terça-feira, 31 de março de 2015

A entrega não tem nome




Randy Krieger


[Secção outros tons: especial 3.ª feira da Semana Santa] As palavras de compromisso são reduzidas a nada quando se trata de voluntarismo em jeito heróico. Sigo-te de peito inchado, nesse orgulho da valentia que vê a realidade em escuridão. A entrega não tem nome. Nem lutas. No cru dos acontecimentos, quando o medo e a vergonha falam, vomitarei o não. Por três vezes. Em penas cantadas o corpo sentirá o embate da fragilidade: de pernas, de coração, de alma. Aí serei discípulo, não pelas minhas forças, apenas pela graça do teu dom.

Visita do Pai José e da Mãe Maria




Hoje, no final da Avenue “Camoens” - é assim que está escrito ;)


[Coisas extra-quotidianas em Paris] Foram poucas as vezes que os meus pais e eu tivemos férias juntos. Isto de trabalhar com turismo faz com que as minhas férias de escola não coincidissem com as suas. Mas, das poucas vezes que as tivemos foi de aproveitar, em conversas, em petiscos, em passeios, nos risos de manias de cada um de nós três. Agora foi em Paris. Dias intensos de pais e filho. Quando estávamos com alguns amigos meus daqui lá vinham as buscas de parecenças. Sim, há o lado físico, mas do que mais gosto é saber que deles recebi o sentido de justiça, o carinho e preocupação pelos outros, a honestidade, o respeito e muito mais. Também alguma teimosia e o lado preguiçoso, sobretudo na “ronha matinal”. Sem esquecer o bom humor. Deixei-os há pouco no aeroporto, a esta hora já devem de estar a voar. Pai José e Mãe Maria, foi tão bom ter-vos aqui estes dias, com todos os mimos trocados. Até breve. Beijinhos. Filho.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Pedir ajuda




Vito Dozio


“E?” deveria ser uma das respostas quando alguém partilhasse que está ter acompanhamento psico-terapêutico. Entenda-se este “e?” como retrato da normalidade da situação, que, infelizmente, não é muito considerada como tal. A doença, a vulnerabilidade, a fragilidade ao nível mental, psíquico, afectivo, são ainda vistas como sinal de fraqueza e desprezo no mundo que avança apenas para os fortes, os super-heróis da excelência, do topo, do máximo. Não quero entrar em dramatismos, nem dizer que toda a gente deveria passar por um psicólogo. Apenas apercebo-me que há cansaços humanos a surgir de forma tão suave que não se dá pela presença e depois nota-se cada vez mais gente sem sentido para a sua vida, rodeada de frustração, porque não é aquilo que não tem de ser, mas que a explosão da imagem da “perfeição” impõe que seja. Isto acontece em âmbitos profissionais, sociais e religiosos. Se há respeito pela vulnerabilidade do outro é sinal que se tem consciência que esta faz parte da condição humana, sabendo que poderá pedir ajuda no momento certo, sem medo de se ser julgado ou olhado como “coitadinho”. Talvez possa ser o início de um caminho que, evitando mortes lentas ou inesperadas, abrirá portas de Vida.

quarta-feira, 25 de março de 2015

De um segundo para o outro



Sherry Zhao


[Secção “em modo pensativo diante dos acontecimentos do mundo”] É sabido que tudo pode mudar de um segundo para o outro, por vontade própria ou por imposição. Seja pela positiva ou, infelizmente, por algo triste, obrigando, em ambos os casos, a repensar a vida, as perspectivas, as decisões. Há um sentido de humanidade diante destes momentos que transcende, provoca perguntas mais existenciais, vontade de tanto ou de nada, em força ou impotência. Aí não valem grandes reflexões ou considerações, apenas o viver de um abraço… e perceber que nunca se deve desperdiçar a oportunidade em dizer a quem se ama, de amor, de amizade, de familiaridade, de carinho: gosto muito de ti. Tenho para mim que é o que Deus faz connosco em cada instante.

