“Liberty means responsibility. That is why most men dread it.”
George Bernard Shaw
Exmo. Sr. Deputado Adolfo Mesquita Nunes,
Começo por agradecer as suas intervenções na Assembleia da República. A última que ouvi, enviada por mail, foi a de 20 de Outubro, no encerramento das comemorações do centenário da República. Sendo da sua geração, identifico-me, de algum modo, com muitas
das suas palavras naqueles breves sete minutos. Daí que tomo a liberdade de partilhar
consigo algumas reflexões soltas.
A palavra que mais me soou foi a de liberdade. Curioso, eu próprio muitas vezes me
questiono sobre a liberdade. O que é? Quem a tem? O que é, de facto, ser livre? Poderão ser
questões filosóficas, entrando num campo de abstracção sem sentido, no entanto, as
respostas que alcançamos poderão contribuir para o entendimento da vida em sociedade,
demarcada pela democracia, governada por um grupo de cidadãos que elegemos (ou não)
como nossos representantes.
Foi em liberdade que surgiu a crise que hoje vivemos. Sem dúvida que é uma
questão de realidade internacional. Rapidamente podemos comparar com os outros países,
como tantas vezes acontece nos vários discursos políticos. Contudo a comparação pode ser
perigosa, já que normalmente fazêmo-lo com o que dá jeito, aliviando assim o peso da
responsabilidade diante das acções, atrevo-me a dizer nacionais, que levaram à situação de
crise no nosso país. Foram muitos os erros de gestão, de medidas de educação, de tal
maneira que me levam a pensar na falta de responsabilidade pelas pessoas de quem foram
representantes.
Parece-me que essas mesmas pessoas, da nossa geração e de outras, estão cansadas
de discursos, de medidas, sobretudo quando a informação que circula leva uma
incompreensão generalizada por parte de quem está mais afastado dos conhecimentos
técnicos e teóricos da realidade económica e política. A liberdade de expressão faz com que
se deseje dar uma informação “justa, correcta e verdadeira”. Até que ponto isso acontece?
Somos bombardeados de: medidas atrás de medidas, que ora eram impensáveis, ora são
imprescindíveis; de incoerências nas actividades de muitos políticos, que graças à vida política vêem crescer as suas finanças pessoais; de notícias que desanimam a larga escala,
onde a justiça não se faz sentir. É certo que o cidadão comum não sabe nem metade da
história, além do mais quando se muda de governo há coisas que se sabem que eram
desconhecidas (sendo também uma oportunidade de desculpa nas acções seguintes).
Poderemos dizer que hoje há muitos filmes sobre “governação”, “política nacional e
internacional”, levando a especulações, mais ou menos verdadeiras, sobre o que se passa. E
assim surge a questão: a crise é real, mas para quem? A meu ver, os grandes problemas que
enfrentamos, para além da crise económico-financeira, são o da desconfiança e da falta de
valores, sendo um deles o da responsabilidade.
De facto, a liberdade está ligada à responsabilidade. É inevitável. Não gosto da
definição “a minha liberdade acaba quando começa a do outro”, pois fica reduzida ao
campo restrito de um indivíduo, como que dois compartimentos bem delineados que não
comunicam. A liberdade, ao viver directamente relacionada com a responsabilidade,
implica inevitavelmente um sentido profundo de relação. Não chego à visão de Lévinas,
afirmando que a responsabilidade pelo outro é tal, que se é responsável pelo próprio
carrasco. Contudo, acaba por ser algo a considerar quando se vive em sociedade: o outro!
Por não ser político, no sentido profissional do termo, pergunto-me muitas vezes se
vocês, que o são, acabam por sonhar, de facto, pela sociedade, por esse sentido responsável
pelas pessoas. Não tanto como “pessoa-estatística”, ou seja, mais um para compor
orçamentos, ou dados para argumentar, seja lá o que for, ou então que se dá mais um
calendário, pin ou chapéu, tendo assim mais um voto. Digo isto por ter oportunidade de
contactar com realidades tão distintas da sociedade, muitas delas num sofrimento bastante
grande, provocado por decisões políticas que acabam por não ter em conta o sentido de
responsabilidade e liberdade do ser humano.
A sociedade em que vivemos é bastante complexa, nada de novo na História da
humanidade. Seria muito bom que se considerasse, dentro desta complexidade, a
verdadeira beleza da liberdade através do sentido de responsabilidade que com ela segue.
Por isso, também repito as suas palavras com que termina o discurso: “(...) viva acima de
tudo o valor sem o qual nem Portugal, nem a República teriam qualquer sentido: o valor da
liberdade”. Assim, espero que nestes tempos todos vocês, políticos de profissão,
começando pelo altos representantes (Presidente da República, Presidente da Assembleia
da República e Primeiro-ministro), sejam os primeiros a dar o exemplo nos cortes de
forma voluntária, quem sabe, do próprio ordenado, ou até mesmo de algumas regalias,
junto com uma escuta atenta: primeiro uns dos outros, sem os comentários constantes
durante as intervenções, e depois da sociedade real que não são números, mas vidas com
histórias e por vezes bastante dramáticas, que tentam viver, precisamente, em liberdade.
Talvez estas sugestões sejam as do costume, ou já banalizadas, ou as de quem não
percebe nada de política e volta ao mesmo. No entanto, a minha experiência vai-me
dizendo que as palavras vazias de gestos por parte do próprio que as pronuncia ficam-se
pelo simples “ser palavras” e as deste tipo “leva-as o vento”. Quando alguém com grande
responsabilidade não tem medo de abdicar verdadeiramente de algo de si por todos,
tendo-o ou não elegido, aí, sim, pode demonstrar que a liberdade não é um conceito vazio.
É o grande valor que permite com que todos nós mesmo na dificuldade nos sintamos
acompanhados, sendo capazes de viver o momento de crise não como escravidão, mas
como oportunidade de voltar a descobrir a beleza de ser, de facto, livre.
Com a minha gratidão por si e pelo seu trabalho de representação, deixo-lhe os meus
melhores cumprimentos,
Paulo Duarte
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