quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A minha carta deste Natal





"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida"
Vinicius de Moraes
Queridas amigas, queridos amigos,
Quando estava a pensar escrever a “minha carta de Natal” de 2011 ocorreu-me fazê-lo depois do dia 25 de Dezembro, nos dias em que ainda celebramos o Natal. Sento-me a escrever e ando às voltas com as palavras, com as frases, com o muito que gostaria de  partilhar. À semelhança do ano passado, não tenho tempo para personalizar cada mensagem ou carta como gostaria de o fazer. Então, através das palavras, ofereço um pouco do meu sentir e pensar.
“O impossível é possível”. Esta frase foi dita por um coreano e partilhada no vídeo "A vida num dia". Vi este documentário (de hora e meia) há umas três semanas e pensei que seria um óptimo documentário de Natal. Num condensado de milhares de pequenos vídeos, filmados num só dia, consegue-se transmitir a imensidão do que nós, humanos, somos na diferença e na semelhança. Recomendo muito que o vejam.
Para mim o Natal é, não um condensado de vídeos, mas um condensado de histórias e vidas, misteriosamente presentes no nascimento que mudou o curso da Humanidade, tornando o “impossível possível”. Deus torna-se frágil, Deus cresce, observa com olhos de criança, é muito provável que se tenha constipado, quase de certeza que tinha alimentos preferidos. No fundo, vive a humanidade em pleno. Para mim a encarnação não foi uma brincadeira, foi uma realidade tão forte e tão densa que não pode ser reduzida a um dia. Por isso, quero continuar a celebrar o Natal convosco.
Enquanto escrevo surge o sem sentido de desejar um bom Natal depois do dia 25. Talvez até seja, no entanto, ainda há doces nas mesas, as luzes nas ruas, as árvores e presépios montados, muitos de nós devemos de estar a usar algumas das prendas que recebemos. Também poderá haver quem possa agradecer por já ter “terminado” este dia, que para alguns evoca tristes recordações ou, então, junta tensões dos encontros familiares que têm “pedras nos sapatos”. 
A vida de cada pessoa é tão complexa, cheia de pormenores, de cantos e recantos a descobrir. Uma vez, quando ainda era comissário, sobrevoava Madrid e vi a cidade toda. Já como jesuíta passeava pela mesma cidade e lembrei-me dessa imagem com mais de 9 anos. Apercebi-me que não vi a cidade toda, pois faltavam as ruas, as avenidas, os prédios, as pessoas e tudo mais que se possa imaginar. O mesmo se passa connosco. A sensação de já conhecermos cada canto, nosso ou de alguém, quando, afinal, há uma nova surpresa.
Comigo tem acontecido com bastante frequência. Entro na “cidade” que sou e acabo por descobrir muito mais do que pensava: os cantos, os jardins, prédios derrocados, outros a precisar de restauração, pessoas que já não encontrava há muito tempo, pessoas que prendi, que expulsei, muitas outras com quem me encontro diariamente e me sento à esplanada a tomar algo, em partilha de vida e, sobretudo, destes meus passeios pela minha cidade de vida. 
Isto tem que ver com o meu Advento, o tempo que antecede o Natal. Comecei-o com a passagem do profeta Isaías: “Estou a fazer algo novo, já está a germinar: não estão a notar?” (Is 43, 19). Esta passagem ficou-me no pensamento por vários dias. A novidade que acontece diariamente e eu nem me apercebo. É verdade que não se consegue estar atento aos pormenores infinitos que passam em cada momento, no entanto, até que ponto não se pode ver uma nova oportunidade em deixar que algo germine em cada uma das nossas vidas? Por exemplo, se ajudámos alguém nos dias que antecederam o Natal, talvez essa(s) mesma(s) pessoa(s) continue(m) a necessitar de ajuda... há que continuar a ajudar. Se algum de nós precisou de ajuda (material, afectiva, espiritual), talvez continuemos a necessitar dela depois do dia de Natal... não tenhamos nem medo, nem vergonha de continuar a pedi-la. 
O dia 25 já passou, mas não o sentido mais profundo do Natal. Mesmo que possa ir caindo no esquecimento, não passará. Em cada nascimento somos chamados à Vida, ao encontro com o todo que somos, por isso há que vivê-la intensamente, com os desejos e sonhos que caracterizam o nosso ser. Não estará na altura de notar essa vida a germinar? Não importa a idade, nunca é tarde para novos passos de profundidade, de reconhecimento da grandeza que existe no acontecer diário. 
Dou por mim a pensar o quanto há a aprender e a agradecer em cada passo e em cada gesto. Assim, vejo o tempo de Natal como oportunidade de sanar feridas, pessoais ou relacionais, como aquele momento de abrir portas ao que pode surgir da leitura renovada da história, de não deixar que a fé, a esperança e a caridade se estanquem em dias específicos, mas conduzam ao dinamismo que leva à entrega, independentemente da quantidade, do que cada um é e tem. Tudo na simplicidade do quotidiano, nas lutas pela justiça e verdade, na criatividade artística, científica, culinária, no estudo, na possibilidade de avançar para mudanças de vida, contribuindo para que o mundo seja cada vez mais humano.
Como na passada noite de dia 24, continuo a rezar por cada um de vocês, pelos vossos sonhos, desejos e necessidades. Neste novo ano que se aproxima, aconteça o que acontecer, para cada uma e cada um peço esperança, serenidade e oportunidades de encontro com o sentido mais fundo do Natal: a Vida!
Um Abraço muito apertado e até breve!


