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Quando vivi em Madrid, orientei um workshop de corpo a um grupo de alunos de risco de um dos nossos colégios. Quase todos faziam parte de gangs, tinham levado facadas (mostraram-me as marcas) e dado outras tantas. Como para mim, desde há muito e vai-se a apurando, antes de qualquer característica, as pessoas são pessoas, ali estava a partilhar o que me parecia importante. As professoras estavam muito nervosas. Percebia a vergonha, quando a linguagem e atitudes deles eram mais agressivas. Fiz-lhes sinal para não se preocuparem. Num momento, para falar do espaço antropológico, aproximei-me rapidamente de um deles, parando muitíssimo perto da cara. Vejo-o, em olhar periférico, a fechar o punho e a levantar o braço, estancando-o acima da cabeça. O silêncio era indescritível. Mantive-me sereno sem mostrar nenhuma reacção. Percebi pela sua cara que isso estava a baralhá-lo.
- Porque não continuas?
- Não posso.
- Não podes porquê? Porque sou professor ou não sabes o porquê da reacção?
- Não sei.
- A vida dá-nos instintos de sobrevivência. Passaste o tempo a viver e a apurar a base do instinto, agredindo com violência qualquer objecto estranho que se aproxime de ti. Mas, já pensaste que és mais do que instinto? Que vocês são mais do que a violência? Que vocês são mais do que manifestações de poder animalesco? Sabem o que vos falta? Amor. Já sei que é a demasiado “florzinha”, mas falta-vos amor que mostre a vossa dignidade enquanto pessoas, para além dos rótulos que a sociedade vos pôs, junto com as regras para perceber que, lamento, o mundo não é vosso. Vamos mudar de exercício. Querem tensão? Pois bem, toca a contrair os músculos todos. Contrair ao máximo, ficando o mais rígido possível. E relaxem, derretendo para chão.
No final, propus um tempo de meditação. Ainda houve resistências, junto com concentração e uma lágrima muito fortuita.
Quando se foram embora, uma das professoras vem ter comigo:
- Tens noção que ias levando um murro? Ele é o chefe de um dos gangs. Ele não disse, mas é respeitado pelo outros por ter eliminado um com uma facada no estômago.
- Que idade tem?
- 16.
Lembrei-me disto, a propósito do famoso vídeo do caso de violência em Almada. Não vi. Mesmo podendo ser insignificante, ficam com menos uma visualização. Apercebo-me o quão facilmente se espalha o agressivo ou estimulante de gozo. Sinceramente, sinto-me responsável por isto, ainda mais quando sou educador. Das coisas fundamentais é mesmo o de educar para a liberdade, com conhecimentos (no meu caso de âmbito religioso, moral e humano), ferramentas de relacionamento e com atitude. Sentir-me responsável não significa carregar com a culpa da violência alheia, mas, sim, alguém que quer dar uma resposta social a partir do respeito. E há tanto a fazer.
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