[Aula com proposta de escutar-se em escrita] Gosto muito de propor aquilo que chamo "aula da folha em branco". Há sempre o ar de surpresa quando digo para deixarem em cima da mesa apenas uma caneta. "Vamos fazer teste, stôr?", perguntam alguns com sensação de receio. Com as folhas em cima da mesa, dito as regras:
- A folha é somente vossa. Podem fazer dela o que quiserem. Escrever o que quiserem, da forma como quiserem. A única coisa que é obrigatória é a verdade, a autenticidade, convosco. Se há falta de imaginação, aqui vão ajudas: pensem numa pessoa e escrevam o que sentem ou pensam dela; escrevam sobre algo difícil a contar; escrevam coisas soltas que se vos ocorre. Não prendam a imaginação. A folha é vossa!
- É para escrever o nome?
- Quer escrever?
- Lá está o stôr com os seus enigmas.
- Eu também vou escrever no quadro. Vocês serão a minha inspiração. Vamos a isto?
Música de fundo. Uns começaram logo. Outros, mantinham o ar de perdidos. Folhas na vertical, horizontal, diagonal, escritas em círculos, desenhos, rabiscos, iam-se soltando. Dei tempo para terminar.
- E então?
Os braços surgiam a pedir palavra.
- Foi estranho ao início, mas depois deixei-me levar.
- Não estava à espera que me ajudasse tanto.
- Foi interessante, mas não é novo. Já penso muito por mim.
- É mesmo muito o que vai cá dentro, stôr.
- A nossa vida é muitas vezes presa por regras e filtros. São necessários, é certo, por vivermos em sociedade e tem de haver o respeito uns pelos outros. No entanto, todos nós precisamos dos nossos espaço e tempo para libertar precisamente o muito que levamos dentro. A escrita é um meio para libertar e, quem sabe, uma ajuda para boas conversas com alguém que possa orientar. No fundo, é dar-me tempo para escutar-me e perceber que, mesmo que se tente, até mesmo humilhar-me, com tudo o que vivo tenho força de existência e de dignidade. Como terminei a minha escrita no quadro, "ah, como gostaria que o Amor de Deus se expandisse e todos percebessem o quanto podemos criar e dar vida. Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. --> Isto é Natal! --> Dar corpo às palavras!"
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