quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O sentido de ser (II)


"Casse-Tête" de Jean-François Rauzier


“A relação, comunicação entre um Eu e outro Eu que aparece como Tu, só é possível, das as circunstâncias que requer, num momento de puro presente. Com os objectos posso relacionar-me tanto num plano passado, por exemplo, ao recordar de algo, como numa perspectiva de futuro, como quando oriento a minha acção até determinados fins. Mas com um Tu só posso estabelecer uma relação viva no presente. No momento em que queira referir-me ao Tu desde uma projecção temporal de passado ou futuro, estaria a convertê-lo num objecto do meu pensamento.”
Miguel García-Baró in Una reflexión sobre la compasión a partir de la filosofía de Martin Buber

domingo, 27 de novembro de 2011

Em início de Advento






Eu estou a fazer algo novo, já está a germinar: não estão a notar?
Isaías 43, 19
Tenho andado às voltas com as questões da humanidade e da desumanidade. A ténue linha que separa o que posso contribuir para dar relevo a que alguém viva o sentido do humano em si, independentemente da sua (des)crença pessoal ou comunitária.  
O Advento mostra-me a existência do desejo em ir mais fundo na ponte a construir entre várias margens. O desafio de entrar no mundo, no concreto da realidade, sem fazer um prévio julgamento e deixar-me entranhar pelo pulsar do que se passa no quotidiano. Tomar o que me acontece como graça, dando espaço a esse germinar, já em evolução. É o desafio. Sim, é o desafio do acreditar. Não me conformar com imagens feitas e fazer caminho, nesta espera em cada segundo de um (re)nascer de Deus. 
Quero que germine e nasça, na fragilidade desse momento silencioso, numa gruta, envolvido em panos: aí está o Humano e o Divino! 

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O sentido de ser



image #22  de Michael Wolf da colecção "Tokyo compression"


Às vezes penso:
a linha entre a humanidade e a desumanidade é muito ténue.



quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A propósito do vídeo "Ignorância dos Universitários"...




Não sei se é pela pressa, se pela quantidade de informação recebida todos os dias, no entanto, a emoção tem um poder imenso, levando, grande parte das vezes, a não reflectir sobre o visto, o escutado, o partilhado. 
Está a circular um vídeo de uma reportagem, feita para um artigo de uma revista semanal, sobre os conhecimentos de cultura geral dos universitários. A ideia surge depois de meio país ter ficado chocado e acabar por gozar com a famosa “Àfrica” como resposta à pergunta sobre um país da América Latina. Rapidamente surgem as análises sociológicas de “bancada”: aqui está o estado do país. Exactamente as mesmas análises sobre este novo vídeo com os universitários. 
Quando vejo o vídeo pela primeira vez, a minha sensibilidade manifesta-se e arrepio-me. As repostas são assustadoras e as desculpas ainda mais, é inegável. E a seguir ao susto, vem a preocupação. Também sou sensível... e racional!
Por isso, gostava de fazer algumas considerações:
O universo das entrevistas, segundo os dados da revista, foi de 100 estudantes. Não os vi a todos no vídeo. Ah! Claro! Era apenas uma pequena apresentação, como que resumo do que foi perguntado. Mas, responderam todos mal a todas as perguntas? Pode-se perceber que um(a) ou outro(a) estava completamente a viver um estado de forte ignorância. Mas, foram todos assim? É verdade que muitas das perguntas são de nível muito básico para o suposto tempo universitário, o que choca ainda mais. Contudo, pergunto, onde estão os que responderam bem? 
Percebe-se pela introdução apresentada no vídeo que os jornalistas responsáveis pela peça querem mostrar que a ignorância não está só naquela rapariga. No entanto, não me parece correcto que se faça algo de forma a tornar o mundo universitário num estado lastimável, de completa ignorância. Isto não invalida que não nos tenhamos de preocupar seriamente, agindo para que não se chegue a situações ainda piores. 
Outra consideração que gostaria de fazer... Alguém se preocupa com a humilhação que estas pessoas estão a passar? A rapariga da televisão está no programa de livre vontade, sujeitando-se à exposição. Estas pessoas dão uma entrevista e são expostas de uma forma que não acho de todo, mais que correcta, ética. O que mais me custa ver e ler são os comentários feitos no próprio link da revista ou os que proliferam no facebook, por exemplo. Sim, o estado da educação no nosso país está muito mal, mas em nada se contribui quando se difama desta forma. Alguns atributos menos simpáticos dirigidos às próprias pessoas da peça poderão também revelar que a falta de educação não está só nos entrevistados...
Em conclusão:
Ler ou ver uma peça jornalística exige cada vez mais bastante atenção e, sobretudo, acento crítico. Quando isso acontece pode haver o cuidado em perceber os moldes pensados, os objectivos e se contribui, de facto, para a ajuda que se pretende dar ao país. 