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Recordar o Projecto B




Há cerca de dois anos participei no Projecto B (de Beleza), orientado por Teresa Prima, coreógrafa, bailarina e boa amiga. A seu pedido, no seguimento desde projecto, moderei três Conversas B, onde houve a oportunidade de bons e profundos diálogos, com variados convidados de distintas áreas, sobre a Beleza em várias realidades. Nestes dias a Teresa pediu-me para escrever algo sobre meu sentir do Projecto B. Parei, recordei e escrevi:
Beleza. O caminho mais fácil seria buscar a definição num dicionário: encontrar autores, pensamentos, à volta desta realidade tão densa quanto simples. Não descarto a possibilidade de um artigo mais científico ou académico sobre o tema, mas o Projecto B levou-me a outro lado da Beleza: a Vida. 


Tão simples e tão denso. “Des-cobrir” os esquemas mentais, deixar-me chegar ao coração, dentro da tal simplicidade que leva em si o denso, permitindo a possibilidade de novos movimentos e conhecimentos... abrindo, assim, a porta que leva ao Encontro. Uma das coisas que nos caracteriza enquanto humanos é a nossa capacidade de captar a beleza da realidade: na arte, nos sonhos, nas palavras, nos movimentos que levam a criar(-me) de forma continuada, abraçando a história de que somos compostos, apontando para novos horizontes, curiosamente a partir de uma escuta atenta do “aqui e agora”.


No silêncio profundo, aquele que conecta com a mais íntima realidade de ser, é possível outro diálogo: o que parecia ser desde sempre, torna-se novo. A beleza como entrada numa nova forma de ver. O que parecia estanque, fechado, quase sem sentido, ganha dinamismo, dá-se a renovação dos acontecimentos que sempre pareceram tão iguais, tão mais do mesmo. 


Tudo traduzível na troca de experiências a estabelecer entre as várias dimensões de nós, humanos, ao nível exterior e interior. A beleza do encontro através do encontro com a beleza por quem está disposto a viver a reciprocidade do dar e do receber. Deixar que a conversão aconteça, permitindo o espaço de universalidade, através da compreensão, do respeito, da integração da relação geradora de vida.


Tudo passa inevitavelmente pelo entender do que está para além do meu rápido ver ou escutar, do que está para além da superficialidade do momento, do que está para além do meu gosto ou desgosto desta ou daquela pessoa. Pode-se dizer: conhecer para aprofundar um mais que se esconde no imediato, sem pensamento ou reflexão. Depois, mais que o conhecimento, entraremos na sabedoria que conjuga a plenitude do viver. O convite ao saber viver.


A sabedoria da vida: promove a abertura ao Outro. Saio da minha casa, entro na cidade, que me aponta o país, levando-me ao planeta e daí entro no Todo. Dá-se a consciência, a revelação, o êxtase clarificador da pequenez que nos torna grandes diante do olhar Divino.
E assim sou chamado a promover a beleza do encontro e sentir a certeza de somos criados não para uma uniformidade, mas para uma união de corações, mais ampla que as diferenças. Nesses passos, o Infinito descobre-se e a Beleza surge em toda a Sua plenitude, revelando a densidade presente em tudo o que é verdadeiramente simples... e belo.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Detalhes... ou pormenores!



(Versión en español en los comentarios)

O que atrai numa pessoa? 

