segunda-feira, 9 de março de 2020

Parar e respirar




Bobby Karle,sj, numa capela de uma Comunidade Jesuítas na Índia

[Secção pensamentos soltos sobre os vírus pelo mundo] Em boa conversa com a Suzanne, surgiu o tema “simbolismo dos acontecimentos”. Olhando para os últimos vinte anos, todas as doenças têm tido o ataque à respiração como principal sintoma. A respiração caracteriza a vida orgânica. Começa com o grito e termina com o “último suspiro”. A respiração é fundamental e nós humanos somos os únicos que a conseguimos ajustar voluntariamente, em inspirações/expirações profundas, tendo efeitos neurológicos. 

O alento, em contexto bíblico, está ligado, de forma especial, a duas realidades: 1) “nefesh”, em hebraico, que depois se traduziu em “psiché”, em grego, e na nossa língua, uma das possibilidades, “alma”; 2) “ruah”, em hebraico, “pneuma”, em grego, e na nossa língua, uma das possibilidades, “espírito”. Depois de moldear o ser humano do pó da terra, Deus insufla o alento divino. 

Os últimos anos têm caracterizado a nossa humanidade desde a produtividade. A economia, os valores de mercado, o dinheiro, o ter, têm crescido em grau de importância, relegando para o lado a importância das relações, da espiritualidade, do tempo, da paragem, do silêncio. O cansaço social está à vista. Escrevi há dias que quando isso acontece o sistema imunológico perde a força. A nossa humanidade, com tantas maravilhas, é certo, está cansada. Quando há cansaço, tem de haver paragem. Curioso como a palavra “fechar” tem aumentado nas notícias. Fechar escolas, fábricas, museus, cancelar voos e actividades, obriga necessariamente a parar. 

Quando paramos voluntariamente, férias, reflexão, oração, somos nós que controlamos o “ter”, sendo o “ser livre” a falar mais alto. Quando somos obrigados a parar, por doença pessoal ou colectiva, reparamos que é o “ter” que nos controla, estando o “ser” subjugado, não só o ser-pessoal, como o ser-colectivo, incluíndo a natureza. 

Temos abusado dos recursos naturais, destruindo florestas. Também quando chove aumenta a lamentação pelo incómodo, esquecendo que a chuva limpa os ares. De facto, os vírus (incluíndo o da desinformação), dentro do mal, estão a alertar para a paragem necessária na humanidade, cultivando a interioridade, a reflexão em autenticidade, ajudando a tomar consciência do que significa amar o próximo como a si mesmo. Cada pessoa tem mesmo de fazer a sua parte, para que todos, incluindo a Terra, possamos respirar bem e sem medo, ou seja, plenamente livres. 


Pequenas dicas: para quem está já em paragem forçada em casa, reservar um pequeno tempo para a lamentação, queixa, dor, tristeza, depois, aliviando essa tensão, aproveitar a oportunidade para ler, escutar-se, conhecer-se, cultivar-se humana, cultural e espiritualmente; quem não está em paragem forçada (e espero que não seja necessário, obviamente), pode pensar como tem sido o parar na vida, no quotidiano, e tomar consciência do bem que pode fazer a si e aos outros. 

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