Dotan Saguy
[Secção coisas de corpo] Este texto é escrito com a devida autorização, ainda mais por, em determinado momento, ter-me proposto que o escrevesse. “Paulo, por trabalhares as questões do corpo, gostava de falar contigo sobre algo que tem provocado muito sofrimento e tem sido terrível: tenho um forte vício ao sexo.” A conversa foi muito dura e intensa, para lá das três horas. A pessoa precisava desabafar, sem se sentir nem julgada, nem, sobretudo, gozada. É muito fácil entrar com a piadinha fácil. No entanto, diante de mim tinha alguém em profundo sofrimento. Perguntei-lhe se estava a ter acompanhamento. “A vergonha é muita!” Pois, mais uma vez não é tema fácil. Há que ter cuidado para não ir a extremos, ambos perigosos: nem ao conservadorismo que torna o sexo tabu, nem à banalização de uma realidade tão bela da dimensão afectiva do ser humano. “Começámos uma relação aberta, com a possibilidade de conhecer e viver coisas novas. Há quem diga que são os homossexuais que as têm, mas não é assim. O sub-mundo do sexo é assustador e, no meu caso, viciante.” Na actualidade, com o culto do corpo em crescimento, parece que se desperta ainda mais a animalidade sem afecto.
Ao longo da conversa, fui-me apercebendo de uma grande falta de amor-próprio.
- Que procuras?, perguntei-lhe.
- Sentir prazer! [Enquanto falávamos, todo o corpo se contraía, a fechar-se.]
- Pára. Não te mexas. Observa-te. Sente-te. Já viste como estás em total contracção de ti mesmo. Será que te procuras a ti? Ou algo mais forte de ti?
Fixou-me o olhar, começou a emocionar-se. Assim ficou uns breves minutos.
- Não… sei… quem sou!
Pedi-lhe para se concentrar, respirar com calma e voluntariamente perder a contracção do corpo.
Depois de um tempo de trabalho em tomar consciência de si, disse-lhe:
- Não és uma pessoa louca, nem sequer a pior do mundo. Tens um vício, para dares o passo de liberdade há que atravessar a vergonha. Não é fácil, mas mais difícil será se continuas como estás, nessa contracção e fechamento de ti. Agradeço-te a confiança, muito mesmo, aqui estou para escutar-te. Parece-me que precisas de ajuda mais especializada.
Sei que está a tê-la. Também continuamos a conversar. Aos poucos, na escuta que vou vivendo, vou confirmando a grande necessidade que há da educação dos afectos.
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