terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Viva o Natal




Este ano voltei a celebrar a Missa do dia de Natal no Carmelo de Fátima. Rezei o abecedário e assim trouxe ao coração todos os nomes diante do Menino. Partilho a homilia de ontem da Missa do Galo. Bom, Feliz e/ou Santo Natal a todos os que por aqui nos vamos encontrando. Que a Luz do Menino vos ilumine todas as sombras.


Homilia Noite de Natal 2018

“Natal. E, só pelo facto de o ser, o mundo parece outro. Auroreal e mágico. O homem necessita cada vez mais destas datas sagradas. Para reencontrar a santidade da vida, deixar vir à tona impulsos religiosos profundos, comer e beber ritualmente, dar e receber presentes, sentir que tem família e amigos, e se ver transfigurado nas ruas por onde habitualmente caminha rasteiro. São dias em que estamos em graça, contentes de corpo e lavados de alma, ricos de todos os dons que podem advir de uma comunhão íntima e simultânea com as forças benéficas da terra e do céu. Dons capazes de fazer nascer num estábulo, miraculosamente, sem pai carnal, um Deus de amor e perdão, contra os mais pertinentes argumentos da razão.” Miguel Torga, ‘Diário (1985)”

Recordei este texto de Miguel Torga por estes dias passados de Advento. É uma rápida descrição deste momento de Natal que o mundo celebra. No entanto, para mim, mais do que “o mundo parece outro”, o mundo é outro. Só pode ser outro. 

Ao longo do Advento fomos preparando os caminhos até esta gruta. Os profetas, em textos cheios de ânimo e esperança, foram-nos ora sussurrando ora gritando a certeza da nova Luz que trará paz e sentido a cada uma das nossas vidas. Se estivermos atentos, há desconcerto nas profecias e nos acontecimentos. Aparece Gabriel e a multidão de anjos, em anúncios de vida, mas, sobretudo, de fim de medos e temores. Afinal, neste Menino a criação atinge a plenitude. Explico-me:

No princípio era o caos, diz-nos o Génesis. A primeira palavra de Deus é “Faça-se Luz!” Desde aí, a escuridão dissipa-se diante do poder divino criador. São João, ajustando o Génesis, dirá “no princípio era o Verbo”. Dinamismo criador que nos leva a perceber a importância do movimento para sentir a vida. O nascer da luz, em palavra dita por Deus, ordena a desordem e chega à criação do ser humano à Sua imagem e semelhança. Marcas divinas, diz-nos Ireneu de Lyon, ficam incrustadas em barro moldado. Deus olha a obra suprema da Sua criação e vê que, mais do que boa, é muito boa. Somos nós. Cada um, cada uma, de nós. Por isso, nos juntamos em festa, nessa irmandade de carne que atravessa a nossa história. Em personalidades diferentes, os mesmos átomos, as mesmas moléculas, fazem de nós seres únicos e especiais aos olhos de Deus. 

Mas, algo faltava. Ainda recordando Ireneu, esse barro moldado também ficou nas mãos de Deus. Atrevo-me a imaginar o pensamento divino: “também quero ser parte desta carne.” Inácio de Loiola, nos Exercícios, no início da segunda semana, convida-nos a contemplar a Trindade a observar a Terra. Vê a humanidade, em particular os traços de sombra, entre guerras e injustiças, entre medos e confusões, apercebendo-se de que chegava a altura de enviar o Seu Filho. 
- Estás pronto?, pergunta-lhe. 
- Seja feita a Tua vontade!, responde.
- Viverás tudo. Descobrirás cada emoção, cada toque de pele, cada sentir de silêncio e de alegria. A tua história fará parte da história, onde as dores de cada humano serão as tuas dores, onde as celebrações de vida de cada humano serão as tuas celebrações. O teu nascer será agitado e discreto. Nascerás e morrerás fora. Mostrarás que a tua vida é plenamente dentro da humanidade. Estás pronto?
- Sim, estou. E lá, em cada casa, em cada coração, estão prontos?
- O Espírito rejubila-se com a resposta de Maria: Sim!

Maria, sabemos, é fundamental. A humanidade acede à vinda de Jesus. Esse “sim” foi e pode continuar a ser o nosso “sim”. Permitir que Deus transforme o nosso coração em lugar onde quer habitar. Pergunto: será que me disponho a ser lugar de Deus? Pode tornar-se bonito e poético tudo isto, no entanto é de recordar que os 9 meses até chegar a esta noite foram de total transformação nas vidas de Maria e de José. Acusações de adultério, caras voltadas pela incompreensão de aparente "grávida-de-outro", em conjunto com a firmeza e a confiança de amor um no outro, alicerçados na fé naquele Menino que crescia no ventre, dando Luz, provocando exultações de alegria. Apesar das agitações da incompreensão dos modos de Deus a fazer as coisas, já se cumprem as profecias: o Menino traz Paz. 

Voltando a Miguel Torga, já que toca na passagem do Evangelho de S. Lucas que sempre nos acompanha nesta noite, retenho-me no “estábulo”. A frase do Evangelho é muito curta: “Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria”. Jesus nasce no silêncio da noite e afastado de todas as pessoas. Maria nem sequer podia ser acompanhada por José. Não era permitido aos homens assistir ao parto. Imagino esse silêncio, depois de toda a agitação vivida ao longo dos nove meses. Maria dá à luz a Luz. A noite torna-se aurora de nova esperança. Mais um passo na profecia: “o povo nas trevas viu uma grande luz”. Esta noite vive-se nova criação. O caos, as trevas, dissipam-se e vive-se a Luz no Menino Deus. O Verbo fez-se carne e habita entre nós. Monta a sua tenda em cada uma das nossas histórias.

Então, o estábulo, a gruta, desde esse dia deixa de ser um lugar lá, em Belém, para poder ser cada um de nós. N’Ele podemos colocar todas as nossas dores, para se tornarem de parto e assim geradoras de vida. N’Ele podemos colocar todas as nossas alegrias, ampliando assim o ânimo a dar uns aos outros. N’Ele podemos celebrar como os pastores o fim do medo, porque a Vida por, com e em Deus tem sempre a última palavra. 


Permitamos, com toda a liberdade que Deus nos dá, que o Menino nasça na nossa Vida. Afinal, Natal é deixar acontecer a vontade de Deus para o Filho, em ser um connosco. Se tal acontece, tudo muda, tudo transforma, o mundo deixa de ser o mesmo. E sim, esta data torna-se sagrada, em especial cada vez que cada um de nós permite nascer a Luz e a Paz nos nossos corações. Para quê? Para que a essa mesma Paz, essa mesma Luz, em sentido de comunhão e Vida possam, de facto, transformar todo o ódio em amor. Esse é dos grandes desafios de Natal nas nossas vidas. Acontecendo isso, divinizamos a humanidade e cantamos, em alegria, com os anjos: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra em toda a humanidade por Ele amada.” Ámen. 

2 comentários:

  1. Elvira23:29

    Que lindo....
    Que Deus o ajude sempre,para tmb poder ajudar os outros..
    Resto de Feliz Natal 🎄

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