acompanhado por esta tua frase surgida a partir do silêncio. Como te tinha dito, gosto muito do silêncio e necessito dele. Antes, punha-me na pele de “jesuíta-que-‘tem’-de-viver-o-silêncio” como se fosse uma obrigatoriedade, na vivência da oração, do encontro com Deus. Talvez em jeito de gritos impostos por mim próprio, querendo chegar até Ele dessa forma. Aos poucos fui percebendo que não fazia sentido. Esse desejo de silêncio, mais do que uma fuga do mundo, era mesmo uma fuga de ruídos que me impediam de ver-me e ver os outros. 

Tenho para mim que quando mergulhamos fundo no coração, o silêncio desperta-se até na maior confusão de um centro de cidade em hora de ponta. Claro que sabe muito melhor quando se dá no recolhimento do canto especial, ou nos braços de alguém de simplesmente quer partilhar esse momento, sem muitas ou nenhumas palavras. Também quando se dá em locais onde mais facilmente a presença silenciosa da vida desperta com mais facilidade. É isso, há momentos e locais em que é mais fácil chegar até ele. 

No entanto, como dizia, a grande riqueza é fazer silêncio de coração e escutar o sussurro de Deus, que por vezes reduz as palavras ao mínimo essencial. Gostei tanto de “... para que as palavras não nos levem à loucura...”. Que sabedoria está nesta frase. As palavras gritantes que hoje saltam pelos olhos dentro, com tanta informação, ou exigências de identidade para sermos isto ou aquilo. Não... não é por aí o caminho. É um sussurro que diz, simplesmente: “Amo-te, como és!”. Infelizmente, parece-me que nos afastamos com medo deste sentir de Deus. Sim, somos “meros humanos”. “Meros humanos” vistos por Ele com um carinho difícil de imaginar ou sentir. 

Deus fascina-me. Não é novidade. O que se torna novo é a descoberta da beleza de Deus precisamente pelo silêncio. Na Páscoa passada, altura em que escrevi o texto que te passei, todo o meu ser “gritava” por silêncio. Não me apetecia palavras nenhumas, nem reflexões. Aí descobri a riqueza de estar, nada mais que estar, diante de Deus. Afinal, Ele não grita, sussurra em jeito de sopro. E sabes? Libertei-me de pesos que não faziam sentido. Por isso, aconteceu em mim aquilo que dizias no comentário: “leva-nos a bom porto”. 

Estamos em contacto silencioso, boa?
Espero que tenhas bons voos... no silêncio! 

Um beijinho,
Paulo

P.S. - Escolhi esta música como pano de fundo desta carta, por ter sido simbolicamente a “voz de Deus” numa performance que apresentei sobre a conversão de São Paulo. 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Outras possibilidades





(Versión en español en los comentarios)


Avanços. Retrocessos. Não tem nada que ver. A música? Sim. Porquê? Põe algo mais bonito! Esta não é? Sai do teu mundo. Abre asas ou sons. Nem tudo se explica em absoluta racionalidade. Nem em absoluto emotivismo. Há dias assim, em que a beleza ensina outros tons. 

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Relação: outro modo de expressar




Foto: CND

(Versión en español en los comentarios)



Os momentos de crise, ou de viragem, ou de questionamentos, ou de aberturas a novas oportunidades mais ou menos escondidas, estão aí, presentes e destacados na realidade das ruas, nas casas, nas vidas, nas relações de cada pessoa. Normalmente são frias, quase rígidas, onde o confronto é desagradável. A vitalidade pede acção: constatar e humildemente reconhecer que, nestes momentos, é impossível avançar só, como se dentro houvesse o fechamento a toda a ajuda possível. 


