sexta-feira, 6 de junho de 2014

"Hoje"



Hoje | foto de Joana Patita em

Saio do Hoje, a última criação coreográfica de Tiago Guedes. Saem notas soltas, sem pensar muito, apenas, tal como a peça “exige”, ficar-me pelo(s) registo(s) do(s) momento(s) presente(s).

Fecho os olhos e a velocidade paira no fundo da memória curta. A velocidade dos gestos apressados, perfeitamente adequados ao ritmo do agora, deste instante que, mesmo sendo noite, recolhe a aceleração de todos os batimentos cardíacos, deixando em exaustão a própria desorientação das coisas. Nessa respiração ofegante, que eu próprio vivi sentado a ver toda a intensidade que saia do palco, deixo que o corpo se adapte aos tempos… ao meu tempo, ao meu hoje, ao meu agora, à minha actualidade. Que inevitavelmente tropeça no Hoje que são outros que me deixaram a pensar.

Num primeiro momento, a vida acelerada, como que numa ida às compras, saindo do metro, depois do trabalho, para ir para casa, fazer o jantar, arrumar o dia ou as horas, na continuidade do presente. Outros e ninguém ao lado, apenas a subtileza do olhar ou um primeiro suave encontro que leva directamente ao confronto, ao agarrar, na exigência da tua, da vossa, presença na minha vida. Tudo sem parar, sem deter o tempo, que não cessa de dizer: “Agora! Tem de ser agora”. Afinal, já não são as horas que contam ou a continuidade do ritmo de cada dia, mas tu ou eu, ou tu e eu, ou nós, entrelaçados numa figura mitológica de mil braços, que não cessa de mover e implicar-me na história. E a meio apeteceu-me gritar. 

Não posso dizer taxativamente “é isto!”, mas há a densa interpretação deste agora que é bruto, que exige o combate diário pela vida. Será solidão se não amparo as quedas e não faço o silêncio necessário para me reposicionar no quem sou? que vai dando nomes à minha própria pessoa. Os gestos tão individuais e tão comuns fazem com que identifique a humanidade. Essa mesma, ofegante de tanto mover-se, num novo mundo que se renova constantemente. O Hoje inquieta. Tenho o seu quê de responsabilidade, impedindo, naquilo que posso, a morte do mundo pela exaustão. Dá-me vontade de parar e pensar no amanhã


Obrigado Tiago!

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