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Cidades... o pensar de!





Bridge de Jason Langer


Sempre gostei de grandes cidades. Nunca pensei bem o porquê. Talvez o movimento, a possibilidade de diluição no meio da multidão quando passeio pelo centro. O ritmo frenético dos tempos que marcam as entradas e as saídas. Também as variações dos bairros, com espaços muito distintos. Muitos momentos culturais, juntando aos desafios propostos pelos pensamentos que transbordam diante de tanta diversidade. No meio disto tudo, rezo.
Há espaços sagrados. Como que reservados para um encontro mais íntimo, onde os cantos contam histórias, recordam momentos, guardam acontecimentos. Ao ar livre ou fechados e decorados com o gosto que os tornam especiais. Os sons envolventes também evocam essa sacralidade. Talvez seja fácil imaginar o ermitério de um mosteiro ou uma igreja onde reina o som do silêncio. No entanto, tenho descoberto esses espaços nas ruas, nas “plazas”, na estrada que me leva até à faculdade e muitas vezes nas viagens de metro. No meio disto tudo, rezo.
Mas... rezo o quê? Rezo a quem? Rodeado de palavras, como pinceladas do que vivo como beleza também, este rezar pode ficar como uma acção bonita, que compõe o ramo comprado na florista da Plaza de Cuzco, quando se desce a Castellana. Assim, as grandes cidades também se tornam um dos meus espaços sagrados, onde contemplo o olhar das pessoas, imaginando os seus pensamentos. E aí só posso rezar a Deus presente no incógnito desse movimento. Deus reflectido no rosto de tanta gente que entra e sai pelas portas dos grandes edifícios, que deambula pela rua com fome, que puxa pelo cordel do seu tecido cheio de coisas contrabandeadas e de seguida foge da polícia municipal, que joga no pátio da escola, que, como só posso imaginar, chega a casa depois de mais um dia passado e aí encontra o conforto do lar, os sorrisos familiares, ou o vazio das sua falta de sonhos.
Sim, tenho saído do meu espaço fechado de casa e entrado um pouco mais no mundo, que não é mau, não é relativista, não é sem sentido... é o espaço da(s) História(s) onde Deus quer habitar ainda mais. A Encarnação é isto: o Verbo fez-se carne e habitou entre nós.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Outro lado do espelho





Uma das coisas que mais gostaria de poder partilhar: a força do silêncio. 
Não é o silêncio do sem som, do não ouvir. É o silêncio que permite saborear o espaço e o tempo, as ruas e o movimento interior do sentido. O silêncio que abraça os contornos dos desafios, aqueles que precisam ser maturados antes de dar o passo do “tudo ou nada”. O silêncio que, no meio de uma hora de ponta no centro da cidade, faz perceber o quão ridículo tudo é diante do imenso das cores de Outono. Sim, o silêncio que me permite ver beleza na fragilidade. Aquele mesmo que me fez sentar no chão da Plaza de Callao a contemplar sonhos projectados em três bolas gigantes, também a encostar-me numa árvore em plena Calle Fuencarral enquanto delicio-me com um quarteto de cordas e observo os rostos de quem parava ou passava. 
A força do silêncio... sussurrante: que nada te tire o rasgo de Ser. 



