[Secção pensamentos soltos em ecos de Notre-Dame em Paris] “Saudai-vos na paz de Cristo”, é, a seguir à proclamação do Evangelho, o segundo de três momentos em que se ouve a voz de um diácono durante a Missa a preparar a comunhão. Era o que o que dizia nesta foto, na primeira vez que vivi Missa na Catedral de Notre-Dame. Celebrávamos a Missa dos Estudantes. Daí também não me ser indiferente o que aconteceu ontem. As fortes imagens, em especial a queda do pináculo, fizeram-me pensar muito no concreto e no simbólico de todo o incêndio. Ainda mais quando hoje uma amiga me disse que ao mesmo tempo a mesquita Al-Aqsa em Jerusalém também ardia.
A Igreja é feita de pessoas e de história. As catedrais foram construídas por pessoas que, em total anonimato, registaram o que será história. Notre-Dame tem a marca de milhões de pessoas: centenas que a construíram, milhares que nela rezaram e rezam, milhões que por ela passaram, de todo o mundo, com mais ou menos fé, apenas porque foram a Paris e faz-parte-visitar-os-monumentos-característicos, agitadas pelo silêncio ou incomodadas pelos selfie-sticks para registar tudo e mais alguma coisa sem interesse, e ainda deixando-se maravilhar pelos recantos em expectativa de encontro de Quasimodo. A Catedral deixa de ser de pedra encontrando carne em cada pessoa. Daí a dor de ontem. O imponente pode cair. A História é recordada e transforma-se com a queda do pináculo.
Fala-se milhares para a reconstrução. Como que a apagar o mais rápido possível a memória da destruição e voltar gloriosa a imagem da fé. Mas, fico a pensar: toda a reconstrução é algo novo. O restauro apresentará sempre a certeza da cicatriz. Que nova humanidade se espera? Que nova Catedral de Igreja se transformará? Sim, a partir de agora será sempre nova. É Páscoa. É Passagem. O antigo ganha a cicatriz da renovação e torna-se oportunidade de dar espaço ao reconhecimento da fragilidade como caminho de humildade. Os valores que Notre-Dame simboliza podem avivar-se em caminho de Paz.
Ter sido em início desta Semana Maior, em que somos chamados a fazer um grande exame de consciência na preparação do Triduo Pascal, torna-se ainda mais impactante. Tento imaginar o silêncio quando se entrou hoje de manhã em Notre-Dame. Entre lágrimas e nenhuma palavra, a sensação de impotência deve ter surgido. Junto com o desejo de voltar ali a celebrar, em altar com destroços, a força da Vida de Cristo Ressuscitado. Essa é a nossa esperança. Cristo atravessa qualquer destroço, tornando a cicatriz memória de compaixão e humanidade, dando a Paz.
Que os fogos que assolaram Notre-Dame e Al-Aqsa, dolorosos e destruidores, nos possam ajudar a reflectir sobre novos caminhos de reconstrução, de encontro e de Vida. Ah, o terceiro momento em que se ouve a voz do diácono é no final da Missa e diz: “Ide em Paz e que o Senhor vos acompanhe”.
Aconselho vivamente a leitura destas duas crónicas:
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