Tudo isto pode ser apresentado de forma muito racional: estatísticas, planos de reformas, alterações em medidas que mexem cada ser humano ou cada cidadão na sua história pessoal e social. No entanto, já basta a crueza da tal crise. A arte abre outras portas de revelação de sentimentos. Nada de novo. Mas tem de ser repetido, pois há mais a ser dito para além de números e possíveis certezas. Já foi na quinta-feira passada, mas de vez em quando recordo alguns momentos das peças apresentadas pela Compañía Nacional de Danza - Espanha: Unsound, Babylon, Demodé.



Unsound transportou-me para essas sensações de inquietude, de movimentos bruscos de quem busca algo ou alguém, ou a si mesmo. Os encontros e desencontros gritavam-me rostos com histórias marcadas pela vida, em decisões a tomar diante de tanta mudança. Também nas relações, onde os movimentos frenéticos eram exemplos disso mesmo. Repulsão ou desejo, posse ou simplesmente o suave toque na descoberta de quem se é ante o outro. Gritos dados pelos corpos, acompanhados por “vozes” de um fundo de pulmão, ou de sangue... ou de imagens que subtilmente mudam conforme o andamento. O ser humano é mais, muito mais que uma simples existência ao acaso. O braço que abraça, ou a perna que faz correr em busca do tudo ou do nada, a expressão de rosto que diz: “estou aqui”. É desconfortável a sensação de que se precisa ser amado, querido ou desejado. Essa necessidade que faz sentido quando se percebe que sem a relação não se pode viver.

Babylon, o nome perfeito para uma coreografia que, a meu ver, explora o lado transcendental da humanidade. Com tons bauschianos, abre a outra realidade da crise: a existência espiritual, que se foi perdendo em nome de um progresso que renega as raízes da História sagrada. Aquele corredor inicial de gente que vive em correria, atravessando os caminhos ritmados da rotina diária, apagada em fatos negros. Mas a suave cor da leveza não se apaga. Mesmo de ar triste, passa, marca a presença. E aos poucos dá-se a transformação, o negro vai caindo, dando lugar ao despojar do medo ou vergonha em viver a abertura a algo mais. Em conjunto, como numa comunidade que vive, se separa, parte e volta-se a encontrar, repetindo gestos, acções, discordando ou, simplesmente, estando. Ainda que apagado em rituais ou obrigações sem sentido, como uma burka que anula o rosto, o Infinito abre outras portas ou janelas que permitem vistas profundas. As burkas caem, tal como o negro e no final há o abraço... o silencioso abraço. 

Com Demodé defronto-me comigo. Quem sou? A pergunta que cruza todas as peças acentua-se com a chegada das modas. Sou cultura, sou meio, sou imagem, sou relação, mais ou menos distorcidas por tanta informação que me chega: revistas, televisão, sugestões intermináveis de como se deve ser se se quer pertencer a este grupo ou tempo. A busca da identidade a partir de encontros que dão voltas entre um “eu-tu”, que se funde, se desgarra, refundindo-se novamente. Sempre acompanhados pela música que intensifica a sensação de pertença a este presente. Posso-me apagar ou, então, desenhar um ritual que abre perspectivas: à liberdade, à plenitude em ser para além de uma imagem ou de uma imposição social. 

Definitivamente: em nome da crise não anulem a arte. Não nos tirem mais um pedaço da humanidade. 


sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Sentimentos [sociais]






(Versión en español en los comentarios)

Não sei se é de se ficar com tristeza, preocupação ou irritação com a realidade social que se vive. Misturam-se muitas coisas para despertar estes sentimentos. Vive-se cada vez mais à “flor-da-pele”, impedindo que a reflexão ganhe espaço mental e corporal sobre problemas sérios da nossa sociedade. A ideologia é muito perigosa. As pessoas são tratadas como objectos, como se fossem escravas [e não estaremos cada vez mais a sê-lo?] da “deusa Economia”, facilmente “lincha-se” em praça pública, os preconceitos e estereótipos são alçados com uma agressividade que, a meu ver, roça claramente a estupidez. Sim, “perdoar os inimigos” ou, numa versão similar mais laica, “faz o bem que gostarias que te fizessem a ti” é difícil. No entanto, nós, aqueles que seguimos o que morreu a dar a vida por todos, somos chamados a trabalhar interiormente para viver essa dificuldade, nada impossível. Essa também é a esperança de podermos contribuir para um mundo mais humano. Só para lembrar um pormenor, volto a publicar um vídeo que me parece que pode ajudar: “Pálido ponto azul.” 



segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Diálogos Ocultos VII






(Versión en español en los comentarios)

Podia ter sido numa tarde escura, mas não, foi a meio do dia soalheiro. Estava fresco. Vi-te a chegar. Fechei os livros e guardei a caneta de tinta verde. Preparei o espaço para te receber.
- Saudades. 
- Determinadas em ser dissipadas.
[Risos]
- Que contas?
- Libertemo-nos das palavras. Abraça-me e já está!
Começou a música. Olhámos um para o outro, soltámos uma gargalhada. Exactamente a mesma que ficou no ar, no dia do último abraço... há 15 anos atrás.

domingo, 4 de novembro de 2012

Mistério






(Versión en español en los comentarios)

O medo por vezes impede-nos, a nós cristãos, de ver o bom que o mundo tem. Não é um renunciar à luta contra a crise, a dor e ao sofrimento. É permitir que a visão e a escuta de que em tudo Deus manifesta o seu ser. Sem medo, baixamos as armas que, mais do que anunciar, atacam. Sem medo, as armas transformam-se em respeito amoroso, capaz de fazer um verdadeiro anuncio da fé e uma denuncia sentida da injustiça. A fé ajuda-me a perceber que por detrás de uma descrença pode estar uma profunda história de busca divina, onde “cada um seria mais um a defender a vida”.


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Escrita




(Versión en español en los comentarios)


Escrevi uma carta. Traduzia a nostalgia das imagens, meio desfocadas, daqueles dias que anteciparam o nascer... de novo. Cada frase, qual peça de puzzle, fazia-me recordar as conversas, os silêncios, os espantos com novas descobertas. 
(...)
Escrevo uma carta: a letra mudou... de novo. 


quinta-feira, 18 de outubro de 2012

[Oração]




(Versión en español en los comentarios)

Senhor: ajuda-me a não perder o sentido de caridade e a visão da dignidade, mesmo no diferente; a não esquecer os rostos das pessoas e que também sou pecador; a ser mais justo e respeitador; a aprofundar a minha escuta; a usar os dons no teu serviço com os outros; a ter sempre esperança e fé, para dá-las aos que, directa ou indirectamente, as peçam. Senhor, peço-te, afasta de mim o orgulho que se possa infiltrar num ser isto ou aquilo, ou em saber mais disto ou daquilo. Senhor, que eu seja cada vez mais Humano.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Desespero, raiva... também vontade de ir mais longe



Alexey Titarenko

primeira pergunta que me sai é: será que os nossos ministros, de modo especial alguns, entre os quais o Primeiro, dormem descansados todas as noites? E os anteriores? 

Sem querer entrar em “populismos”, pois a tentação é grande, não posso deixar de manifestar a tristeza ao ler as novas medidas de austeridade. Depois de um manifesto de que não é justo, altera-se num primeiro momento. Mas dias depois vem uma nova medida ainda mais grave, intensa e dura para corrigir o que foi dito que não era justo. Assim foi ontem... e, mais uma vez, quem sofre é quem não tem mais para dar.  

