domingo, 8 de abril de 2007

Porque há coisas que vale a pena ler e voltar a ler:

«Política de informação
O problema não é a licenciatura real ou imaginária de Sócrates, mesmo sendo ele primeiro-ministro. Há por ai muito licenciado, doutor e professor que não sabe ler e escrever. O problema é que o gabinete do primeiro-ministro e o próprio primeiro-ministro se permitem telefonar para as redacções com o fim explícito e confesso de influenciar o que a televisão e a imprensa dizem ou não dizem. E o problema também é o de saber se o gabinete do primeiro-ministro e o próprio primeiro-ministro ficam por aqui ou se a seguir telefonam a quem paga a televisão e os jornais. Pior ainda: o verdadeiro problema está na hipótese, cada vez mais provável, de que o Governo tem uma “política de informação”, o que sempre e em toda a parte significou uma “política para controlar a informação”.
Existe ainda outro ponto inquietante. Desde o princípio que a “comunicação social” foi, em grosso modo, favorável a Sócrates. Mais do que favorável, adulatória. Em parte espontaneamente e em parte por mérito da propaganda do Governo, a televisão e a imprensa participaram com entusiasmo no culto da personalidade do homem. Produto obscuro do aparelho do PS e sem obra política que se apresentasse, Sócrates passou de repente do zero ao estatuto beatífico de salvador da Pátria. Era corajoso, determinado, decidido. Era o reformador, a autoridade, o grande herói da esquerda e da direita. Mas parece que nada disto lhe chega. Sócrates não suporta a crítica. Não ocorreria a Soares, nem a Cavaco, nem a Guterres, nem sequer a Barroso discutir as férias, qualquer espécie de férias, com um jornalista. Ocorreu a Sócrates. Porquê? Porque manifestamente toma a sério a imagem pública que lhe criaram.
O que não é inofensivo. Não por acaso, Augusto Santos Silva, que tutela (notar bem: tutela) a “comunicação social” e que nunca deu provas de um particular amor pela liberdade, prepara um novo Estatuto dos Jornalistas, que prevê penas disciplinares para quem desagradar à Comissão de Carteira (exactamente a solução de Hitler) e estabelece regras de absoluta arbitrariedade. A coisa, claro vai tarde ou cedo rebentar na cara do sr. Silva e do Governo. Para não falar na de Sócrates. Mas não deixa de ser triste que o partido de Mário Soares se torne agora no partido da repressão e da censura (embora indirecta), que o estatuto do Sr. Silva inevitavelmente inaugura. Espero que nem Mário Soares nem Jorge Sampaio assistam em silêncio a esta miséria.»
Vasco Pulido Valente in Público, 6 de Abril de 2007.

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