sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Escuta [do sofrimento]




Amy Toesing

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“Estás preparado para escutar o sofrimento?” Perguntou-me um jesuíta quando ainda estava no noviciado. Respondi que não sabia, era tudo tão novo. De vez em quando esta pergunta vem ao de cima. Uma vezes, qual super-herói, dizia que sim. Nestes tempos, tenho escutado muitos desabafos, acompanhado histórias e apercebo-me que escutar o sofrimento, melhor, pessoas que sofrem, tem de ser preparado com escuta pessoal, formação e amor. Algumas pedem justificações, outras simplesmente o abraço, outras que chore com elas… e confirmo: a grande preparação acontece na oração. Se não é a força divina a ajudar, a vocação não tem sentido.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Tempo para mim



Christophe Debon

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Há dias que não aguento mais informação e surge aquela sensação de: “tenho de marcar na agenda um tempo para mim”. Ou seja, arranjar tempo para amar-me, gostar-me e, atrevo a dizer, desejar-me. Poderá parecer um pouco narcisista, mas não fiquemos pela “superfície”. É apenas um tempo, na imensidão da entrega diária: às vezes basta-me tomar um café, comer um “pan au chocolat” ou dar um passeio, com o telefone desligado, por um jardim ou a ver montras. Se o mundo acabar nesse momento, pelo menos estou recomposto para enfrentar a nova realidade.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Credibilidade [ou não] ;)



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Sei que tenho uma credibilidade a manter. Sou um membro do clero, respeitável, formal e nada flexível. Além do mais, a vida é feita de sofrimento, ascese, abnegação… e tenho de ser exemplo. Relembro-me isto todas as noites, no meu exame de consciência. Acreditaste, não foi Miguel? 


[Saliente-se que este rapaz participa num blog: "Comédia e Maminhas" - Oh GOD, que nome, já-se-me queimam os olhos só de ler - http://comediaemaminhas.blogs.sapo.pt/]


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Feridas



Alex Coppel

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“Paulo, desculpa estar sempre a contar a mesma coisa. Parece que não mudo de tema.” Respondi: “Há feridas que são muito grandes e que, por várias circunstâncias da vida, infectaram. Têm de ser limpas e protegidas. Mas não se curam de um dia para o outro. Na vez seguinte tira-se a protecção e repara-se que já fechou mais um bocadinho. Contudo, pode estar suja outra vez. Volta-se a limpar e a proteger. Já vês: a ferida é a mesma. Pior, é quando dói horrores e nem sequer se olha para ela. Essa dor espalha-se e a tendência é amargurar a alma. A limpeza faz doer, mas é a dor de curar. É de valentes a coragem de olhar para a fragilidade e feridas”.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher



John Clang

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Actualmente, há muitas mulheres que vivem sem confiança em si próprias, pois prevalece o medo de levar mais pancada e sentir mais pressão psicológica, violando a sua intimidade em todos os sentidos. A dor é forte, mas muitas vezes silenciosa e que até mata. Se o medo tem a última palavra, a ajuda a dar a estas mulheres é dizer-lhes, num 1.º momento de forma muito indirecta, “aqui estou”, de modo que a confiança tão fragilizada possa reaparecer. Num 2.º, sempre que possível, derivar para um acompanhamento que restaure a auto-estima e confiança plena. Infelizmente hoje é o dia contra a violencia de género. Infelizmente, pois ainda é uma triste realidade a recordar…


domingo, 24 de novembro de 2013

Equilíbrio(s)



Junaid Ahmed

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O equilíbrio não se pode tabelar pelo meio. Há alturas que um bom murro na mesa é a acção mais equilibrada. Outras, “engolir o belo do sapo”. Também pode acontecer que, não abrir a boca, mesmo tendo toda a razão do mundo, pode ser o mais sensato. Não me parece que se ponha em causa que Jesus foi equilibrado: expulsão dos vendilhões do Templo; a resposta da sírio-fenícia; os silêncios na Paixão. O seu reinado não é deste mundo… o critério para o seu equilíbrio é o do amor. Daí a Cruz como trono.