Volto a um tema que para mim se torna cada vez mais crucial: a responsabilidade aliada à liberdade. Quem governa, perante a deliberação dessa comunidade, assume a responsabilidade pela mesma. Acresce quando essa comunidade mais pequena está integrada noutra ainda maior: por exemplo, Portugal integrado na Comunidade Europeia. Será fácil falar no abstracto, no entanto, há situações em que se deveria falar no particular. No caso de quem é governado falamos de massas, do povo, não podendo entrar na história individual da D. Francelina ou do Sr. Justino. Já quem governa, sim: podemos falar de responsabilidade de pessoas que passaram pelo Governo, que tomaram decisões, levando a estados extremamente negativos de uma nação. Nas leis básicas da justiça, se eu tomo para mim o que é de todos, sou claramente penalizado. Contudo, pelo que vou confirmando, na situação portuguesa não me parece que seja assim.

Chegámos a um ponto de desespero: a oposição, que há meia dúzia de dias esteve no governo, acusa este último de estar a afundar o país, esquecendo o que foi feito quando lá estiveram. O governo refugia-se no passado recente, onde o anterior começou a afundar o país, e em nome disso e de um pedido de resgate suga, de uma forma a roçar o desumano, quem já mais não pode dar. A minha pergunta é: se o governo anterior foi irresponsável, porque não se move uma acção judicial contra pessoas concretas que tomaram decisões a favor de interesses próprios? Haverá por detrás alguma conivência? 

A raiva que brota e leva a tomar decisões desesperadas, em greves ou manifestações, mais ou menos pacíficas, revela que já não se sabe por onde se anda ou deixa de andar. Há uma perda de confiança generalizada. O povo composto por rostos concretos, a quem se pede compreensão e que pague, já não sabe em quem acreditar. Escuto: “Que caia o governo!”. Pergunto: “Mas quem virá de seguida? E se mudamos, que vai fazer?” Se houvesse justiça, onde se assumisse de facto a responsabilidade das acções cometidas, talvez ressurgisse o sentido de valor pela pátria e ajuda no levantar do país. Vontade em ir mais longe há (sem que seja em emigração forçada). No entanto, cresceria se houvesse a sensação de que o respeito, a dignidade e o sentido de responsabilidade por uma nação fossem valores realmente presentes em quem governa. 



terça-feira, 2 de outubro de 2012

Diálogos ocultos VI



(Versión en español en los comentarios)


- Às vezes refugio-me nas palavras ou na beleza de um rosto, como se aí encontrasse o suporte da alma, ou de histórias antigas.
- Mas, que esperavas da visão renovada?
- O solidificar de caminho feito...
- ...e assim vivias o orgulho do “já está”.
- É o mais fácil!
- Não te iludas. Já o gozaste, teve o seu tempo. Novas vistas aguardam-te. Tira “roupagens” que já não interessam. Torna-te cada vez mais simples como o voo da cotovia...
- ...confiando, simplesmente confiando.
- Vês como sabes?

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

27 de Setembro de 1540 [e de 2003]




“My Balloon” de Kiet Vo

(Versión en español en los comentarios)


472 anos! A 27 de Setembro de 1540, o Papa Paulo III assinava a bula que constituía a Companhia de Jesus como Ordem Religiosa. Ao lado de todo este tempo sinto-me como uma criança que vai descobrindo a riqueza da presença dos jesuítas no mundo, pois também neste dia celebro (apenas) 9 anos de entrada na Companhia. Em memória agradecida, recordo as pessoas, as conversas, as peregrinações, as aprendizagens, as dores, as quedas, as confirmações, a fé, os Exercícios Espirituais, o silêncio, o “ser em caminho”... que me têm aproximado a Deus. 

Um Abraço a todos os jesuítas, junto com a minha oração ao “Senhor de todas as coisas” por nós, pelas nossas missões e por todas as pessoas que nos ajudam a ser quem somos.




quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Profetas... precisamos de




(Versión en español en los comentarios)


Precisamos de profetas... com anúncios de justiça perante a irracionalidade dos acontecimentos. Profetas livres de jogos políticos. Profetas com capacidade de escutar a realidade dos tempos e, com verdade, que possam promover o sentido de comunidade, no respeito pelos que menos têm. Profetas que sejam voz daqueles e daquelas que a têm abafada pela tristeza do abandono e da solidão. Profetas que sejam capazes de amar a realidade e, sobretudo, as pessoas... dando-lhes o sentido da fé e da esperança.



quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Inacabado...