terça-feira, 17 de março de 2015

Entre "terra" e mal que se infiltra




Carlos García Pozo/AP - Javier Espinosa com o filho, à chegada a Madrid


Estou a escrever sobre a importância do corpo na relação com Deus. Foco em particular S. Ireneu de Lyon e Tertuliano (ambos do séc. II): atacaram fortemente as posições gnósticas que separavam o corpo da alma, sendo, claro está, o corpo algo desprezível. Há passagens dos seus textos de grande beleza, mostrando como participamos todos da mesma “terra”, nesse sentido metafórico da criação. Paralelamente, não por estudo, mas por actualização dos acontecimentos do mundo, também vou lendo sobre o terror que continua a acontecer pelo auto-denominado Estado Islâmico. Tenho estado a ler a reportagem sobre o jornalista espanhol Javier Espinosa que esteve preso às mãos dos terroristas durante 200 dias. É assustador, monstruoso, doentio, perverso, o que fazem. Mas que tem uma coisa que ver com a outra? Isto põe-me o pensamento a mil. Somos feitos da mesma matéria biológica destes que matam segundo as suas lógicas [irracionais, diga-se]. Não, a comparação não é rápida, obviamente que há distinções, precisamente pela complexidade humana nas dimensões biológica, psicológica, social/cultural, espiritual. Não é por acaso que se desenvolve a ética humana, com o seu cariz universal. Dizer que o mal não está na terra da qual todos participamos, que para mim é desejada e amada por Deus. Na nossa complexidade de ser, o mal, como ausência de bem, infiltra-se por muitos esquemas, sobretudo na ânsia de poder e de inveja mal resolvida, algumas vezes degenerando em frustrações, onde em extremos leva novamente ao sofrimento e à morte de muitos, nesse anular de toda a possibilidade de diversidade. Como já tenho escrito é fácil ver o mal presente nas acções dos outros (e sim, claro, há que ver e denunciar), o que custa mesmo é perceber que também eu posso estar sujeito a esse mal. Daí a necessidade de vigilância: na formação [diferente de formatação] de consciência que me leve ao respeito pela diversidade humanizante; no reconhecimento que não tenho a última palavra; na fé que também liberta esquemas de opressão ora pessoais, ora de outros que posso controlar, mostrando-me a responsabilidade dos meus actos. Mas, confesso, no meio disto tudo, parafraseando Martin Luther King, continua-me a fazer confusão não o grito dos terroristas, mas o silêncio dos “bons” ou dos que podem tomar decisões à séria diante das atrocidades, de lá e de cá, que continuam a acontecer.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Pirilampos




David Liittschwager

Poeta, dizem.

Enrubesci.

Pensei nos pirilampos:
apenas se avistam
a partir do entardecer,

brilham e voam 
por paixão.


domingo, 15 de março de 2015

Confissão. Misericórdia.




William Kerdoncuff


Depois de ter recebido a absolvição de Deus, abraçou-me emocionado. “Padre, desculpe, mas pela primeira vez apercebi-me da importância de confessar-me a um padre.” Sorri e perguntei, meio tímidamente, se poderia saber porquê. “Sabe, entrei a dizer as coisas do costume e apercebi-me que o senhor não estava a acreditar em mim.” “Ai, desculpe se fui mal-educado, mas não era não acreditar. Vou-lhe ser sincero, senti mesmo ‘as coisas do costume, quase porque sim, porque se aproxima a Páscoa e há que cumprir’. Fico sempre com pena que não se aproveite bem a oportunidade da graça de Deus que se vive neste sacramento. Não que as coisas do costume não tenham a sua importância, mas corre-se o risco de ficar pela rama.” “Pois, é isso. Com o seu olhar e depois quando me pediu se podia perguntar-me algo, apercebi-me que queria ajudar-me no encontro com Deus. Nunca ninguém me tinha perguntado em confissão se sou feliz na minha vida e se faço os possíveis para que os outros sejam felizes. Não, não peça desculpa. A forma como me perguntou, nem sei, foi como se a vida me passasse à frente e dei-me conta do que acabei por dizer depois. O alívio que…” [Emocionou-se novamente. Ficámos por ali e despedimo-nos com um grande sorriso] Desde que sou padre tem sido sobretudo neste sacramento que vivo momentos muitos bonitos. Sinto-me pequeno diante do poder que me é confiado para, em nome de Deus, libertar ou pelo menos começar a libertar dores, angústias e pesos de decisões que levaram a acções que, sim, também mataram e roubaram muito de vida para além da biológica. O Papa Francisco anunciou o jubileu da misericórdia. Se a misericórdia é vivida à séria dá-se um grande passo no sentido da liberdade e do amor de Deus  em cada um de nós.

