[Secção pensamentos soltos] Amarmo-nos é um grande desafio. Uma das dimensões desse caminho é conhecermo-nos. E tal, apesar de libertador, é cansativo: exige, sobretudo, vontade, em conjunto com o confronto com a realidade nossa, do melhor ao pior, tal qual é. Aumenta a dificuldade quando somos bombardeados de distracções: ora de idealizações, ora de quantidade de informação a que supostamente há que dar atenção. Leva a que se tenha de ter opinião sobre tudo e sobre todos. Dito de outro modo, estar no lugar de Deus omnisciente, omnipotente e omnipresente. E vivem-se as paradoxais subtis ditaduras da sociedade dita livre: sempre contactável, sempre disponível, sempre opinativo. Não se aguenta. O amor definha.
A acompanhar centenas de pessoas nos últimos tempos, sobretudo em contexto de retiro, apercebo-me do quanto se pode estar preso a idealismos que impedem a tomada de consciência do lugar próprio, sem rodeios nem comparações. Sim, enquanto humanos somos complexos. E que maravilha. Mas, complicamos muito quando nos deixamos levar pelo emotivismo sem nos darmos tempo para respirar e pensar. Quando isso acontece saem tantas novidades surpreendentes. Do que mais me dá que pensar são as vezes que ouço: “é a primeira vez que estou a contar isto!” Estar disponível para acolher a sombra, o lado lunar, o que não se gosta de si mesmo, é duro, mas fundamental para a liberdade. E o isto que sai pela primeira vez, do mais variado, mas sobretudo de pesos acumulado em anos, décadas, não trabalhado, integrado, aceite faz com que hajam lutas internas e fugas de amor, onde o mais fácil é diluir-se no emotivismo social, político e religioso. E em nome de acabar com a violência, para ser livre, torno-me violento, julgando e anulando, não o comportamento do outro, mas o outro enquanto ser. Mais uma ditadura subtil, que alimenta ditaduras sociais.
Pois, amarmo-nos é um desafio. Em geral, conseguimos responder mais ou menos bem ao como estou. Mas, no final do dia, poder responder ao quem sou, de forma livre, é fundamental para esse desafio de amarmo-nos. Insisto muito no Amor, mas, quer queiramos ou não, é esse que nos salva enquanto pessoas. O resto são apenas adereços.