sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

Mistério(s)...



“Deus fez-se homem, para que o homem se faça Deus”
Sto. Atanásio

Já há muito que gostaria de escrever algo sobre o Natal, mais precisamente sobre o mistério da Encarnação de Deus. Não me ocorria nada em concreto, até ler um comentário que me foi feito no razões do não. O comentário fez-me pensar e bastante.


Já manifestei no Ser Corpo… e no Coisas… uma pequena visão pessoal sobre Deus… Gostava de a aprofundar…


Nos nossos dias, olhando em redor, parece que Deus e Mundo não conjugam. Parecem duas esferas sem relacionamento, sendo uma delas, a divina, intransponível. Se Deus é assim, impessoal e intransponível, a partir deste momento sou ateu. Neste deus não acredito, porque perde todo o sentido mais profundo da relação. Quando comecei a pensar seriamente na minha vocação, percebi que teria de mudar a imagem de Deus. Afinal, o tal Todo-Poderoso, assume a condição humana, tornando-se homem… Na verdade tal acontece, porque uma mulher dá um sim. A sua entrada no mundo não é imposta, é solicitada. Tal é o respeito, que espera pelo sim de Maria.


Jesus nasce da casa de David, segundo nos diz a Escritura. Se formos ver a Sua genealogia, não encontramos pessoas, à partida, muito dignificantes. Ali encontramos uma prostituta, uma mulher adúltera, um assassino, no meio de outros, com mais virtude aos olhos de muitos. O Deus que acredito, faz questão de conhecer a condição humana até à medula… Sem entrar em pormenores, o nascimento de Jesus dá-se na total simplicidade tendo sido deitado numa manjedoura, de um estábulo de animais. Deus, o Todo-Poderoso, por vicissitudes das circunstâncias nasce num estábulo… Os primeiros a reconhecê-lo são os pastores, os marginalizados que viviam fora da Cidade… Outros exemplos podem ser dados para mostrar que, afinal, o Todo-Poderoso não nasceu para uma elite, ou apenas para alguns, mas para todos… E para que todos se tornem um com Ele. Claramente Deus convida-nos a um processo de divinização, só isso é que faz sentido… Ser cristão é ser Cristo!


Na actualidade o Natal é vivido como um simples encontro familiar, onde Deus não entra muitas vezes. Corro o perigo da generalização, mas é o que vejo. Penso que a Igreja tem responsabilidade nisto. Devemos ser os primeiros a mostrar a encarnação com as nossas vidas. A Igreja, se segue os passos de Cristo, deve no seu íntimo, ser a primeira a acolher, sem condenar ninguém. A Encarnação acontece para todos. No comentário é referido entre muitas coisas a falta de respeito pelas mulheres, pelos homossexuais. Refere ainda as incoerências e demagogias em que caímos quando defendemos uma posição. Percebo este comentário. De facto, nós Igreja não temos sido muito acolhedores em relação a algumas pessoas, muito pelo contrário, acabamos por catalogá-las, metendo-as num saco de “coitadinhas” a viverem a sua limitação… Isto não é encarnação. Há pessoas revoltadas connosco e nos dias que correm não lhes interessa o que possamos dizer. E eu percebo que tal possa acontecer…


A Encarnação é um acolhimento, por um lado da humanidade que diz sim à divindade, por outro a divindade que diz sim à humanidade. Como viver isto? Há que escutar a pessoa concreta com a sua história num acolhimento constante. TODOS nós já fomos salvos, precisamente porque Deus encarnou, morreu e ressuscitou. Sim, é preciso a fé… Mas é preciso mostrá-la com obras e com gestos concretos de encarnação. Como é que podemos exigir que alguém entenda a consagração do pão e do vinho; os sacramentos; as celebrações; se não dermos a mão ao problema da pessoa concreta? Se não acolhermos a pessoa tal como ela é com esta ou aquela característica? Consagrei-me (algo que não me eleva a nenhum estatuto especial) porque acredito num Deus Humano, em Jesus, que veio para Salvar, convidando a que todos sejam um, como Ele o é com o Pai (cf. Jo 17,21) … Afinal, Deus fez-se homem para que o homem se torne Deus


Um Santo Natal para todos! Que Ele Encarne nos nossos corações...


4 comentários:

  1. Querido Paulo,

    obededi-te e vim aqui ler :)

    Não tenho nada a acrescentar. Se o tivesse, eram factos concretos a demosnstrar o que dizes, sobretudo, em relação à Igreja. Mas isso não pode servir para nos desanimar, mas sim desafiar a no concreto da nossa vida sermos fieis servidores do Reino. Se as dificuldades são muitas, também já experimentámos nas nossas vidas e no colectivo do mundo, que Ele não nos abandonou.

    Não estamos abandonados à nossa sorte. A tua vocação, e a de tantos, são reais provas disso.

    Um beijo

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  2. Olá amigo Paulo!

    Esta tua vocação e a inspiração é um exemplo para cada um de nós.

    Afinal é possível à Humanidade compreender Deus sem sair da sua condição.

    Ele está presente nas nossas vidas até à mais pequena particula de sangue, de água e de barro. É realmente pelo entendimento e compreensão d'Ele nas Coisas, que O podemos entender nas Não Coisas, no imaterial, no intangível, no sublime.

    Neste Natal, temos todos um desafio pela frente, um desafio que hoje, ao caminhar pelas ruas de lisboa julguei perdido, mas que acredito ainda ser possível.

    Temos o desafio de cada um ser agente de um grande milagre. O desafio de sermos divinos no seio da nossa humanidade. O desafio de recordarmos neste Natal, um verdadeiro nascimento cristão.

    Espero que este Natal todos nós aceitemos o desafio, e que este Natal não seja apenas mais um natal.

    Abraço forte
    j

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  3. Anónimo23:48

    MC!

    Muito obrigado!

    De facto não estamos abandonados... Se assim fosse a fé, a esperança e a caridade deixariam de ter sentido...

    Acredito na mudança... É Natal!
    Um beijinho!

    j!

    Também a ti, muito obrigado!
    Os milagres acontecem se estivermos dispostos a recebê-los e a pô-los em prática.. :)

    Obrigado pelo desafio...

    Um Grande Abraço!

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  4. Anónimo00:21

    Parece-me bastante lógica a tua pequena dissertação, pois não é apenas de história que falamos aqui! É realmente importante vermos finalmente e sentirmos o que é afinal este relacionamento com a ideia desta religião e com as nossas crenças! Não posso acreditar que esta igreja faz bem quando «marginaliza» determinadas pessoas, fazendo-nos ignorar os problemas e condições de cada qual! Muitos pensarão, vendo-se nestas circunstâncias, que o importante é a relação que temos com Ele e o resto limitamo-nos a acompanhar... Não!! Acredito em algo muito melhor do que isso e sinto que Ele está próximo de todos nós... Não penso que «esta igreja» esteja disposta a mudar, pois muitos e muito anos de «tradição» impedem as pessoas, muitas vezes, de verem as coisas «pelos olhos de Cristo» e como me pareceu que Ele queria que vissemos as coisas... Não acredito que Ele pretendeu apenas mostrar a sua misericórdia e bondade, mas dar-nos uma lição para que vissemos e nos mostrasse como agir... Somos porém bons nas palavras nem tanto com as acções... Por isso julgamos e vemos com algum desdém se alguém tenta «mexer» em tantos séculos de tradição cristã! Eu acredito, que se é para melhorar, vamos ver... vamos tentar perceber... não julguemos, e quem sabe assim poderemos ser mesmo um só em Deus e não vários para Ele.

    Pedro Lopes

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