sábado, 23 de novembro de 2013

Lutas com Deus



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Não sei quantas lutas com Deus já tiveram. Grandes, grandes, passei por duas. Na mais recente, fiquei sem vontade nenhuma de ir à Missa. Acabava por ir e sentava-me nas últimas filas. Apesar de tudo, havia a certeza do Mistério que é maior que eu e era precisamente por isso que podia lutar. Um dia cheguei mesmo a gritar-Lhe, numa sala escondida. De vez em quando passo pela Igreja de Saint Suplice, onde está esta pintura da luta de Jacob com o Anjo. Confirma-me que não se deve de ter medo do combate espiritual… mesmo com Deus. No final, fui vendo-o cada vez mais como o Pai que me quer a crescer. E sirvo-O com maior liberdade. 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Ser [é isso: ser]



Pronob Ghosh

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Lembro-me daquela noite. Ainda não viva em Lisboa. Fui com a Suzanne ver a peça de teatro “Freud bate à porta” no D. Maria II. Queríamos mesmo ver o “Rei Lear”, mas estava esgotado. Quando acabou a peça, fomos, por minha insistência, para a porta por onde saiam os artistas: eu queria conhecer gente “famosa”. Falámos com alguns actores, sim. Em mim havia o desejo de: “se conheço gente famosa posso tornar-me famoso também”. Hoje sei o que estava por detrás deste desejo: o de “ser alguém”. Pensava nisto tudo, depois de ter celebrado na catedral de Notre-Dame, dos “likes” e comentários que tive na fotografia com o Arcebispo de Paris. Também por me ir tornando uma pessoa pública, onde, juntando às pessoas que conheço, muitas que desconheço pessoalmente me acompanham no que escrevo ou digo. Pela lógica, segundo aquele desejo antigo, estou a “ser alguém”. UAU! Nestes dias, no banal quotidiano, ao fazer as coisas simples de vestir o pijama e deitar-me, comer, lavar os dentes, de ter preguiça em estudar e sair com o frio que está, recordar as alegrias e falhas, voltei a algo importante: “ser alguém” não pode ser medido pela “fama”, mas por ser-se plenamente nas pequenas e grandes coisas, independentemente se se é conhecido ou não. E rezo: “Senhor, de coração peço-te, dá-me humildade e liberdade, para que, aconteça o que me acontecer, nunca esqueça, como pecador, o quanto sou amado para além de qualquer qualidade ou defeito”.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Coisas desagradáveis [ ;) ]




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Este post poderá ter um tom desagradável (peço desculpa aos mais sensíveis), mas coitado de quem não vai à casa de banho com regularidade. Depois da digestão feita, qual processo orgânico, o que está a mais é convidado a sair. Um traquezinho (ou -zão) dá sempre vontade de rir, ou então surge a vergonha por ter de se ir à casa-de-banho, com os cheiros e afins. Dá-me que pensar: se o nosso corpo se livra dos restos, então claramente o que cheira mal na nossa vida também é para se libertar. Nós, crentes, chamamos de pecado… e guardá-lo só faz é mal. Dá vergonha contá-lo(s), mas… quem não os tiver que atire a primeira pedra. Diz que do mais velho ao mais novo, todos saíram sem atirar. Afinal, todos precisamos de ir à casa-de-banho. ;)

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Missa na Catedral de Notre-Dame de Paris



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Ontem co-celebrei como diácono na Catedral de Notre-Dame de Paris. Foi a Missa dos  Estudantes, de abertura do ano lectivo, presidida pelo Arcebispo de Paris. Costumo chamar a estas celebrações de “Business Class litúrgica”, pelos imensos pormenores a ter em conta. ;) Na sacristia perguntavam-me se era capelão de alguma faculdade ou escola. Respondia: “sou simplesmente um estudante”. Houve olhares de surpresa, como se tivesse de haver uma qualquer razão útil para lá estar. Tenho para mim que a vida religiosa não é uma questão de utilidade, mas de entrega. Cheguei a casa e voltei aos estudos.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Há pessoas de quem não gosto.



Edwin L. Wisherd

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Há pessoas de quem não gosto. Ou não tenho grande compatibilidade relacional. Tal como ao contrário. Lembro-me de ter passado por escrúpulos em admitir isto, achando que por ser jesuíta tinha de gostar de toda a gente. Isto não significa ser rude, ou mal-educado. O que sou chamado é a respeitar. No entanto, também tenho vivido boas surpresas… [sobretudo quando perco alguns medos. Apercebo-me que estou à defesa. Há coisas em mim que não gosto ou tenho vergonha e acabo por projectar em quem não tenho simpatia] … não ficámos melhores amigos. Houve, sim, oportunidade para conhecer outros lados de ambas as parte. 

