[Notas soltas ao anoitecer] Há dias dei por mim a pensar no céu sem véus. Esse pensamento tem-me acompanhado. O cru da realidade: do sentir, dos desejos, dos impulsos, das acções, dos motivos e razões, do inconsciente ao verdadeiramente consciente.
Ajudar as pessoas que escuto a descobrir, desbravar, desvelar a sua verdade exige sabedoria. Para isso, tenho de ir percebendo esse significado para saber como promover essa ajuda com a delicadeza que merece o terreno sagrado da vida de cada pessoa. Também, e será mesmo sobretudo, para saber o meu limite na ajuda.
No meu tempo de silêncio tenho-me dedicado mais à leitura. De alma, como é natural. E de textos de outros. Terminei há dias “As velas ardem até ao fim” de Sándor Márai. Várias passagens deixaram-me em silêncio, a pensar. A boa literatura tem mesmo o condão de nos pôr a relativizar dramas existenciais. Ou então, a pô-los no modo certo, que nos ajudem a crescer como pessoas mais profundamente humanas. Todas as histórias que escuto e as que leio fazem-me rezar o céu e os véus. Melhor, os não véus no céu.
O véu rasga-se com a morte de Jesus. Não é um véu qualquer. É o do templo. O que impedia ver o Santo dos Santos. A morte abre caminho para a verdade. Na escuta, faço por cumprir um propósito: que a pessoa seja um pouco mais livre de véus.
Pergunto-me se não será isto que nos faz ser mais humanos uns com os outros: ajudarmo-nos a ser mais céu.
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