“Há que repetir uma e outra vez: a fé não é uma questão de problemas, mas de mistério, por isso nunca devemos abandonar o caminho da busca e da interrogação.”
Tomáš Halík, em “Paciência com Deus”.
Queridas Amigas, queridos Amigos,
“Conhecer” em francês: “Connaître”. Acho piada ao facto de, traduzindo à letra, que o conhecimento seja entendido na palavra como um “co-nascimento”, um “nascer-com”. Vai daí que isto de ser humanos, ou pelo menos irmos tentando sê-lo, implica um renascer aliado à sabedoria de vida. Somos estimulados à busca, à interrogação que não nos deixe ficar estagnados no já adquirido. A nova experiência de vida ou novo conhecimento permitem um renascer da nossa visão em relação ao mundo, a nós próprios e também em relação a Deus.
Claro está que essa visão poderá ser mais positiva ou mais negativa conforme o modo como lidamos com a experiência. Pode-se ficar agarrado à dor, ao contentamento, à doença ou à alegria, sem fazer o caminho que leva à profundidade e ao passo maior de encontro consigo mesmo e com Deus. Tenho para mim que este tempo de Natal é um dos ideais para se viver isso, por ser de reencontro, em que se pode dar a oportunidade de re-nascer. É por isso que o que mais caracteriza este tempo é a esperança. A esperança de que “algo novo já está a acontecer” (Is 43,19).
Sei que há momentos em que é difícil perceber esse acontecimento, a vida não se reduz a um conto-de-fadas, com “happy ends” a todo momento. No entanto, o caminho da fé neste Menino que nasceu, cresceu, morreu e ressuscitou é precisamente levar-nos a viver com Ele o grande “happy end”, que não é o fim, mas o grande Encontro. “Ok, Paulo, mas volta lá aos ‘momentos em que é difícil perceber a tal esperança’”. Sim, não se pode ficar na espiritualidade desencarnada, ou mesmo numa “fezada” afastada de dores. Mas, que caminho quero fazer? Do desespero ou da esperança? Sozinho ou acompanhado? Às vezes é preciso vomitar as dores das entranhas, que impedem ver o futuro. Abrir o coração para que as feridas possam ser saradas e fazer-me ao caminho da busca. Nós não somos “coisa pouca”, somos criados e amados por Deus… e livres para ir ao fundo da humanidade. Muitos entenderemos esse ser amados de forma distinta, mas seja com maior, menor ou nenhuma crença em Deus, somos atravessados por fé, por esperança e por caridade e aí somos convidados em cada dia da vida a libertar o que oprime para dar mais um passo em direcção ao mistério da Vida.
Todos temos fé (ou em Deus, ou em Jesus, ou em Buda, ou na Vida, ou no Transcendente, ou na Carreira Profissional, ou em duas ou três pessoas especiais, ou na Energia Cósmica, ou... cada qual acrescente conforme for o seu caso), também poderemos estar a passar por alguma crise (a qual há que respeitar ao máximo), ou por uma alegria imensa, ou ainda uma dor (seja qual for, que torna o Natal mais triste). Ou ainda, a passar por uma fase que leva a que o Natal seja mais um dia no calendário. Também há a possibilidade de estar vivê-lo com grande intensidade, com o brilho no olhar, no coração, com um sentimento de esperança fortíssimo.
Seja qual for a situação, temos de SER. Como que olhar o espelho e agradecer por se ser como se é. Nisto, quem for de se pintar, que se pinte na noite de Natal, ponha o seu perfume preferido, não tenha vergonha ou receio de chorar, ou de rir à gargalhada, de comer o doce que há muito não come, de abraçar a pessoa que mais gosta (e na sua ausência, pensar nela e abraçá-la nesse mesmo pensamento), de rezar, de agradecer, muito, muito, muito... de prometer que vai viver intensamente o novo ano, mesmo com os receios, as dúvidas, a crise, de deixar que a luz da Esperança (seja ela holofote de estádio, seja de pequena vela ao longe) esteja acesa. E assim, não tornar a vida como simples vida... mas como desejo de caminho, de força para uma mudança, ou de contribuição para o que permita o “nascer de novo”.
Queridas Amigas, Queridos Amigos,
Vejo o tempo de Natal como oportunidade de agradecer cada passo e gesto, de sarar feridas, pessoais ou relacionais, como aquele momento de abrir portas ao que pode surgir da leitura renovada da história, de não deixar que a fé, a esperança e a caridade se estanquem em dias específicos, mas conduzam ao dinamismo que leva à entrega, independentemente da quantidade, do que cada um é e tem. Tudo na simplicidade do quotidiano, nas lutas pela justiça e verdade, na criatividade artística, científica, culinária, no estudo, na possibilidade de avançar para mudanças de vida, contribuindo para que o mundo seja cada vez mais humano.
No silencioso, misterioso e belo acontecimento da noite de 24, rezarei por cada um(a) de vocês ao Menino Jesus: pelos vossos sonhos, desejos e necessidades. Neste novo ano que se aproxima, aconteça o que acontecer, para cada uma e cada um peço esperança, serenidade, desejo de busca e interrogações, junto com as oportunidades de encontro com o sentido mais fundo do Natal: a Vida!
Um Abraço muito apertado e até breve!
Paulo Duarte,sj
P.S. - Estarei de retiro de 26 de Dezembro a 3 de Janeiro. Também aí continuarei a rezar pelas vossas vidas e intenções. Peço-vos que rezem ou que pensem em mim, para que possa cada vez mais deixar-me guiar por Deus. Afinal, em 2014 viverei outra grande mudança na minha vida: a ordenação de Padre. ;)