Por vezes penso na característica de ser. Ser em detalhe que chama a atenção, ou que, no silêncio desse mesmo detalhe, torna-se verdadeiramente especial. Não significa necessariamente inteligência, nem beleza fashion. O olhar, a pergunta que faz e como faz, o interesse pelo circundante, aquilo que a torna única... simplesmente única.
Tenho encontrado tantas pessoas assim, únicas. Interessantes de conhecer. Pela sua simplicidade, pelo seu vestir, pelo seu desejo de descoberta, pela gargalhada sonante, pela recordação de cada momento. A imagem que me surge: sentar-me a tomar chá e ficarmos horas em conversa. Depois, partirmos os dois mais cheios dando o melhor de nós por esse mundo fora. Afinal, ficámos mais preenchidos de novidade. Talvez por isso é que acabo por ver, mesmo no comum do quotidiano, uma nova tonalidade, retocada pelo detalhe que marcou o dia. 
Sei que a vida não é sempre pautada por isto, assim, como uma pintura bonita de dias floridos. No entanto, se se torna como uma máquina de rotina, onde tudo é igual, na “mesma como a lesma”, corre-se o risco de não viver o que nos é dado, nem as pessoas que conhecemos ou surgem pelo caminho. E não seria necessário esperar por um “abanão forte”, como uma doença ou a morte... basta estar atento ao pormenor. Mesmo que aparentemente seja pequeno, pode ser o suficiente para mudar a vida. 

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O sentido de ser (II)


"Casse-Tête" de Jean-François Rauzier


“A relação, comunicação entre um Eu e outro Eu que aparece como Tu, só é possível, das as circunstâncias que requer, num momento de puro presente. Com os objectos posso relacionar-me tanto num plano passado, por exemplo, ao recordar de algo, como numa perspectiva de futuro, como quando oriento a minha acção até determinados fins. Mas com um Tu só posso estabelecer uma relação viva no presente. No momento em que queira referir-me ao Tu desde uma projecção temporal de passado ou futuro, estaria a convertê-lo num objecto do meu pensamento.”
Miguel García-Baró in Una reflexión sobre la compasión a partir de la filosofía de Martin Buber

domingo, 27 de novembro de 2011

Em início de Advento






Eu estou a fazer algo novo, já está a germinar: não estão a notar?
Isaías 43, 19
Tenho andado às voltas com as questões da humanidade e da desumanidade. A ténue linha que separa o que posso contribuir para dar relevo a que alguém viva o sentido do humano em si, independentemente da sua (des)crença pessoal ou comunitária.  
O Advento mostra-me a existência do desejo em ir mais fundo na ponte a construir entre várias margens. O desafio de entrar no mundo, no concreto da realidade, sem fazer um prévio julgamento e deixar-me entranhar pelo pulsar do que se passa no quotidiano. Tomar o que me acontece como graça, dando espaço a esse germinar, já em evolução. É o desafio. Sim, é o desafio do acreditar. Não me conformar com imagens feitas e fazer caminho, nesta espera em cada segundo de um (re)nascer de Deus. 
Quero que germine e nasça, na fragilidade desse momento silencioso, numa gruta, envolvido em panos: aí está o Humano e o Divino! 

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O sentido de ser



image #22  de Michael Wolf da colecção "Tokyo compression"


Às vezes penso:
a linha entre a humanidade e a desumanidade é muito ténue.



quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A propósito do vídeo "Ignorância dos Universitários"...




Não sei se é pela pressa, se pela quantidade de informação recebida todos os dias, no entanto, a emoção tem um poder imenso, levando, grande parte das vezes, a não reflectir sobre o visto, o escutado, o partilhado. 
Está a circular um vídeo de uma reportagem, feita para um artigo de uma revista semanal, sobre os conhecimentos de cultura geral dos universitários. A ideia surge depois de meio país ter ficado chocado e acabar por gozar com a famosa “Àfrica” como resposta à pergunta sobre um país da América Latina. Rapidamente surgem as análises sociológicas de “bancada”: aqui está o estado do país. Exactamente as mesmas análises sobre este novo vídeo com os universitários. 
Quando vejo o vídeo pela primeira vez, a minha sensibilidade manifesta-se e arrepio-me. As repostas são assustadoras e as desculpas ainda mais, é inegável. E a seguir ao susto, vem a preocupação. Também sou sensível... e racional!
Por isso, gostava de fazer algumas considerações:
O universo das entrevistas, segundo os dados da revista, foi de 100 estudantes. Não os vi a todos no vídeo. Ah! Claro! Era apenas uma pequena apresentação, como que resumo do que foi perguntado. Mas, responderam todos mal a todas as perguntas? Pode-se perceber que um(a) ou outro(a) estava completamente a viver um estado de forte ignorância. Mas, foram todos assim? É verdade que muitas das perguntas são de nível muito básico para o suposto tempo universitário, o que choca ainda mais. Contudo, pergunto, onde estão os que responderam bem? 
Percebe-se pela introdução apresentada no vídeo que os jornalistas responsáveis pela peça querem mostrar que a ignorância não está só naquela rapariga. No entanto, não me parece correcto que se faça algo de forma a tornar o mundo universitário num estado lastimável, de completa ignorância. Isto não invalida que não nos tenhamos de preocupar seriamente, agindo para que não se chegue a situações ainda piores. 
Outra consideração que gostaria de fazer... Alguém se preocupa com a humilhação que estas pessoas estão a passar? A rapariga da televisão está no programa de livre vontade, sujeitando-se à exposição. Estas pessoas dão uma entrevista e são expostas de uma forma que não acho de todo, mais que correcta, ética. O que mais me custa ver e ler são os comentários feitos no próprio link da revista ou os que proliferam no facebook, por exemplo. Sim, o estado da educação no nosso país está muito mal, mas em nada se contribui quando se difama desta forma. Alguns atributos menos simpáticos dirigidos às próprias pessoas da peça poderão também revelar que a falta de educação não está só nos entrevistados...
Em conclusão:
Ler ou ver uma peça jornalística exige cada vez mais bastante atenção e, sobretudo, acento crítico. Quando isso acontece pode haver o cuidado em perceber os moldes pensados, os objectivos e se contribui, de facto, para a ajuda que se pretende dar ao país. 

