terça-feira, 24 de novembro de 2020

Lágrimas e sorriso



Pedro Sadio


[Secção memórias sobre lágrimas até ao sorriso em tempo de Estado de Emergência] Quando comecei a primeira sessão de psicoterapia, já lá vão uns anos, entrei no gabinete e das primeiras coisas que me chamou a atenção foi a caixa de lenços de papel em cima da pequena mesa. Recordo perfeitamente o pensamento: não serão necessários para mim. Não se tratava de achar que não podia chorar. Isso estava atravessado. Mas que seria algo simples o que ali ia partilhar, de tal maneira que nem necessitaria de lágrimas. Até ao dia. Aquele dia em que as palavras da emoção já não têm outra linguagem senão o libertar de lágrimas. Nem sequer foi uma ou outra furtiva. Abriu-se a porta das emoções de dor, cansaço, tristeza, fraqueza, vulnerabilidade, acumuladas. Saí da sessão muito agitado. Começou um novo tempo. A leveza estava a chegar. 


Anos depois, sou eu que tenho uma caixa de lenços no gabinete. Ainda são muitas as pessoas a pedir desculpa quando afloram as lágrimas, como se fosse descabido. Continuamos muito marcados pela educação que amordaçou a nossa dimensão emocional. “Deixe-as sair”, digo tantas vezes. Há que deixá-las sair livremente. As palavras dão lugar à linguagem de corpo. E nestes tempos em que as emoções andam baralhadas, que não haja problema em procurar quem possa acolher as lágrimas, a vida, as histórias, o sentir, sem julgamento. Não somos chamados a ser super-heróis, nem a sofrer sozinhos. Somos chamados ao amor, num sorriso, por nós e pelo próximo. E a humanização acontece ao longo do caminho de esperança!


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