quarta-feira, 18 de abril de 2007

Investigações...




Estudar, rezar, pesquisar sobre novos lados de encontro com Deus tem-me ajudado a não embarcar em todos os argumentos, ou até mesmo descobertas, sobre a Vida (ou morte) de Jesus que vão surgindo. Escrevo Vida, com “V” maiúsculo, porque desde a sua vida relacional, social, à vida propriamente dita muito se tem escrito e falado. E, a meu ver, nalguns casos, bastante mal. Recentemente, a propósito da eventual descoberta do túmulo de Jesus, tenho tido bastantes conversas que me levam a perceber o quanto é fundamental um estudo da Teologia séria. Vejo que a busca da espiritualidade está a aumentar, mas ao mesmo tempo surgem informações científicas (?) que tentam eliminar a crença religiosa. Um paradoxo curioso.


Eu não posso estudar Teologia a partir de um romance, de um filme ou de um documentário. Além do mais quando querem, numa hora ou numa centena de páginas deitar abaixo 2000 anos de História, pesquisas, crenças, é de desconfiar. Não esquecendo ainda na mesma História, a quantidade de pessoas que deram a vida por uma causa, que não é apenas uma teoria, em situações concretas na entrega total pelos outros, para que a humanidade se tornasse (e torne) mais humana. Se Jesus tivesse sido um mero homem, com umas capacidades especiais, há muito que já não haveria cristianismo. É preciso olhar com seriedade para os Evangelhos e perceber toda a mensagem que está por detrás de toda uma História de Salvação que culminou com uma morte, seguida pela Ressurreição. Claro que estudar a fundo estas coisas, para a maioria das pessoas, pode-se tornar uma “seca”, não há pachorra. É mais fácil seguir argumentos que “facilitam” a vida. Além do mais há uma vontade imensa de sobrevalorizar o ser humano, tornando-o deus, de modo a que tenha todo o poder. Para quê? Para destruir, em nome da construção da humanidade, controlando outros seres humanos que não conseguem atingir o mesmo grau de poder?


O poder de Deus encarnado em Jesus, que morreu e ressuscitou, é outro completamente diferente (*). É um poder de entrega e acolhimento pelo outro que mais precisa. Ficar na alta esfera da intelectualidade e/ou da investigação científica tentando arrumar a mensagem de acolhimento bastante prática, que não se fica por meras teorias, perde todo o sentido. É verdade que nós, Igreja, ao longo dos tempos não abonámos muitos com as imagens de Deus e do próprio Cristo que fomos propondo, mas na actualidade, mais do que criticar por criticar, há que estudar, escutar, para depois, com toda a seriedade fazer uma critica com sentido.


De facto, eu não posso tecer qualquer comentário sobre economia, quando não percebo nada da área. Hoje em dia comenta-se bastante Teologia, tendo-se por detrás da argumentação uma catequese que se ficou pela “primeira comunhão”, ou então que se fica pelo que se lê num jornal, num romance, ou se vê num documentário.



(*) No "Mistério(s)..." explorei um pouco mais sobre este tema.



5 comentários:

  1. Obrigado,Paulo, por este útil e esclarecedor ponto de ordem. Da próxima vez que estiveres em Lisboa agendamos um jantar de "Insectos" para aprofundar o tema. Vai fazer-nos bem a todos!

    Abraço forte com saudade deste "teu irmão em Cristo"

    P.

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  2. Olá, Paulo.

    "Se Jesus tivesse sido um mero homem, com umas capacidades especiais, há muito que já não haveria cristianismo."

    Depende do que queres dizer com "mero", mas se te referes a não-divino, penso que é preciso ter algum cuidado com eventuais "vitórias" demonstrativas da sua divindade... Pois que vivos e doando sentido e interpelação a muita gente continuam o budismo, o epicurismo, o confucionismo e mais uns quantos (e não me refiro às misturas "new age").

    Eu a impressão que me dá, é que a sua participação da natureza divina é mesmo conteúdo de fé, no sentido em que é a partir da vivência desta que eu apreendo (co-participo até, diria) tal, e não por uma mostração histórica ou demonstração científica.

    Lembro-me agora da interpelação do amigo Kierkegaard: Se demonstrassem historica ou cientificamente que Jesus não tivera existido, que faria isto à fé?... Pois bem, acutilar-la-ia ;)

    (Já é a segunda vez esta semana que me lembro do moço dinamarquês... Se calhar tenho que lhe ler ou reler qualquer coisinha... :)

    Um abraço

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  3. Vítor! :)

    Sim, sem dúvida alguma que é preciso ter atenção ao pormenor que salientaste. Obviamente que devo atender a toda a dimensão da fé que está inerente à religião, seja ela qual for. No entanto, o único ser humano que se assume como Filho de Deus que resgata a Humanidade, pela sua morte e ressurreição, é Jesus. Não podemos esquecer que foi condenado por isto mesmo, por afirmar a sua Filiação (relação íntima e total) com Deus. Uma blasfémia na altura!