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Cidades... o pensar de!





Bridge de Jason Langer


Sempre gostei de grandes cidades. Nunca pensei bem o porquê. Talvez o movimento, a possibilidade de diluição no meio da multidão quando passeio pelo centro. O ritmo frenético dos tempos que marcam as entradas e as saídas. Também as variações dos bairros, com espaços muito distintos. Muitos momentos culturais, juntando aos desafios propostos pelos pensamentos que transbordam diante de tanta diversidade. No meio disto tudo, rezo.
Há espaços sagrados. Como que reservados para um encontro mais íntimo, onde os cantos contam histórias, recordam momentos, guardam acontecimentos. Ao ar livre ou fechados e decorados com o gosto que os tornam especiais. Os sons envolventes também evocam essa sacralidade. Talvez seja fácil imaginar o ermitério de um mosteiro ou uma igreja onde reina o som do silêncio. No entanto, tenho descoberto esses espaços nas ruas, nas “plazas”, na estrada que me leva até à faculdade e muitas vezes nas viagens de metro. No meio disto tudo, rezo.
Mas... rezo o quê? Rezo a quem? Rodeado de palavras, como pinceladas do que vivo como beleza também, este rezar pode ficar como uma acção bonita, que compõe o ramo comprado na florista da Plaza de Cuzco, quando se desce a Castellana. Assim, as grandes cidades também se tornam um dos meus espaços sagrados, onde contemplo o olhar das pessoas, imaginando os seus pensamentos. E aí só posso rezar a Deus presente no incógnito desse movimento. Deus reflectido no rosto de tanta gente que entra e sai pelas portas dos grandes edifícios, que deambula pela rua com fome, que puxa pelo cordel do seu tecido cheio de coisas contrabandeadas e de seguida foge da polícia municipal, que joga no pátio da escola, que, como só posso imaginar, chega a casa depois de mais um dia passado e aí encontra o conforto do lar, os sorrisos familiares, ou o vazio das sua falta de sonhos.
Sim, tenho saído do meu espaço fechado de casa e entrado um pouco mais no mundo, que não é mau, não é relativista, não é sem sentido... é o espaço da(s) História(s) onde Deus quer habitar ainda mais. A Encarnação é isto: o Verbo fez-se carne e habitou entre nós.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Outro lado do espelho





Uma das coisas que mais gostaria de poder partilhar: a força do silêncio. 
Não é o silêncio do sem som, do não ouvir. É o silêncio que permite saborear o espaço e o tempo, as ruas e o movimento interior do sentido. O silêncio que abraça os contornos dos desafios, aqueles que precisam ser maturados antes de dar o passo do “tudo ou nada”. O silêncio que, no meio de uma hora de ponta no centro da cidade, faz perceber o quão ridículo tudo é diante do imenso das cores de Outono. Sim, o silêncio que me permite ver beleza na fragilidade. Aquele mesmo que me fez sentar no chão da Plaza de Callao a contemplar sonhos projectados em três bolas gigantes, também a encostar-me numa árvore em plena Calle Fuencarral enquanto delicio-me com um quarteto de cordas e observo os rostos de quem parava ou passava. 
A força do silêncio... sussurrante: que nada te tire o rasgo de Ser. 