sábado, 14 de março de 2015

70 anos TAP



Mário Raposo, no dia da minha ordenação


70 anos é muito tempo: em voos, passageiros, bilhetes, bagagens, “cocotes”, também em histórias, amores e desamores, rivalidades e amizades, cansaços, tristezas, separações e abraços. Profissionalmente nunca fui TAP, mas são muitos  os amigos, de terra e do ar, que lá trabalham a fazer parte da minha vida (ainda mais quando actualmente a PGA está incluída no grupo, juntando os “code-share” com a SATA). Hoje penso de forma especial em todos vocês, rezando pelos voos pessoais e profissionais, ainda mais nestes tempos de turbulência. Quem sabe um dia não serei o primeiro padre a voltar a vestir a farda, a fazer demonstrações de segurança e, claro, a confessar depois do serviço de refeições. ;) Aos de terra: boas preparações de partidas e chegadas. Aos de ar: bons voos.

sexta-feira, 13 de março de 2015

2 anos de pontificado de Francisco




Alessandra Tarantino / Associated Press


O tempo passa depressa, muito depressa. E tanto acontece nessa força de tempo. O mundo segue o rumo e a Igreja vive o sentido da Encarnação, nesse actualizar a presença de Deus no hoje concreto. Por um lado, a renúncia de Bento XVI, em liberdade de consciência, pondo Deus no centro. Por outro, a eleição de Francisco como Papa que impulsiona à reforma da Igreja, nesse caminho desejado, mais que superioridade ou “olhar de cima para o mundo”, de serviço na escuta dos “sinais dos tempos”. 2 anos passam desde aquela noite em que Francisco, após a sua eleição, fala com simplicidade aos católicos e a todas as pessoas de boa vontade, inclinando-se depois de pedir a todos a oração pela sua missão. É isso, no anúncio e serviço da Igreja de Cristo que não selecciona, nem condena, mas convida à conversão de coração em sentido de acolhimento, em palavras e em gestos, em especial pelos que mais sofrem.

quinta-feira, 12 de março de 2015

A noite surge de veludo



David Evans

A noite surge de veludo,
seduz o imaginário,
e perde-se nas horas.

O vinho decantado
abre as conversas,
surpreendentes.

O instante inesperado
anuncia a hora
da partida. 

Serão sempre
histórias que ficam
por contar.



Situação humanitária




Na capa do “Le Monde” de hoje vemos a foto de mulheres a rezar numa Missa de rito assírio em Beirut, Líbano. A notícia destacada refere-se ao êxodo de cristãos que fogem da Síria e do Iraque devido aos ataques do  auto-denominado Estado Islâmico. Assim que vi a capa mais uma vez entristeci-me pelo que se vive no mundo, mas fiquei animado por este jornal de referência mundial dedicar atenção a esta grave situação humanitária. Os 21 cristãos coptas assassinados há dias foram imagem de tantos outros desconhecidos. Isto não é um problema de lá, mas também de cá… são muitos os europeus a alistar-se cada dia a este movimento terrorista. Por outro lado, também aumenta por cá a xenofobia: não esquecer que um grupo neo-nazi levou à demissão do presidente de uma câmara alemã, por viver ameaças de morte. Pois, não se trata de fazer guerra de religiões, mas de buscar estratégias para que se viva dignamente a humanidade e a fé para além da economia e da política. A educação, em especial de valores humanos, é um, senão o, caminho… mas essa pelos vistos também anda esquecida em nome, mais uma vez, de dinheiro e de interesses pessoais. Sigo a rezar pela paz e pela humanidade.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Chá de Violeta Imperial




