domingo, 24 de junho de 2018

Profetas



Parivel Veerasamy

[Secção pensamentos soltos em dia de S. João Baptista] A liturgia para este dia, a ilustrar a força e importância de João Baptista, recorda-nos dois profetas: Jeremias e Isaías. Em ambos, recorda-se que Deus conhece-nos desde o ventre materno e que nos chama em colaboração para a denúncia da injustiça e o anúncio da verdade. Jeremias foi perseguido por falar em nome de Deus. Há passagens muitos fortes do seu desespero de entranhas pelo modo como o querem (des)tratar, chegando a pôr em causa a sua vocação. O próprio João Baptista tem palavras duríssimas diante dos que se acham superiores a seja quem for. Morreu decapitado. O desafio mais forte da profecia é mesmo a denúncia da injustiça. A falta de verdade, em especial de quem se encontra fechado no seu mundo (seja ele social, político, religioso e/ou espiritual), faz muito mal. Ficando-me no religioso e espiritual por conhecer melhor, recordo duas perguntas de uma conversa de há dias:
- P. Paulo, tendo a Igreja como fundamento Deus de Amor, o próprio Cristo que não faz acepção de pessoas, como é que ainda há tanto mal, como intrigas, maledicências, hipocrisias, no seu seio? Valerá a pena ir à Missa?
- Indo à segunda pergunta: sim, vale sempre a pena viver a Missa. Se o fazemos, com o sentido profundo de deixar-me transformar por Deus, então, saio sempre de coração renovado. Quanto à primeira pergunta. Parece-me que se confunde muito espiritualidade com espiritualismo, onde se fica fechado a uma visão das coisas, esquecendo que absoluto é apenas Deus e Ele, quer queiramos, quer não, é Mistério, não se confinando à visão redutora humana. Perceber que cada pessoa é dom, dentro da sua diferença, com os seus limites e capacidade, por vezes é difícil. Sobretudo por quem adquiriu um estatuto de aparente espiritualidade, elevando-se, infelizmente, acima de outros. É mais fácil uma projecção de modelos fechados de espiritualismo. Abusa-se de linguagem espiritual como se essa fosse garante de ser espiritual. O nosso Padre Geral numa carta sobre discernimento falou mesmo de usar-se uma “linguagem inaciana correcta” para justificar decisões que poderão nada ter que ver com o Espírito. E aí pode fazer-se muito mal. Se há remédio para isto? Há. Já os Padres da Igreja, no início do Cristianismo falavam de “remédios para os males espirituais”. Se cada um de nós, em oração que atravessa as sombras pessoais para além de apontar as falhas dos outros, fizesse o exercício de amor próprio, com o profundo respeito pela diferença, à semelhança de Cristo, talvez esse “mal de Igreja” começasse a ser atenuado. Mas isto é demasiado exigente. Os profetas viveram esta exigência, ao perceberem que esse amor de Deus, desde as entranhas, significa um profundo compromisso com a verdade que liberta de infantilismos espirituais e ajuda a crescer no sentido de amor ao próximo.

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