domingo, 13 de novembro de 2011

O risco da profundidade


Snow Lovers de Ernst Haas

A minha professora de Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia) dizia-nos com bastante frequência para não nos ficarmos pela  leitura superficial dos textos. Há que tentar buscar a profundidade do que está escrito. Alguns relatos podem parecer ingénuos, outros simplesmente poéticos, alguns agressivos (sobretudo no Antigo Testamento), alguns espirituais ou, então, legalistas, no entanto, lidos na profundidade que lhes é pedida, podem revelar muito mais do que essas categorias em que poderão ser rapidamente catalogados. 
Vendo a vida também como narração, como história que se vai escrevendo à medida dos acontecimentos diários, podemos recorrer a esta imagem: vê-la como simples passar do tempo, onde as marcas são registos que "já lá vão" e o eu acaba por viver o simples ser do momento. Poderia dizer, o viver do famoso carpe diem, tantas vezes aludido. É certo que o aqui e o agora são o momento e o espaço do encontro entre o “quem sou” e a relação que se pode estabelecer com os outros, contudo, se são um aqui e agora que não vivem o fundamento da história, do ser, podem correr o perigo do superficial efémero. Quando isto acontece, rapidamente pode levar ao categorizar a situação, o acontecimento e até mesmo alguém de forma, diria, injusta. 
Este fim-de-semana estive no primeiro encontro de um tempo especial, o chamado Tempo Arrupe, dedicado à preparação para o sacerdócio. Numa das conversas, Toño García, o orientador destes encontros, na sua impressionante sabedoria de vida, da Companhia de Jesus e da Igreja, comentava que na comunicação pode haver, pelo menos, três tipos de escuta: a blindada, a ideológica e a disponível para a mudança. A blindada é aquela que “falares ou não falares, dá-me no mesmo”. A ideológica, quase próxima à blindada, é a que mais se aproxima, por exemplo, da classe política, ou seja, mesmo que o outro esteja a dizer algo acertado, o ouvido filtra apenas o que é contra a sua ideologia, levando a uma constante não aceitação do trabalho ou projecto que se pode vir a fazer em comum. Claro está que a “disponível para a mudança” é a escuta que vive o passo do diálogo: o que se está a dizer pode provocar mudanças em quem escuta. E para que isto aconteça há a exigência de não se ficar por uma escuta superficial, mas ir ao fundo do que está a ser dito, sem um julgamento imediato... ou seja, sem a mediação da reflexão sobre as palavras proferidas.
Assim, a profundidade mais do que um risco é um arriscar. No caso bíblico, em ir mais além do texto permitindo um conhecimento não só do sentido histórico do que foi escrito, como também das implicações que pode provocar em quem o lê, independentemente da crença que se possa ter. Tendo implicações em quem lê, inevitavelmente entra pela vida, provocando um novo olhar sobre a realidade, seja ela pessoal ou comunitária. Se há um novo olhar, então o meio envolvente não se fica pelo simples ruído ou sons lançados ao vazio, liberta palavras que guardam algo mais do que letras, levando à descoberta de histórias encarnadas em pessoas que também sonham, à sua medida, com um mundo melhor.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Arte e Deus e Arte



Em (re)leitura do Discurso de Bento XVI aos Artistas no encontro na Capela Sistina, em 2009, fiquei com esta citação de Simone Weil:
"Em tudo o que suscita em nós o sentimento puro e autêntico da beleza, há realmente a presença de Deus. Há quase uma espécie de encarnação de Deus no mundo, da qual a beleza é o sinal. A beleza é a prova experimental de que a encarnação é possível. Por isso qualquer arte de categoria é, por sua essência, religiosa".

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Tudo num só pensamento...


Alex Maclean
Picnickers Watching Live Concert


Aula de Eclesiologia, das 10 às 11:

Igreja. Corpo. Vida. Encontro. Pai. Filho. Espírito. Povo. Imagens. Pessoas. Rostos. Conversas. Dúvidas. Questões. Concílio. Respostas. Sociedade. (Des)ligada. Sonhos. Futuro. Abraço. Sentimentos. Muitos. (Des)crença. Pão. Flores. Verde. Caminho. Cadeiras. História(s). Azul. Nuvens. Vontade. Respirar. Autocarro. Avião. Viagem. Rasgar. Abrir. Horizontes. Grito. Renovar. Frescura. Almoço. Coreografia. Movimentos. Perna. Sentido. Luz. Confusão. Silêncio. Ir. Leitura. Força. Pertença. Participo. Sou... 

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Entre afecto(s)...




Foto: Ed Van Der Elsken


Em notas soltas, sem uma reflexão profunda, tenho pensado o quanto muda a perspectiva quando se escuta algo sobre o que nos afecta(ou) na pele. É isso, o afecto como ligação a alguém ou algo modifica o sentir e o pensar. Não significa uma condescendência, como permissão, como passando a ser bom ou mau num momento imediato. Significa um dado de experiência que mostra um outro lado da realidade, permitindo um respeito pela história de vida, antes da formulação de qualquer juízo (válido ou não). 
Atrevo-me a dizer que é um dos mistérios da sabedoria... a marca dos acontecimentos. 

domingo, 6 de novembro de 2011

Do concreto...


Foto: Robert Yager

A subtileza das coisas acontece, por vezes, quando menos espero. A admiração de uma palavra, um som que surge na procura de uma música, a leitura de um texto que me faz sorrir, pensar, digerir, ou, simplesmente, sonhar. A vida é feita do concreto da realidade, dos sentidos que me despertam para um novo saborear dos acontecimentos. E, muitas vezes, traz mudanças.
Num pequeno workshop que orientei ontem com o tema ao Encontro do Corpo, uma das propostas foi limitar zonas do corpo e, ao som de uma música, apenas mover algumas das outras partes. Por exemplo, apenas se podia mover os membros superiores, de seguida os inferiores, ou apenas a(s) mão(s), o rosto... e foi bonito reconhecer que na limitação há imensas possibilidades.


sábado, 5 de novembro de 2011

A subtileza do encontro...