“O Sal da Terra”, sobre Sebastião Salgado, continua a fazer eco. As perguntas são muitas, como se mergulhado num rodopio de imagens com rostos, terras, árvores que crescem depois de plantadas por mãos que num clique abriram a perspectiva de sombras, dando luz ao desconhecido. Sinto-me envolto em mundo, aqui fechado no quarto, rodeado de livros de pensar Deus. Paro. Recordo o momento libertador de hoje na aula de dança. Ao som de “Una patada en los huevos” de Alberto Iglesias segui as orientações da Diana: “transforma el movimiento, no lo cambies bruscamente. Acepta lo que vives, entrégate, como eres llamado a hacerlo”. Trouxe o presente de que foi intermediária vindo de Groix, uma ilha do mar bretão: chá de violeta imperial. Saboreio-o na chávena pessoana que me acompanha há anos, também ela presente, “Eu sou do tamanho do que vejo… e não do tamanho da minha altura”. E neste silêncio, seguindo em caminho de Quaresma, entrego o que não compreendo e a minha, talvez pouca, fé ao Senhor de todas as coisas.

terça-feira, 10 de março de 2015

"O Sal da Terra"




Sebastião Salgado


“Quem é o ser humano?” Esta pergunta atravessa-me a vida desde há muito. Tomei-lhe mais consciência quando estudei filosofia, em especial antropologia filosófica. Sim, já antes me perguntava sobre tanta coisa à volta do humano, quando ficava preso aos programas tipo National Geographic, quando observava as pessoas na rua, sempre tive essa mania, quando andava em busca de mim, para no fundo ajudar os outros. Enfim, quando alimento esse sonho de conhecer todas as pessoas do mundo. “Quem é o ser humano?” Esta pergunta ecoa-me dentro muitas vezes, sem que a formule. Na oração, no silêncio de mim durante a viagem de metro ou passeio, mais uma vez observando rostos. Hoje voltou… e com presença destacada. Fui ver “O Sal da Terra”, um documentário sobre o fotógrafo Sebastião Salgado. As imagens falam, muito, acompanhadas com as descrições do que viveu de alma e de corpo depois de realizar os vários projectos fotográficos. Fotografou a vida e a morte, o planeta, rostos e mãos, o ser humano. “Eu tinha de fotografar para que ficasse registado a capacidade violenta do ser humano”, comentava a propósito de Êxodos. Neste projecto fotografou a imensidão de gente refugiada no Congo, a fome na Etiópia, as marcas do genocídio do Ruanda. “Quando terminei este projecto senti-me doente. Não estava infectado com cólera ou peste. Estava doente de alma.” Regressou à quinta dos pais, onde nasceu, e com a mulher, Lélia, fundaram o Instituto Terra que promove a reflorestação de terras devastadas pela seca. Plantaram mais de um milhão de árvores, de mais de 400 espécies. Dá-se a reconciliação com a fotografia em jeito de cura de alma e surge o projecto Génesis: voltar às origens da criação. “Estava na altura de aprender a fotografar animais.” Mas não só animais, também a simbiose com o ser humano, nessa harmonia que deveria ser a mais natural de todas. Quando saí do cinema, pensei no ser humano, não no vago, nesse abstracto que se dilui na teoria, mas em rostos: dos mais próximos aos mais longínquos, dos que conheço pessoalmente, aos que me são dados pelas imagens reais de alegria e de dor, muitas deles acabadas de receber do documentário. Percebe-se que muito, para não dizer todo o sofrimento cultural resulta do poder desmedido de alguns. Assim continuamos, desde a Ucrânia, aqui ao lado, até aos países árabes um pouco mais longe, sem esquecer a África e América Latina. A corrupção, a mentira, sem vergonha de enganar e exigir os impossíveis a quem não pode dar. Fomentar a morte, biológica (de pessoas e da natureza), cultural, educacional, em nome de interesses económicos e políticos. Invejas e mesquinhices que fazem perder tempo e sentido de vida. “Quem é o ser humano?” Não encontro respostas definitivas… de momento vou tendo esta, também modelada pela fé, com reconhecido toque de ingenuidade: alguém com desejo de ser amado e de amar. Para apurar a resposta, continuo em caminho…

