quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Liberdade e Responsabilidade: Carta ao Deputado Adolfo Mesquita Nunes.




“Liberty means responsibility. That is why most men dread it.” 
George Bernard Shaw

Exmo. Sr. Deputado Adolfo Mesquita Nunes, 

Começo por agradecer as suas intervenções na Assembleia da República. A última que ouvi, enviada por mail, foi a de 20 de Outubro, no encerramento das comemorações do centenário da República. Sendo da sua geração, identifico-me, de algum modo, com muitas das suas palavras naqueles breves sete minutos. Daí que tomo a liberdade de partilhar consigo algumas reflexões soltas. 

A palavra que mais me soou foi a de liberdade. Curioso, eu próprio muitas vezes me questiono sobre a liberdade. O que é? Quem a tem? O que é, de facto, ser livre? Poderão ser questões filosóficas, entrando num campo de abstracção sem sentido, no entanto, as respostas que alcançamos poderão contribuir para o entendimento da vida em sociedade, demarcada pela democracia, governada por um grupo de cidadãos que elegemos (ou não) como nossos representantes. 

Foi em liberdade que surgiu a crise que hoje vivemos. Sem dúvida que é uma questão de realidade internacional. Rapidamente podemos comparar com os outros países, como tantas vezes acontece nos vários discursos políticos. Contudo a comparação pode ser perigosa, já que normalmente fazêmo-lo com o que dá jeito, aliviando assim o peso da responsabilidade diante das acções, atrevo-me a dizer nacionais, que levaram à situação de crise no nosso país. Foram muitos os erros de gestão, de medidas de educação, de tal maneira que me levam a pensar na falta de responsabilidade pelas pessoas de quem foram representantes. 

Parece-me que essas mesmas pessoas, da nossa geração e de outras, estão cansadas de discursos, de medidas, sobretudo quando a informação que circula leva uma incompreensão generalizada por parte de quem está mais afastado dos conhecimentos técnicos e teóricos da realidade económica e política. A liberdade de expressão faz com que se deseje dar uma informação “justa, correcta e verdadeira”. Até que ponto isso acontece? Somos bombardeados de: medidas atrás de medidas, que ora eram impensáveis, ora são imprescindíveis; de incoerências nas actividades de muitos políticos, que graças à vida política vêem crescer as suas finanças pessoais; de notícias que desanimam a larga escala, onde a justiça não se faz sentir. É certo que o cidadão comum não sabe nem metade da história, além do mais quando se muda de governo há coisas que se sabem que eram desconhecidas (sendo também uma oportunidade de desculpa nas acções seguintes). Poderemos dizer que hoje há muitos filmes sobre “governação”, “política nacional e internacional”, levando a especulações, mais ou menos verdadeiras, sobre o que se passa. E assim surge a questão: a crise é real, mas para quem? A meu ver, os grandes problemas que enfrentamos, para além da crise económico-financeira, são o da desconfiança e da falta de valores, sendo um deles o da responsabilidade. 

De facto, a liberdade está ligada à responsabilidade. É inevitável. Não gosto da definição “a minha liberdade acaba quando começa a do outro”, pois fica reduzida ao campo restrito de um indivíduo, como que dois compartimentos bem delineados que não comunicam. A liberdade, ao viver directamente relacionada com a responsabilidade, implica inevitavelmente um sentido profundo de relação. Não chego à visão de Lévinas, afirmando que a responsabilidade pelo outro é tal, que se é responsável pelo próprio carrasco. Contudo, acaba por ser algo a considerar quando se vive em sociedade: o outro! 

Por não ser político, no sentido profissional do termo, pergunto-me muitas vezes se vocês, que o são, acabam por sonhar, de facto, pela sociedade, por esse sentido responsável pelas pessoas. Não tanto como “pessoa-estatística”, ou seja, mais um para compor orçamentos, ou dados para argumentar, seja lá o que for, ou então que se dá mais um calendário, pin ou chapéu, tendo assim mais um voto. Digo isto por ter oportunidade de contactar com realidades tão distintas da sociedade, muitas delas num sofrimento bastante grande, provocado por decisões políticas que acabam por não ter em conta o sentido de responsabilidade e liberdade do ser humano. 

A sociedade em que vivemos é bastante complexa, nada de novo na História da humanidade. Seria muito bom que se considerasse, dentro desta complexidade, a verdadeira beleza da liberdade através do sentido de responsabilidade que com ela segue. Por isso, também repito as suas palavras com que termina o discurso: “(...) viva acima de tudo o valor sem o qual nem Portugal, nem a República teriam qualquer sentido: o valor da liberdade”. Assim, espero que nestes tempos todos vocês, políticos de profissão, começando pelo altos representantes (Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e Primeiro-ministro), sejam os primeiros a dar o exemplo nos cortes de forma voluntária, quem sabe, do próprio ordenado, ou até mesmo de algumas regalias, junto com uma escuta atenta: primeiro uns dos outros, sem os comentários constantes durante as intervenções, e depois da sociedade real que não são números, mas vidas com histórias e por vezes bastante dramáticas, que tentam viver, precisamente, em liberdade. 

Talvez estas sugestões sejam as do costume, ou já banalizadas, ou as de quem não percebe nada de política e volta ao mesmo. No entanto, a minha experiência vai-me dizendo que as palavras vazias de gestos por parte do próprio que as pronuncia ficam-se pelo simples “ser palavras” e as deste tipo “leva-as o vento”. Quando alguém com grande responsabilidade não tem medo de abdicar verdadeiramente de algo de si por todos, tendo-o ou não elegido, aí, sim, pode demonstrar que a liberdade não é um conceito vazio. É o grande valor que permite com que todos nós mesmo na dificuldade nos sintamos acompanhados, sendo capazes de viver o momento de crise não como escravidão, mas como oportunidade de voltar a descobrir a beleza de ser, de facto, livre.

Com a minha gratidão por si e pelo seu trabalho de representação, deixo-lhe os meus melhores cumprimentos, 
Paulo Duarte

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