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Comparações



Sam Abell

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Tenho-me debatido com as “comparações” e percebo que podem ser uma mina de enganos. É certo que vendo outras vidas diferentes da minha posso relativizar muita coisa e passar a agradecer o que tenho. No entanto, há marcas da história que têm de ser olhadas com carinho e respeito sem o “há quem sofra mais do que eu”. Sim, é certo que há. Mas, ter a coragem de entrar na própria “ferida”, com apoio se tal for necessário, ajuda a cicatrizar e a descobrir a sensação de liberdade… para depois, na medida do possível, ajudar “a quem sofra mais do eu”.

domingo, 17 de novembro de 2013

Missa [entre a apatia e a vida]



Nicholas Wiesnet

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Sempre que venho de Missas onde a assembleia está apática, onde se nota que se limita a cumprir, em que a celebração não é lugar de Encontro, penso: Que temos feito para se chegar a este ponto? Facilmente depositamos as culpas na sociedade, no abandono da fé. Mas esquecemos a dose de paternalismo, onde surge: “pobres de vocês que não percebem nada disto da fé”. Olhando para as mãos a quem dei a comunhão, percebo que esses e essas têm muito a ensinar sobre a fé. Enquanto não se convidar a trazer os tachos, a esfregona, os alunos, os doentes e a doença, as fotocópias, a enxada, o volante, a fome, os livros, as dores, as conquistas… a vida, a VIDA tal qual é… sim, a Missa será sempre uma seca. E o problema não é “deles”, é nosso.

sábado, 16 de novembro de 2013

Excessos [de religião neste caso]



Huzzatul Mursalin

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Como qualquer excesso, o de religiosidade pode fazer mal e nem sequer vir de Deus. (Não falo do fundamentalismo, apesar de ser claramente um excesso de religiosidade aliado ao de estupidez). Viver em relação com Deus não implica “Pais-Nossos” por tudo e nada. Quem mora no fogo divino não tem medo das coisas terrenas e sabe vivê-las como terrenas que são: chora com os que choram, ri com os que riem, alegra-se com os que se alegram, indigna-se com os que se indignam com a injustiça, celebra com os que celebram, ajuda os que precisam de ajuda.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Comunhão [encontro]



Kathleen McLaughin

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Dos momentos que mais gosto da Missa é o da comunhão. Gosto de olhar o rosto das pessoas e sorrir-lhes. Para algumas talvez seja o momento de maior indignidade, para outras a rotina de cada domingo, para outras a possibilidade de encontro depois do perdão pedido, para uma pequena parte, e sim, possível, o alimento do dia. Não conheço as suas vidas, pecados, misérias ou alegrias, e naquele momento nem me interessa conhecer. Interessa-me sim que ao comungar descubra a liberdade do Encontro. Por isso sorrio. Pequena ou grande, naquele coração há festa. Deus não perde oportunidades.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

[Pequenez do que se sente]



Romeo Ranoco/Reuters

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Quero escrever, mas sai-me o silêncio. Aquela secura de não saber que dizer ante a pequenez do que se sente. O Sábado Santo desperta ao som de um furacão. Na escuridão da pergunta “Onde estás?”, escuto as lágrimas da dor. Ele, sem abrir boca, revela o coração enquanto chora. Do outro lado do mundo, seja ele qual for, a vida continua. Só pode continuar. 

[A Fundação Gonçalo da Silveira, também dos jesuítas, abriu uma conta para poder ajudar as vítimas do furacão:
000.10.588982-8 Emergência Filipinas (Montepio)]

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Ajuda para as Filipinas [a partir da Fundação dos Jesuítas]




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Nós, jesuitas, acabámos de receber uma carta do Provincial das Filipinas. Reforça o que tem sido noticiado sobre o sofrimento das pessoas (mortes, desaparecimentos e desespero) após a passagem do furacão Haiyan. E, claro, pede ajuda, muita ajuda. Deixo o link da Fundação dos Jesuítas nas Filipinas, onde se pode seleccionar ajuda às vítimas do furacão. A ajuda é feita em dólares: (1 US dólar = aprox 0,75€). Além da ajuda, reconhecendo que por vezes, tendo em conta a crise que muitos atravessam, não podendo de todo apoiar financeiramente, pede-se a oração, por exemplo, para que no meio de tanta decisão a tomar, se encontre a serenidade possível para tomar as ajustadas. 

Fundação dos Jesuítas nas Filipinas: http://www.phjesuits.org/pjf/share.php

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Estar ao lado...