(Versión en español en los comentarios)

Ontem, enquanto escutava alguém, mais uma vez dei-me conta de que as histórias são inacabadas. Um relato puxa outro, abrindo as portas de pormenores renovados no sentido. Sentimentos de vergonha e medo dão lugar, num primeiro momento, à surpresa de quem compreende e não julga, de seguida, ao arrumar do mesmo acontecimento noutro espaço que não o sótão ou a cave do esquecimento que atormenta. Por fim, a liberdade e a confiança surgem. Liberdade em ser, sem euforias ou ansiedades, rosto. Confiança na companhia de quem vive para além do ritmo orgânico e sabe que as histórias são inacabadas.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Liberdade e Razão



"Truth" de Nicole Dextras

(Versión en español en los comentarios)

Já lá vão uns anos escrevi isto num trabalho para Filosofia, volto a resgatar: 

O ser humano inevitavelmente necessita de alguém responsável que o oriente. Daí a existência de um Estado de Direito, diante do qual existem direitos e deveres, precisamente pela convivência em comum. Uma pessoa que é responsável por outras não tem o direito de as submeter a um regime ditatorial, de modo a alcançar poder político, económico e até mesmo social, precisamente porque os outros não são meios, mas fins em si mesmo. Este é um perigo real, e infelizmente actual, em que a liberdade exterior prevalece à interior. 

A razão mal tratada e a liberdade que só atende ao aspecto individual levam a que a autonomia se torne não num valor de apoio à construção da humanidade, mas a uma heteronomia quase absoluta, em que seres humanos têm de estar submetidos, senão mesmo escravizados, a leis que atendem apenas aos interesses pessoais de quem as criou.



domingo, 9 de setembro de 2012

Diálogos Ocultos (V) - [Chegado dos Exercícios]




(Versión en español en los comentarios)


- Chego ao momento de querer ter os olhos bem abertos.
- Cansaste-te de sonhar?
- Não tem nada que ver com isso. Depois do sonho vês que se concreta a acção, o avançar em direcção ao que há a fazer.
- Ganhas outro alento, vitalidade...
- ... e o peso da história passa dos ombros para a visibilidade. Deixando de carregar a Vida, dá-se o rosto-a-rosto...
- ... mas não um “enfrentamento”...
- ... é o outro modo de querer as coisas. O corpo distende-se e as defesas em relação à vida perdem o sentido. Usas a força da palavra, também do silêncio e dos gestos como numa contradança.
- Sim, apenas possível com uma visão renovada.




quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Em silêncio habitado...




“Where gravity got lost” de Brice Portolano

(Versión en español en los comentarios)



Para fazer Exercícios Espirituais há que perder um pouco a gravidade e ser capaz da loucura em dar o salto à interioridade e encontro especial com Deus. O silêncio habitado, portanto. Começo hoje este salto. 8 dias em silêncio a rezar (também por todos/as vocês leitores/as). Rezem e/ou pensem também em nós nestes dias. Obrigado!



sábado, 25 de agosto de 2012

Despedidas






(Versión en español en los comentarios)

As despedidas têm sempre um amargo de boca e de coração. Há o sem jeito do “até já”, “até logo”, “até um dia”. As despedidas não deviam existir, mas é esse amargo que também revela o quanto se gosta, junto ao não-desejo da partida. “Partir”: sim, ir mais longe, noutros desafios que a Vida quer revelar... com a quebra inerente nesse momento do abraço ou do beijo que prometem o novo encontro.


quinta-feira, 16 de agosto de 2012

[Sem título]




"Island Dance" de  Hengki Koentjoro

(Versión en español en los comentarios)