domingo, 13 de novembro de 2011

O risco da profundidade


Snow Lovers de Ernst Haas

A minha professora de Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia) dizia-nos com bastante frequência para não nos ficarmos pela  leitura superficial dos textos. Há que tentar buscar a profundidade do que está escrito. Alguns relatos podem parecer ingénuos, outros simplesmente poéticos, alguns agressivos (sobretudo no Antigo Testamento), alguns espirituais ou, então, legalistas, no entanto, lidos na profundidade que lhes é pedida, podem revelar muito mais do que essas categorias em que poderão ser rapidamente catalogados. 
Vendo a vida também como narração, como história que se vai escrevendo à medida dos acontecimentos diários, podemos recorrer a esta imagem: vê-la como simples passar do tempo, onde as marcas são registos que "já lá vão" e o eu acaba por viver o simples ser do momento. Poderia dizer, o viver do famoso carpe diem, tantas vezes aludido. É certo que o aqui e o agora são o momento e o espaço do encontro entre o “quem sou” e a relação que se pode estabelecer com os outros, contudo, se são um aqui e agora que não vivem o fundamento da história, do ser, podem correr o perigo do superficial efémero. Quando isto acontece, rapidamente pode levar ao categorizar a situação, o acontecimento e até mesmo alguém de forma, diria, injusta. 
Este fim-de-semana estive no primeiro encontro de um tempo especial, o chamado Tempo Arrupe, dedicado à preparação para o sacerdócio. Numa das conversas, Toño García, o orientador destes encontros, na sua impressionante sabedoria de vida, da Companhia de Jesus e da Igreja, comentava que na comunicação pode haver, pelo menos, três tipos de escuta: a blindada, a ideológica e a disponível para a mudança. A blindada é aquela que “falares ou não falares, dá-me no mesmo”. A ideológica, quase próxima à blindada, é a que mais se aproxima, por exemplo, da classe política, ou seja, mesmo que o outro esteja a dizer algo acertado, o ouvido filtra apenas o que é contra a sua ideologia, levando a uma constante não aceitação do trabalho ou projecto que se pode vir a fazer em comum. Claro está que a “disponível para a mudança” é a escuta que vive o passo do diálogo: o que se está a dizer pode provocar mudanças em quem escuta. E para que isto aconteça há a exigência de não se ficar por uma escuta superficial, mas ir ao fundo do que está a ser dito, sem um julgamento imediato... ou seja, sem a mediação da reflexão sobre as palavras proferidas.
Assim, a profundidade mais do que um risco é um arriscar. No caso bíblico, em ir mais além do texto permitindo um conhecimento não só do sentido histórico do que foi escrito, como também das implicações que pode provocar em quem o lê, independentemente da crença que se possa ter. Tendo implicações em quem lê, inevitavelmente entra pela vida, provocando um novo olhar sobre a realidade, seja ela pessoal ou comunitária. Se há um novo olhar, então o meio envolvente não se fica pelo simples ruído ou sons lançados ao vazio, liberta palavras que guardam algo mais do que letras, levando à descoberta de histórias encarnadas em pessoas que também sonham, à sua medida, com um mundo melhor.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Arte e Deus e Arte



Em (re)leitura do Discurso de Bento XVI aos Artistas no encontro na Capela Sistina, em 2009, fiquei com esta citação de Simone Weil:
"Em tudo o que suscita em nós o sentimento puro e autêntico da beleza, há realmente a presença de Deus. Há quase uma espécie de encarnação de Deus no mundo, da qual a beleza é o sinal. A beleza é a prova experimental de que a encarnação é possível. Por isso qualquer arte de categoria é, por sua essência, religiosa".

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Tudo num só pensamento...


Alex Maclean
Picnickers Watching Live Concert


Aula de Eclesiologia, das 10 às 11:

Igreja. Corpo. Vida. Encontro. Pai. Filho. Espírito. Povo. Imagens. Pessoas. Rostos. Conversas. Dúvidas. Questões. Concílio. Respostas. Sociedade. (Des)ligada. Sonhos. Futuro. Abraço. Sentimentos. Muitos. (Des)crença. Pão. Flores. Verde. Caminho. Cadeiras. História(s). Azul. Nuvens. Vontade. Respirar. Autocarro. Avião. Viagem. Rasgar. Abrir. Horizontes. Grito. Renovar. Frescura. Almoço. Coreografia. Movimentos. Perna. Sentido. Luz. Confusão. Silêncio. Ir. Leitura. Força. Pertença. Participo. Sou... 

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Entre afecto(s)...