segunda-feira, 9 de março de 2015

O silêncio tomou a palavra



Hideki Mizuta


O silêncio tomou a palavra.

Na densidade de corpo,
no caminho feito,
ponderado,
com quedas,
ingenuidade,
e vontade de amar.

O silêncio tomou a palavra,
e o gesto a existência.


domingo, 8 de março de 2015

Infelizmente celebramos o dia da Mulher



Projecto "Last moves before dusk" de Brice Portolano

Infelizmente celebramos o dia da Mulher. Infelizmente, já em pleno séc. XXI, ainda há que chamar a atenção para a igualdade em dignidade da mulher em relação ao homem. Infelizmente ainda há tantas mulheres que recebem menos que os homens pelo mesmo trabalho. Infelizmente ainda há tantas mulheres que são abusadas: no trabalho, em casa, no seu Ser. Infelizmente ainda há tantos homens que consideram a Mulher como o objecto ao seu serviço. Infelizmente ainda temos de celebrar o dia da Mulher.

Há muitas considerações sobre a criação da mulher a partir da costela de Adão. No relato do Génesis (2, 21-25) pode parecer, numa leitura meramente superficial, que aquando da criação há uma superioridade do homem em relação à mulher. Engano, se se segue essa leitura! O relato mostra-nos a criação do ser humano como comunidade. Mais do que se completar, ambos, mulher e homem são complementares um ao outro. Quando o homem expressa que a mulher que acaba de ser criada é “carne da minha carne, ossos dos meus ossos”, afirma que a mulher, tal como ele, é igualmente frágil (a ideia de carne como fragilidade, como aquilo que é temporal) e igualmente forte (a ideia dos ossos como força, como duradouro). Pode-se dizer que esta formulação corresponde a uma aliança... a tal complementaridade. 


Sim, infelizmente temos de celebrar o dia da Mulher. Não deveria ser necessário. Mas já que o é: um abraço a todas as mulheres com quem tenho relações de família e amizade, agradecendo tudo o que delas recebi e recebo.


sábado, 7 de março de 2015

[A preparar o III Domingo da Quaresma]




"Vasos #23" de Martin Klimas


[Jo 2, 13-25] *

O tempo
nem sempre é sincronizado.

Havendo tempo para tudo,
também o há para desmontar
a linearidade lógica das coisas.

Abrem-se as portas e os umbrais,
derrubando as mesas, 
ordena-se o caos, 
estabelecendo a harmonia 
do novo olhar.

Rolas e pombos já não justificam os pobres,
os bois regressam para lavrar a terra,
a misericórdia não é feita dos seus sangues.

Ainda há quem diga que é loucura,
loucura escandalosa
para quem quer tudo acertado
em regras e segregações.
Já não são moedas, poder ou jogos,
actividades de distâncias
- sociais, religiosas, políticas -
que abrem a passagem.

É o rosto
do novo olhar
desnivelado.


Eis o sinal. 


* Estava próxima a Páscoa dos judeus; Jesus, então, subiu a Jerusalém. No templo, encontrou os que vendiam bois, ovelhas e pombas, e os cambistas nas suas bancas. Então fez um chicote com cordas e a todos expulsou do templo, juntamente com os bois e as ovelhas; jogou para o chão o dinheiro dos cambistas e derrubou as suas bancas, e aos vendedores de pombas disse: «Tirai daqui essas coisas. Não façais da casa de meu Pai um mercado!» Os discípulos recordaram-se do que está na Escritura: «O zelo pela tua casa me há de devorar».