Concílio Vaticano II


Estou a (re)ler o Concílio Vaticano II (CVII).

Já lá vão tempos, bastantes anos até, que vivia uma profunda crítica e revolta com a Igreja, pedindo um CVIII. Não tinha o mínimo de noção do que estava a dizer, pois ainda não tinha lido uma página do CVII. Agora, ao saber um pouco da intuição de João XXIII ao convocá-lo, as reflexões dos teólogos que nele participaram, os textos que saíram, fico impressionado com a grandeza destes textos.

São um grande desafio para nós, membros da Igreja Católica, sobretudo à escuta da sociedade, a olhar o mundo, não como uma realidade má por essência, mas um caminho onde também podemos aprender. No fundo, a viver uma adaptação à mudança que se está a viver. A adaptação não significa perder a identidade, mas sim, aprofundá-la com outras perspectivas.

Deixo um pequeno exemplo:

Gaudium et Spes (Alegrias e Esperanças), n.º 59. 
Pelas razões aduzidas, a Igreja lembra a todos que a cultura deve orientar-se para a perfeição integral da pessoa humana, para o bem da comunidade e de toda a sociedade. Por isso, é necessário cultivar o espírito de modo a desenvolver-lhe a capacidade de admirar, de intuir, de contemplar, de formar um juízo pessoal e de cultivar o sentido religioso, moral e social.

Pois a cultura, uma vez que deriva imediatamente da natureza racional e social do ser humano, tem uma constante necessidade de justa liberdade e de legítima autonomia, de agir segundo os seus próprios princípios para se desenvolver. Com razão, pois, exige ser respeitada e goza duma certa inviolabilidade, salvaguardados, evidentemente, os direitos da pessoa e da comunidade, particular ou universal, dentro dos limites do bem comum.

O sagrado Concílio, recordando o que ensinou o primeiro Concílio do Vaticano, declara que existem «duas ordens de conhecimento» distintas, a da fé e a da razão, e que a Igreja de modo algum proíbe que «as artes e disciplinas humanas usem de princípios e métodos próprios nos seus campos respectivos»; «reconhecendo esta justa liberdade», afirma por isso a legítima autonomia da cultura humana e sobretudo das ciências.

Tudo isto requer também que, salvaguardados a ordem moral e o bem comum, o ser humano possa investigar livremente a verdade, expor e divulgar a sua opinião e dedicar-se a qualquer arte; isto postula, finalmente, que seja informado com verdade dos acontecimentos públicos.

À autoridade pública pertence não determinar o carácter próprio das formas de cultura, mas favorecer as condições e as ajudas necessárias para o desenvolvimento cultural de todos, mesmo das minorias de alguma nação. Deve, por isso, insistir-se, antes de mais, para que a cultura, desviando-se do seu fim, não seja obrigada a servir as forças políticas ou económicas.


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Liberdade e Responsabilidade: Carta ao Deputado Adolfo Mesquita Nunes.




“Liberty means responsibility. That is why most men dread it.” 
George Bernard Shaw

Exmo. Sr. Deputado Adolfo Mesquita Nunes, 

Começo por agradecer as suas intervenções na Assembleia da República. A última que ouvi, enviada por mail, foi a de 20 de Outubro, no encerramento das comemorações do centenário da República. Sendo da sua geração, identifico-me, de algum modo, com muitas das suas palavras naqueles breves sete minutos. Daí que tomo a liberdade de partilhar consigo algumas reflexões soltas. 

A palavra que mais me soou foi a de liberdade. Curioso, eu próprio muitas vezes me questiono sobre a liberdade. O que é? Quem a tem? O que é, de facto, ser livre? Poderão ser questões filosóficas, entrando num campo de abstracção sem sentido, no entanto, as respostas que alcançamos poderão contribuir para o entendimento da vida em sociedade, demarcada pela democracia, governada por um grupo de cidadãos que elegemos (ou não) como nossos representantes. 

Foi em liberdade que surgiu a crise que hoje vivemos. Sem dúvida que é uma questão de realidade internacional. Rapidamente podemos comparar com os outros países, como tantas vezes acontece nos vários discursos políticos. Contudo a comparação pode ser perigosa, já que normalmente fazêmo-lo com o que dá jeito, aliviando assim o peso da responsabilidade diante das acções, atrevo-me a dizer nacionais, que levaram à situação de crise no nosso país. Foram muitos os erros de gestão, de medidas de educação, de tal maneira que me levam a pensar na falta de responsabilidade pelas pessoas de quem foram representantes. 