Foto: Ed Van Der Elsken


Em notas soltas, sem uma reflexão profunda, tenho pensado o quanto muda a perspectiva quando se escuta algo sobre o que nos afecta(ou) na pele. É isso, o afecto como ligação a alguém ou algo modifica o sentir e o pensar. Não significa uma condescendência, como permissão, como passando a ser bom ou mau num momento imediato. Significa um dado de experiência que mostra um outro lado da realidade, permitindo um respeito pela história de vida, antes da formulação de qualquer juízo (válido ou não). 
Atrevo-me a dizer que é um dos mistérios da sabedoria... a marca dos acontecimentos. 

domingo, 6 de novembro de 2011

Do concreto...


Foto: Robert Yager

A subtileza das coisas acontece, por vezes, quando menos espero. A admiração de uma palavra, um som que surge na procura de uma música, a leitura de um texto que me faz sorrir, pensar, digerir, ou, simplesmente, sonhar. A vida é feita do concreto da realidade, dos sentidos que me despertam para um novo saborear dos acontecimentos. E, muitas vezes, traz mudanças.
Num pequeno workshop que orientei ontem com o tema ao Encontro do Corpo, uma das propostas foi limitar zonas do corpo e, ao som de uma música, apenas mover algumas das outras partes. Por exemplo, apenas se podia mover os membros superiores, de seguida os inferiores, ou apenas a(s) mão(s), o rosto... e foi bonito reconhecer que na limitação há imensas possibilidades.


sábado, 5 de novembro de 2011

A subtileza do encontro...

Concílio Vaticano II


Estou a (re)ler o Concílio Vaticano II (CVII).

Já lá vão tempos, bastantes anos até, que vivia uma profunda crítica e revolta com a Igreja, pedindo um CVIII. Não tinha o mínimo de noção do que estava a dizer, pois ainda não tinha lido uma página do CVII. Agora, ao saber um pouco da intuição de João XXIII ao convocá-lo, as reflexões dos teólogos que nele participaram, os textos que saíram, fico impressionado com a grandeza destes textos.

São um grande desafio para nós, membros da Igreja Católica, sobretudo à escuta da sociedade, a olhar o mundo, não como uma realidade má por essência, mas um caminho onde também podemos aprender. No fundo, a viver uma adaptação à mudança que se está a viver. A adaptação não significa perder a identidade, mas sim, aprofundá-la com outras perspectivas.

Deixo um pequeno exemplo:

Gaudium et Spes (Alegrias e Esperanças), n.º 59. 
Pelas razões aduzidas, a Igreja lembra a todos que a cultura deve orientar-se para a perfeição integral da pessoa humana, para o bem da comunidade e de toda a sociedade. Por isso, é necessário cultivar o espírito de modo a desenvolver-lhe a capacidade de admirar, de intuir, de contemplar, de formar um juízo pessoal e de cultivar o sentido religioso, moral e social.

Pois a cultura, uma vez que deriva imediatamente da natureza racional e social do ser humano, tem uma constante necessidade de justa liberdade e de legítima autonomia, de agir segundo os seus próprios princípios para se desenvolver. Com razão, pois, exige ser respeitada e goza duma certa inviolabilidade, salvaguardados, evidentemente, os direitos da pessoa e da comunidade, particular ou universal, dentro dos limites do bem comum.

O sagrado Concílio, recordando o que ensinou o primeiro Concílio do Vaticano, declara que existem «duas ordens de conhecimento» distintas, a da fé e a da razão, e que a Igreja de modo algum proíbe que «as artes e disciplinas humanas usem de princípios e métodos próprios nos seus campos respectivos»; «reconhecendo esta justa liberdade», afirma por isso a legítima autonomia da cultura humana e sobretudo das ciências.

Tudo isto requer também que, salvaguardados a ordem moral e o bem comum, o ser humano possa investigar livremente a verdade, expor e divulgar a sua opinião e dedicar-se a qualquer arte; isto postula, finalmente, que seja informado com verdade dos acontecimentos públicos.

À autoridade pública pertence não determinar o carácter próprio das formas de cultura, mas favorecer as condições e as ajudas necessárias para o desenvolvimento cultural de todos, mesmo das minorias de alguma nação. Deve, por isso, insistir-se, antes de mais, para que a cultura, desviando-se do seu fim, não seja obrigada a servir as forças políticas ou económicas.


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Liberdade e Responsabilidade: Carta ao Deputado Adolfo Mesquita Nunes.




“Liberty means responsibility. That is why most men dread it.” 
George Bernard Shaw

Exmo. Sr. Deputado Adolfo Mesquita Nunes, 

Começo por agradecer as suas intervenções na Assembleia da República. A última que ouvi, enviada por mail, foi a de 20 de Outubro, no encerramento das comemorações do centenário da República. Sendo da sua geração, identifico-me, de algum modo, com muitas das suas palavras naqueles breves sete minutos. Daí que tomo a liberdade de partilhar consigo algumas reflexões soltas. 