Então os judeus perguntaram a Jesus: «Que sinal nos mostras para agires assim?» Jesus respondeu: «Destruí este templo, e em três dias eu o reerguerei». Os judeus, então, disseram: «Trabalharam durante quarenta e seis anos para erguer este templo e tu serias capaz de erguê-lo em três dias?» Ora, ele falava disso a respeito do templo que é o seu corpo. Depois que Jesus fora reerguido dos mortos, os discípulos recordaram as suas palavras e acreditaram na Escritura e no que Jesus tinha dito.

Estando em Jerusalém, na festa da Páscoa, muitos acreditaram no seu nome, vendo os sinais que realizava. Jesus, no entanto, não lhes dava crédito, porque conhecia a todos e não precisava de ser informado a respeito do ser humano. Ele bem sabia o que havia dentro do homem.

sexta-feira, 6 de março de 2015

[...]




Yuga Kurita

O nevoeiro envolvia-te o olhar:
cansaço de horas
de gestos forçados.

Aqueci-te as mãos,
em chá de jasmim.

No regaço pousei
um pequeno ramo
de cerejeira em flor.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Dores. Salmos. Verdade diante de Deus.



Sajad Rafeeq


“Pe. Paulo, estou cansado desta vida!” Engoli, discretamente, em seco. As dores eram demasiado profundas. Sabia que estava a ser acompanhado em ajuda médica e técnica. As dores, essas de alma, latejavam forte. Vinha a questão mais de fé, repetindo incessantemente: “Deus não gosta de mim!” Lembrei-me dos salmos. Alguns são muito duros diante de Deus, em autênticos gritos das entranhas. Perguntei se poderíamos ler um ou outro em conjunto. Assim foi. “Pe. Paulo, mas não estou a blasfemar se gritar a Deus que ele não gosta de mim? Sempre me ensinaram isso!” “Tomara que lhe tivessem ensinado a abrir o coração com toda a verdade de sentimentos diante d’Ele.” E lemos… e rezámos… Emocionado, sentiu um pouco do cansaço da vida a sair.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Memórias




Rolando Rodríguez Leal


[Secção memórias] Ainda em registos de memórias do 12.º ano, graças à música de ontem, recordo a organização das viagens de turma. Como delegado de turma fui responsável pela organização das viagens e, não menos importante, das actividades para angariar fundos. A dos Açores ficou famosa, de tal maneira que no ano seguinte elegeram-me delegado novamente com a ideia da viagem a Londres. Fui eleito com um voto contra… o meu. Foi o suficiente para eleger a sub-delegada. Ehehe!!! São tempos que ficam na memória, sim. Desde a famosa venda de rifas, à venda de bolos, até aos concertos de banda de garagem e concursos Miss & Mister Escola, foi imenso o que fizemos. Recordo bem a colaboração entre todos: alunos, professores, “contínuos” (hoje, auxiliares da acção educativa ou não-docentes) e pais. Foi nesse tempo, quando andávamos pelas lojas a pedir ajuda para prémios, que aprendi isto de “o ‘não’ é garantido, a partir daí só pode ser bom”. Do que mais me deu gozo foi termos conseguido dinheiro suficiente para que todos pudéssemos ir. Do banco voltei a casa com 1000 contos (aprox. 5000 €) no bolso e no dia seguinte fui com o meu pai a Lisboa para pagar à agência. Depois foi viagem a Londres: inesquecível, pela amizade e muitas gargalhadas. Sim, a amizade foi marcante. Nessa viagem tínhamos combinado que faríamos um mega-jantar para comemorar a nossa entrada na universidade. Dias depois das colocações, a professora Marianela comenta-me: “Paulo, sabes que o jantar foi cancelado?” Não, não sabia. Eu não tinha ido, pois não tinha sido colocado. “Não podiam fazer um jantar destes sem ti.” Emocionei-me diante dela: enchi-me de gratidão e de amizade. Que me acompanham até hoje.