Satoki Nagata

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Já foi há uns tempos. “I., tens de ir denunciar o sistema! Como é que não te chamam, a ti, paciente de cancro, há mais de 2 anos, quando devia ser de 6 em 6 meses? Reclama, tens de reclamar. É injusto!”. “Paulo, sabes o que é viver a pensar que podes ter uma bomba-relógio a surgir dentro de ti e não dares conta? Achas que não penso nisso todos os dias? Já reclamei 3 ou 4 vezes. Nada. Por isso não me digas para reclamar, por favor!”. Engoli em seco. Pedi-lhe desculpa. Aprendi que “Indignar com…” não é fazer da pessoa estúpida, é estar ao lado… mesmo na impotência de não poder fazer mais nada, além de rezar. 

domingo, 10 de novembro de 2013

"Que significado tem Deus para mim?"



A propósito do post de ontem, publico o vídeo que deixei, já passou um ano, na página “7 billion others”, sobre “Que significado tem Deus para mim?” em 46 segundos. Aviso que a voz está desfasada da imagem. Como digo muitas vezes, e ao próprio Deus em oração, os testemunhos, as pessoas, as situações, fazem com que de vez em quando haja revolução interior (conversão?) e levam-me a reformular muito do periférico da minha fé em direcção ao essencial, permitindo que “Deus me encaminhe e encaminhe”. 

Recomendo um passeio pela página: http://www.7billionothers.org/


sábado, 9 de novembro de 2013

Entre sonhos e desejos... a humanidade



Fernando Morales

Creio que já comentei por aqui: um dos meus sonhos de criança é conhecer todas as pessoas do mundo. Não sei de onde surgiu este sonho. Tem a sua dose de ingenuidade, reconheço. Aliado a este, seria poder viajar pelo mundo. Não tanto como turista, mas a entrar na cultura. Tem o seu quê de idílico, reconheço. Como crescido, penso no porquê disto: entranhar que todos somos carne da mesma carne, ossos dos mesmos ossos, em dons e fragilidade, na imagem e semelhança divinas. 

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Greve [de palavras]



Luís Barbosa

Em dias de greve, faço greve de palavras. São sempre poucas para exprimir a confusão em que vai o país. Com isto não me estou a manifestar contra as greves, apenas faço greve de palavras. São sempre poucas para exprimir a confusão em que vai o país.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

"A tua fé te salvou!"



Michael Maher

“A tua fé te salvou!” (…) As palavras comem-se. Só assim se digere aqueles momentos em que vida nos leva ao encontro de Jesus. E ele devolve: “A tua fé te salvou!”. Volto a uma página dos meus escritos de há bastante tempo: “O que quero é viver com Deus. Não quero sobreviver. Sou chamado à vida. O ser humano é chamado à Vida. Talvez seja um dos processos da conversão, deixar-me ir a todos cantos da minha existência, do meu sentir, sem temer os monstros ou fantasmas da moralidade. A busca pessoal de Ti passa pela busca de mim”.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Conceitos. [Cruz] Liberdade.



Rui Miranda

É tão fácil fechar as coisas em conceitos ou determinações. Precisamos deles e é mesmo mais fácil que todos sejam e pensem tal qual como eu. É das grandes tentações da humanidade. Eu vivo-a. Digo-me tolerante, que respeito os outros, sobretudo os que sofrem… mas, tenho a tentação em mim de não querer essa diferença. Ela passeia por aqui. O meu estado de atenção diz: não mates a liberdade. É o que me vai salvando. Nesses momentos de lucidez, tomo a cruz e sigo-O.


Coisas do quotidiano [Ou não]




Coisas do quotidiano. [Ou não.] Saio de um seminário sobre o “abandono” na vida espiritual e regresso a casa. No metro venho a ouvir música. Começa esta. Fecho os olhos e perdi-me nos movimentos. Quando os voltei a abrir, outros tantos estavam na minha direcção: “Passou-se!”; “UAU!”; Sorrisos; Acenos de aprovação. Senti-me corar, em que, ainda ouvindo a música, continuava a “menear” a cabeça ao som… e a sorrir “que personagem saí!”. Curiosidades do quotidiano: abandonei-me ao som de “Holographic Universe”… e foi bom! :)

terça-feira, 5 de novembro de 2013

[Surpresas]




Surpresas. Assim posso resumir o que acontece quando menos se espera e se encontra um Companheiro de Vida, numa conversa em que o tempo concentra-se, o espaço reduz-se, dando-se a cumplicidade que quem leu as mesmas linhas e cada um, ao seu modo, escreve(u) poesia divina. Assim, qual oração de meio de tarde ou manhã, faz-se caminho em conjunto. E a melhor de todas as surpresas: deixar-me surpreender. 