    Se formos a ver, por exemplo, o Evangelho de João (o mais teológico, por ser o mais reflectido, ponderado - foi o último a ser escrito) apresenta, a seguir ao momento do lava-pés (Jo 13), toda uma oração (Jo 14-17), que culmina com a oração sacerdotal, em que Jesus afirma a sua relação com o Pai e, novidade das novidades, a relação de cada ser humano com a própria divindade, na dimensão comunitária e não cada um por si.

    “Assim como Tu me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo, e por eles totalmente me entrego, para que também eles fiquem a ser teus inteiramente, por meio da Verdade. Não rogo só por eles, mas também por aqueles que hão-de crer em mim, por meio da sua palavra, para que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti; para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu me enviaste. Eu dei-lhes a glória que Tu me deste, de modo que sejam um, como Nós somos Um. Eu neles e Tu em mim, para que eles cheguem à perfeição da unidade e assim o mundo reconheça que Tu me enviaste e que os amaste a eles como a mim.” (Jo 17, 18.23)

    A História da Salvação não é um capricho divino, é um entrelaçar de Deus com a Humanidade.

    Claro está que me poderão dizer que é simplesmente a fé, e que, como afirma Kierkgaard, esta mesma fé não seria abalada se provassem a inexistência de Jesus. (Não sei se concordo muito com essa afirmação, mas reconhecendo o meu desconhecimento do pensamento kierkgaardiano, posso não estar a ligá-la à argumentação que ele possa ter dado – espero estudá-lo, e com muito gosto, nas proximidades). Mas atrevo-me a comentá-la: É verdade que à fé, no sentido de crença no transcendente independentemente do nome, nada faria, mas em termos da fé cristã essa prova abalaria muitas estruturas. Agora teria de ser uma prova com sentido e bastante bem argumentada. Bem, mas como afirmei, exprimo apenas a minha opinião sem pretensões de contra-argumentar a interpelação.

    Quando afirmo que não haveria cristianismo, refiro-me à sua presença à escala universal. Sinceramente, não creio que houvesse tantos cristãos se Jesus não fosse Deus. Claro que daria um bom estudo a relação inter-religiosa e perceber a evolução da religião. Daí que cada vez mais percebo que não se pode impor uma religiosidade (seja ela qual for), mas sim propor e apresentá-la com a coerência da própria vida.

    Um Grande Abraço! :)

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  4. A tese do pseudónimo Johannes Climacus lá do moço de Copenhaga que tal diz é um pouco mais chalada... ;) Pretende ele que todo o saber histórico (incluindo o do presente que vivo e eu próprio) é um saber mediado por representações e conceitos, e que nesse sentido será sempre aproximativo, e nunca presença real... Ou seja, que o existencial que me implica não é histórico nem conceptual mas imediato e bruto, e que é aí que se dá – ou não – a categoria da salvação. Qualquer saber é já distância existencial, que não pode salvar nem perder – a não ser indirectamente, no sentido em que nos distrai da nossa existência própria mais surda e secreta (até para nós próprios). O que não significa evidentemente, que não precisemos de estudar ou investigar (por exemplo, estudar Kierkegaard explanando tal;)– mas que nada disso é propriamente religioso (ou se preferires, activamente religioso). Só a fé – como disposição, actividade e abertura ontológica – salva (o moço era protestante, quero dizer, era até mais atirador livre pois ergueu-se violenta e veementemente contra a culturalização e sociabilização do cristianismo eclesiástico da Dinamarca).

    Mas o meu ponto era: claro que haveria cristianismo à escala universal mesmo que Jesus fosse apreendido apenas como um homem sábio ou iluminado (sabe-se lá até se no real activo não é assim que a maioria de nós cristãos acreditamos consciente ou inconscientemente nele ;) tal como há budismo e etc à escala universal. A difusão sócio-cultural do cristianismo deve aliás muito (se não mais do que a outra coisa qualquer) à espada, dado o sacerdote estar no cristianismo histórico, profundamente unido à realeza mundana (hoje em dia é mais em conluios com Berlusconis e afins, mas pronto, a cada época a sua política…)

    Claro que eu creio firmemente (enfim…) na consubstancialidade de Jesus com o divino. Mas isso não é dado histórica nem objectivamente, mesmo que tal se indicie desde logo no Evangelho de Marcos.

    E sei lá… Não te preocupes muito com a contra-argumentação ou se é ou não legítimo… Quero dizer, isto também é a malta na net-palheta, quanto a mim o melhor é estar assim pró “à vontade”… Que é para se poder dizer o que vai na pinha ou na alma sem receio de estar a ser avaliado… Bem, e já estou a divagar… Deve ser por ultimamente ter andado a levar com uma tendência católica de imediata avaliação do que se diz, pensa e vive ser ou não conforme à “verdade católica”, seja lá o que essa etimológica redundância for ;)

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  5. Todos nós temos direito a opinião sobre todos os assuntos. Comentar algo é da própria natureza humana.
    Fazer grandes construções teóricas sobre temas que não conhecemos torna-nos vulneráveis aos comentários dos verdadeiros entendidos.
    A Teologia não é tabu, nem o deve ser, senão corre riscos de se isolar sobre si mesma.

    Abraço
    JRibas

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