São muitas as vezes que me sinto um privilegiado. Os (re)encontros que, ora retomam o fio dos contos que nunca nos cansamos de recordar e voltar a sorrir, ora abrem as portas de novos relatos, surpreendentes, mágicos até, cheios da vitalidade só permitida em quem sabe escutar o que está para lá do imediato, são a oportunidade para celebrar este meu sentimento. Ainda levo comigo um sonho de infância: conhecer todas as pessoas do mundo. Ingenuidade em idade adulta? Talvez não. Há impossibilidades que se tornam possíveis quando damos espaço à amizade, mesmo aquela inesperada e sem tempo. Agradeço muito a vocês todas e todos. É também nisto que a minha vocação faz sentido. 




sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Casas... outras que não de pedra!




(Versión en español en los comentarios)

Tenho para mim que o desafio é saber desenhar, para além do traço de um lápis, a casa onde se sente que, ao abrir os braços, se pode voar na troca de olhares, no gesto que reconhece a segurança de um aconchego, numa bebida preparada com aquele carinho que só pode dar quem conhece “a” casa. E essa, sem tijolos, senão de histórias, não pára de ser construída... e assim, de grande, alberga, recebe e despede agradecida no momento da partida. 


quinta-feira, 12 de julho de 2012

[instântaneos]



O silêncio do abraço, aquele forte de reencontro ou, então, de um até já demorado, inicia o desenrolar da(s) História(s). 

terça-feira, 26 de junho de 2012

[Entre jogos ou poema estúpido] *




(Versión en español en los comentarios)


Não sei.
Digo eu.
Seria interessante ver
se os vencedores se situassem na pele da derrota
e os derrotados nas enciclopédias da vitória.
O jogo decide a vida se se estiver disposto a ganhar
tristezas.
Alma lusa palpita em mim,
vencedor sou desde que nasci,
para além de resultados em quatro linhas.
O mundo é redondo.




Poema escrito a pensar (e a sentir) o facto de estar a viver em Madrid e que, ouvi dizer, amanhã há um jogo "qualquer". ;)


domingo, 24 de junho de 2012

São João Baptista




São João Baptista - Caravaggio

(Versión en español en los comentarios)

Olho pela janela, vejo o horizonte rodeado dos tons de terra outrora marcada com os nossos passos. Os mesmos que espelhavam as conversas, os silêncios, as idas de povoação em povoação. Contigo. Sempre. Presente na descoberta ou já plenamente connosco em pão multiplicado e em vinho, do melhor, servido em cada boda. Era muito novo quando conheci o teu primo. Dizem-no rude, quase bruto, talvez pela força das palavras. Sem medo de as pronunciar, dizia a verdade que só pode exprimir quem rejubila sem te ver, apenas sentindo a tua presença. Bastou a escuta da voz da tua mãe e ele agitou-se nas águas internas que o amparavam. Tornou-se o último profeta do passado e o primeiro do presente. Sem problemas de identidade, passou-te pelo Jordão e apontou-te como o Cordeiro, que anularia todos os sacrifícios que fossem para além da misericórdia e serviço. A doçura do mel silvestre completava-se com a força ganha do seu silêncio calcorreando o deserto, confirmando que foi enviado a desenhar a certeza da salvação que não tardou a chegar... em ti. As suas palavras, ao jeito de espada afiada, cortavam o que não interessava. E se não cortavam, feriam os que não buscavam o melhor para si e para os outros. Lembro-me da dor que sentiste quando soubeste da sua prisão. Também recordo o que lhe mandaste dizer, confirmando-lhe o teu ser: quem não vê, abre a visão, quem não ouvia, passa a escutar... e os cativos recebem a Liberdade. Outras correntes, não de ferro, passarão a definir a comunidade... mais ampla que a morte. E João, o baptista, não ficou esquecido. Está sempre ligado a ti. Nós o testemunhamos, e o nosso testemunho é verdadeiro.