Única pessoa no mundo



Alexander Zozulya


Talvez seja egoísmo, mas, quando estou a partilhar algo, gosto que me dêem atenção, de sentir-me escutado, como se fosse a única pessoa no mundo. Se isso acontece, poderei desabafar e libertar o que me oprime, sobretudo no acompanhamento espiritual. Admitir isto, mesmo correndo o risco do tal egoísmo, permite-me algo: quando sou eu a escutar, tento libertar os outros pensamentos, inquietações ou dúvidas… afinal, quem tenho diante, é a única pessoa no mundo.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Desobedecer e misericórdia



Yasuyoshi Chiba / AFP

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[A minha homilia de hoje] Das características que mais gosto de Deus é o facto de desestabilizar os esquemas humanos que impedem a verdadeira relação com Ele. É fácil ter tudo arrumado, numa tradição ou tradicionalismo. Não incomoda e fica-se com a certeza de se ter feito bem: cumpre-se e pronto… ou ponto, ficando-se por aí. Mas, Deus não se fica nessas arrumações. É certo que na Criação ordena… do caos ao cosmos. No entanto, é uma ordenação de desmistificar, que anula o endeusamento dos astros, das estrelas, dos tempos. O modo de ver deus ou deuses cai por terra. Sim, os ídolos caem por terra e começa-se a descobrir parte do verdadeiro rosto de Deus: a misericórdia, para além de cada falha ou aprumo. Quem diria que a partir da desobediência se encontra misericórdia, como nos recorda S. Paulo? Não, não é uma apologia à desobediência tonta e infantil. É o permitir que Deus revolva esquemas muito bem traçados e os encha de sentido: misericórdia. Não nos podemos cansar de repetir e, mais que repetir, viver: misericórdia. 


Na minha experiência como jesuíta, do que mais me tem ajudado, apesar de em muitas ocasiões não achar piada nenhuma, tem sido este “deixar-me desarrumar por Deus”. Confirma-me, por um lado, a pequenez que Santo Inácio tanto repetia: “ser pecador amado”. Por outro, a grandeza: “de ti podem sair coisas grandes, se deixares que Deus te guie”. Nesta palavra, sentimento ou atitude de misericórdia que tenho experimentado, apercebo-me que é por aqui que somos chamados viver a vocação. E o cumprir desaparece para dar espaço à relação que muda e converte corações.

domingo, 3 de novembro de 2013

Vazio de palavras



Steve McCurry

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Podia dar-se o vazio das palavras. Como se em cada momento tivesse algo a dizer. Qual palavra da verdade! Qual deus que de tudo sabe e opina! Resguardei-me. Senti o poder do “não sei”. Não sei que dizer, nem que fazer. O que escutava era demasiado forte, numa experiência que desconhecia. Percebi novamente o que é ser intermediário de Deus, remetendo-me ao silêncio preenchido pela presença. Não eram as minhas palavras necessárias, mas um coração que escuta outro. E o texto foi escrito de gestos.

sábado, 2 de novembro de 2013

Saudade e Esperança



Michael Kenna

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Hoje é dia de saudade. De recordar aqueles que já partiram e deixar que a relação mude, permitindo o encontro na memória agradecida das conversas, dos sorrisos e abraços, dos momentos menos bons e dos silêncios. Hoje é dia de pensar ou rezar por aqueles que não tiveram uma mão amiga que os acompanhasse nesse momento tão forte como o nascer. Os mortos não caem esquecidos, os seus voos não serão apagados… a Vida, como sempre, terá a última palavra. E a saudade alimentará a esperança.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Santidade [em dia de Todos os Santos]



Vladimir Lagrange

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Quero ser santo. Não pela auréola, altar ou ar cândido, mas pela certeza da conversão, de, apesar dos medos ou dúvidas ou pecados, deixar-me transformar em direcção do amor e da justiça. Quero ser santo e quero fazer milagres, dos que aliviam penas e dores, ao jeito de Deus que ama e faz sorrir pelo seu humor, que serena o coração e acolhe, com a ternura do amanhecer. Quero ser santo e dizer-te, a ti que me lês: “Obrigado por, na tua santidade, no teu modo de ser quem és, me ajudares a ser santo”.