Parece-me que essas mesmas pessoas, da nossa geração e de outras, estão cansadas de discursos, de medidas, sobretudo quando a informação que circula leva uma incompreensão generalizada por parte de quem está mais afastado dos conhecimentos técnicos e teóricos da realidade económica e política. A liberdade de expressão faz com que se deseje dar uma informação “justa, correcta e verdadeira”. Até que ponto isso acontece? Somos bombardeados de: medidas atrás de medidas, que ora eram impensáveis, ora são imprescindíveis; de incoerências nas actividades de muitos políticos, que graças à vida política vêem crescer as suas finanças pessoais; de notícias que desanimam a larga escala, onde a justiça não se faz sentir. É certo que o cidadão comum não sabe nem metade da história, além do mais quando se muda de governo há coisas que se sabem que eram desconhecidas (sendo também uma oportunidade de desculpa nas acções seguintes). Poderemos dizer que hoje há muitos filmes sobre “governação”, “política nacional e internacional”, levando a especulações, mais ou menos verdadeiras, sobre o que se passa. E assim surge a questão: a crise é real, mas para quem? A meu ver, os grandes problemas que enfrentamos, para além da crise económico-financeira, são o da desconfiança e da falta de valores, sendo um deles o da responsabilidade. 

De facto, a liberdade está ligada à responsabilidade. É inevitável. Não gosto da definição “a minha liberdade acaba quando começa a do outro”, pois fica reduzida ao campo restrito de um indivíduo, como que dois compartimentos bem delineados que não comunicam. A liberdade, ao viver directamente relacionada com a responsabilidade, implica inevitavelmente um sentido profundo de relação. Não chego à visão de Lévinas, afirmando que a responsabilidade pelo outro é tal, que se é responsável pelo próprio carrasco. Contudo, acaba por ser algo a considerar quando se vive em sociedade: o outro! 

Por não ser político, no sentido profissional do termo, pergunto-me muitas vezes se vocês, que o são, acabam por sonhar, de facto, pela sociedade, por esse sentido responsável pelas pessoas. Não tanto como “pessoa-estatística”, ou seja, mais um para compor orçamentos, ou dados para argumentar, seja lá o que for, ou então que se dá mais um calendário, pin ou chapéu, tendo assim mais um voto. Digo isto por ter oportunidade de contactar com realidades tão distintas da sociedade, muitas delas num sofrimento bastante grande, provocado por decisões políticas que acabam por não ter em conta o sentido de responsabilidade e liberdade do ser humano. 

A sociedade em que vivemos é bastante complexa, nada de novo na História da humanidade. Seria muito bom que se considerasse, dentro desta complexidade, a verdadeira beleza da liberdade através do sentido de responsabilidade que com ela segue. Por isso, também repito as suas palavras com que termina o discurso: “(...) viva acima de tudo o valor sem o qual nem Portugal, nem a República teriam qualquer sentido: o valor da liberdade”. Assim, espero que nestes tempos todos vocês, políticos de profissão, começando pelo altos representantes (Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e Primeiro-ministro), sejam os primeiros a dar o exemplo nos cortes de forma voluntária, quem sabe, do próprio ordenado, ou até mesmo de algumas regalias, junto com uma escuta atenta: primeiro uns dos outros, sem os comentários constantes durante as intervenções, e depois da sociedade real que não são números, mas vidas com histórias e por vezes bastante dramáticas, que tentam viver, precisamente, em liberdade. 

Talvez estas sugestões sejam as do costume, ou já banalizadas, ou as de quem não percebe nada de política e volta ao mesmo. No entanto, a minha experiência vai-me dizendo que as palavras vazias de gestos por parte do próprio que as pronuncia ficam-se pelo simples “ser palavras” e as deste tipo “leva-as o vento”. Quando alguém com grande responsabilidade não tem medo de abdicar verdadeiramente de algo de si por todos, tendo-o ou não elegido, aí, sim, pode demonstrar que a liberdade não é um conceito vazio. É o grande valor que permite com que todos nós mesmo na dificuldade nos sintamos acompanhados, sendo capazes de viver o momento de crise não como escravidão, mas como oportunidade de voltar a descobrir a beleza de ser, de facto, livre.

Com a minha gratidão por si e pelo seu trabalho de representação, deixo-lhe os meus melhores cumprimentos, 
Paulo Duarte