terça-feira, 3 de março de 2015

Voices - Vangelis




E assim de repente, apenas a ouvir uma música, voei uns 17 anos atrás. Estaria pelo 12.º ano quando o meu pai me ofereceu este álbum do Vangelis. Lembro-me perfeitamente de ouvi-lo enquanto estudava para os exames nacionais. No coração tinha claro o futuro: medicina veterinária. Não posso deixar de sorrir enquanto escrevo isto. Tanto, mas tanto se passou no entretanto. Encontros e desencontros (humanos e divinos), conversas, decisões, mudanças, viagens, descobertas, histórias, imensas histórias para contar, deixando “ecoar” vozes de muitas partilhas. Brinco muito com a minha mãe por ter as “histórias de Maria”. Hmmm, parece-me que herdei esse lado, vivendo as “histórias de Paulo”. ;) Sabe bem voltar a ver a riqueza do caminho feito, sem julgamento… apenas ver, saborear e agradecer.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Presente(s)



Nicolau Pinto Coelho

Tocaste suavemente à porta.
“Entra” respondi. 

Indicas a janela.
Cheguei a tempo
de receber o presente,
que nunca será meu.

Iluminou-se 
a sombra de mim.
Tu nunca serás meu,
mas nosso, sem
morada ou templo.

Com a mesma suavidade 
saíste,
sem bater a porta. 


A rezar pela Leti


Leti no Cambodja, onde fez meses de voluntariado

Já passaram 5 dias desde o acidente. A Leti (Letícia) atravessava uma passadeira quando foi atropelada por uma moto conduzida a velocidade bastante excessiva para o local. Foram muitos os danos sofridos e neste momento o que continua mais crítico é o cérebro. Ontem foi operada, com sucesso: conseguiram retirar dois grandes coágulos que pressionavam a parte frontal do cérebro. Apesar de tudo, a situação continua muito delicada. A equipa médica mantém bastantes reservas. Já sabemos que do nada tudo pode mudar nas nossas vidas, mas há coisas que se evitam. Neste caso, a velocidade. Se estamos com pressa, que se ajuste o tempo para chegar a horas. Se gostamos de adrenalina, que se vá para onde seja possível libertá-la e vivê-la com segurança para todos. A Leti tem grande força, fé, determinação e entrega. Somos muitos a rezar. Das mensagens que tenho recebido, a todos tem marcado a serenidade dos pais, confiando no melhor para ela neste momento. Somos muitos a pensar e a rezar pela Leti. Tenho juntado à minha oração o rapaz que conduzia a moto. Para quem a conhece, é certo que a Leti seria das primeiras a pensar nele. 

Leti, todavía tienes mucho a dar, como tu sonrisa, sobretodo a los que más necesitan y tanto quieres. ¡Leti, estamos por tí! #rezandoporLeti

domingo, 1 de março de 2015

Do concreto...



Gus Schiavon


Tenho consciência de que quando escrevo ou penso em palavras de peso como “humanidade”, “pessoa”, “ser humano”, “liberdade”, “comunidade”, “religião”, etc e tal, há o perigo de ficar na “coisa bonita e blá blá blá”, totalmente abstracta. No fundo, ficar no frio conceptualismo que fica bem em teses ou escrituras ideológicas. Por isso, quando escrevo tento sempre pensar em histórias com rostos concretos, decisões bem ou mal tomadas, situações que me ajudaram a ver outras perspectivas. Muitas vezes acabo por modificar o texto final. É muito fácil ter opinião, mas sabê-la construir com sentido, ao ponto de estar disposto a modificá-la em nome de um bem maior tem o seu quê de exigência, implicando também o perder. É o serviço do discernimento aliado à conversão.