segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Êxodo(s)



Francisco Andersen Leitão

Chamaram-me. Entrei na sala e sentia-se a tensão no ar. Ouvi as palavras e escutava o tom. 
- Queres vir falar comigo com mais calma?
- F*da-se, não quero falar com padre nenhum!
- Tendo em conta a situação, ou o padre ou a Escola Segura. Escolhe.
Olhou-me, levantou-se e veio comigo para o meu gabinete.
- A porta está fechada. Aqui podes dizer o que quiseres. Repito: o que quiseres! Se quiseres mandar-me para qualquer sítio menos simpático, estás à vontade. Aqui tens a cadeira, dá-lhe um pontapé, grita… aqui estou para te acompanhar.
O olhar era de desconfiança, até que comecei a estrabuchar e mostrar-lhe, em jeito de espelho, o que, apesar do misto de vergonha e incredulidade diante de um padre a fazer “cenas”, claramente gostaria de fazer.
- Estou farto desta m*rda toda! 
… e por aí diante, durante quase uma hora… até se desfazer, por outra hora, em lágrimas convulsivas. Permitiu-se entrar na escuridão, na sombra, no deserto onde todos os medos, angústias, vergonhas, imagens de si e de outros, começaram a sair. Já não em “valentão” que tudo controla, domina, mas em criança frágil que teve de crescer demasiado rápido para cuidar de si e de outros. As dores estavam demasiado acumuladas, entre marcas de palavras de desprezo ouvidas e de cinto sentidas, saindo sempre no modo aprendido, na agressão inevitável, como grito: aqui estou, quero ser amado! A terceira hora foi de espaço para se encontrar e serenar. Era o começo de uma longa caminhada, nessa travessia de deserto que só quem anseia pela liberdade faz. Nesse caminho, de silêncio, de escuridão e solidão, não pode haver julgamentos, apenas o desejo de curar memórias e encontrar liberdade. 

2 comentários:

  1. Anónimo22:52

    Graças a Deus por estar... ali... que não se detenha no caminho... e, quando cair, que encontre alguém que volte a estar... um anjo... um cireneu... com ele... também connosco... Entretanto, obrigada, pela partilha...

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  2. Muito obrigado.
    Um abraço.

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