A palavra que mais me soou foi a de liberdade. Curioso, eu próprio muitas vezes me questiono sobre a liberdade. O que é? Quem a tem? O que é, de facto, ser livre? Poderão ser questões filosóficas, entrando num campo de abstracção sem sentido, no entanto, as respostas que alcançamos poderão contribuir para o entendimento da vida em sociedade, demarcada pela democracia, governada por um grupo de cidadãos que elegemos (ou não) como nossos representantes. 

Foi em liberdade que surgiu a crise que hoje vivemos. Sem dúvida que é uma questão de realidade internacional. Rapidamente podemos comparar com os outros países, como tantas vezes acontece nos vários discursos políticos. Contudo a comparação pode ser perigosa, já que normalmente fazêmo-lo com o que dá jeito, aliviando assim o peso da responsabilidade diante das acções, atrevo-me a dizer nacionais, que levaram à situação de crise no nosso país. Foram muitos os erros de gestão, de medidas de educação, de tal maneira que me levam a pensar na falta de responsabilidade pelas pessoas de quem foram representantes. 

Parece-me que essas mesmas pessoas, da nossa geração e de outras, estão cansadas de discursos, de medidas, sobretudo quando a informação que circula leva uma incompreensão generalizada por parte de quem está mais afastado dos conhecimentos técnicos e teóricos da realidade económica e política. A liberdade de expressão faz com que se deseje dar uma informação “justa, correcta e verdadeira”. Até que ponto isso acontece? Somos bombardeados de: medidas atrás de medidas, que ora eram impensáveis, ora são imprescindíveis; de incoerências nas actividades de muitos políticos, que graças à vida política vêem crescer as suas finanças pessoais; de notícias que desanimam a larga escala, onde a justiça não se faz sentir. É certo que o cidadão comum não sabe nem metade da história, além do mais quando se muda de governo há coisas que se sabem que eram desconhecidas (sendo também uma oportunidade de desculpa nas acções seguintes). Poderemos dizer que hoje há muitos filmes sobre “governação”, “política nacional e internacional”, levando a especulações, mais ou menos verdadeiras, sobre o que se passa. E assim surge a questão: a crise é real, mas para quem? A meu ver, os grandes problemas que enfrentamos, para além da crise económico-financeira, são o da desconfiança e da falta de valores, sendo um deles o da responsabilidade. 

De facto, a liberdade está ligada à responsabilidade. É inevitável. Não gosto da definição “a minha liberdade acaba quando começa a do outro”, pois fica reduzida ao campo restrito de um indivíduo, como que dois compartimentos bem delineados que não comunicam. A liberdade, ao viver directamente relacionada com a responsabilidade, implica inevitavelmente um sentido profundo de relação. Não chego à visão de Lévinas, afirmando que a responsabilidade pelo outro é tal, que se é responsável pelo próprio carrasco. Contudo, acaba por ser algo a considerar quando se vive em sociedade: o outro! 

Por não ser político, no sentido profissional do termo, pergunto-me muitas vezes se vocês, que o são, acabam por sonhar, de facto, pela sociedade, por esse sentido responsável pelas pessoas. Não tanto como “pessoa-estatística”, ou seja, mais um para compor orçamentos, ou dados para argumentar, seja lá o que for, ou então que se dá mais um calendário, pin ou chapéu, tendo assim mais um voto. Digo isto por ter oportunidade de contactar com realidades tão distintas da sociedade, muitas delas num sofrimento bastante grande, provocado por decisões políticas que acabam por não ter em conta o sentido de responsabilidade e liberdade do ser humano. 

A sociedade em que vivemos é bastante complexa, nada de novo na História da humanidade. Seria muito bom que se considerasse, dentro desta complexidade, a verdadeira beleza da liberdade através do sentido de responsabilidade que com ela segue. Por isso, também repito as suas palavras com que termina o discurso: “(...) viva acima de tudo o valor sem o qual nem Portugal, nem a República teriam qualquer sentido: o valor da liberdade”. Assim, espero que nestes tempos todos vocês, políticos de profissão, começando pelo altos representantes (Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e Primeiro-ministro), sejam os primeiros a dar o exemplo nos cortes de forma voluntária, quem sabe, do próprio ordenado, ou até mesmo de algumas regalias, junto com uma escuta atenta: primeiro uns dos outros, sem os comentários constantes durante as intervenções, e depois da sociedade real que não são números, mas vidas com histórias e por vezes bastante dramáticas, que tentam viver, precisamente, em liberdade. 

Talvez estas sugestões sejam as do costume, ou já banalizadas, ou as de quem não percebe nada de política e volta ao mesmo. No entanto, a minha experiência vai-me dizendo que as palavras vazias de gestos por parte do próprio que as pronuncia ficam-se pelo simples “ser palavras” e as deste tipo “leva-as o vento”. Quando alguém com grande responsabilidade não tem medo de abdicar verdadeiramente de algo de si por todos, tendo-o ou não elegido, aí, sim, pode demonstrar que a liberdade não é um conceito vazio. É o grande valor que permite com que todos nós mesmo na dificuldade nos sintamos acompanhados, sendo capazes de viver o momento de crise não como escravidão, mas como oportunidade de voltar a descobrir a beleza de ser, de facto, livre.

Com a minha gratidão por si e pelo seu trabalho de representação, deixo-lhe os meus melhores cumprimentos, 
Paulo Duarte

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Em dia de aniversário...





A Forma Justa


Sei que seria possível construir o mundo justo 
As cidades poderiam ser claras e lavadas 
Pelo canto dos espaços e das fontes 
O céu o mar e a terra estão prontos 
A saciar a nossa fome do terrestre 
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia 
Cada dia a cada um a liberdade e o reino 
— Na concha na flor no homem e no fruto 
Se nada adoecer a própria forma é justa 
E no todo se integra como palavra em verso 
Sei que seria possível construir a forma justa 
De uma cidade humana que fosse 
Fiel à perfeição do universo 

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco 
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo 

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"




terça-feira, 18 de outubro de 2011

[Gn 22, 1-18]






Ser real:
a experiência
inquietante, transformadora
do que vejo, escuto, sinto

nas entranhas,

e de homem passo a pai.

Ser silêncio
ante a abertura da realidade,
como lótus flutuante,

reveladora de novidade.

E na criação encontro o Criador.


sexta-feira, 3 de junho de 2011

Voos, tripulantes de cabine e realidade de vida!


No passado dia 31 de Maio celebrou-se o dia mundial do tripulante de cabine. Muitas recordações surgiram: de amizade, de vida, de trabalho, de encontros, de vistas e pensamentos nas alturas.

No dia seguinte li a notícia que a TAP tira um tripulante de cabine dos voos e que o Sindicato convoca uma greve. Li também uma série de comentários sobre a vida dos tripulantes. Aqui mergulhado nos estudos teológicos, acabei por sair de umas alturas e entrar noutras.

Fui tripulante de cabine durante pouco mais de três anos na PGA. Depois desse tempo mudei de Companhia. Outros “voos”, sem esquecer os aviões. Confirmado na vocação e perceber que ser jesuíta faz parte do meu caminho, uma das coisas que mais tenho saudades é de voar. Por isso, ler notícias relacionadas com aviões chama-me muito a atenção.

Ser tripulante significa, em primeiro lugar, zelar pela segurança dos passageiros. É verdade que a segunda função, a de prestar serviço, sendo imagem da empresa durante o voo, é a mais destacada, pois, felizmente, na grande parte dos voos não há necessidade de pôr em prática a primeira função. Uma vez tive de dizer isto a um passageiro quando, com toda a arrogância, me diz: “Olha, serve-me. Paguei para isso!”, e assim explicar que o serviço fora da realidade segurança, na nossa profissão, vem em segundo lugar.

Muita pessoas, e, infelizmente por vezes dentro da própria companhia aérea, têm a ideia que um tripulante passeia no e de avião. Talvez alguns voos de longo curso, que implicam uma estadia aqui ou ali, podem permitir um passeio nalguma terra mais exótica, mas GRANDE parte, para não dizer 90%, ou mais, dos voos não são assim. Sobretudo os de médio curso, pela Europa, por exemplo, onde se fazem entre 2 a 3 e por vezes 4 aterragens (no meu tempo cheguei a fazer voos de 5, tais como, Porto - Madrid - Porto - Zurique - Porto - Lisboa). E muitas vezes com os voos cheios e com turbulência (mesmo “fraquinha”). E sim, havia o sorriso, o glamour (sim, há, e ainda bem), o gosto pela profissão e o respeito pelos passageiros, que não têm culpa das decisões da empresa, que muitas vezes não tem noção da realidade do verdadeiro trabalho a bordo. Precisamente por haver este gosto, surgiam os agradecimentos (houve um voo que fui convidado para três casamentos... Haja festa!), e os bons momentos que, mesmo com trabalho alucinante, acabei por passar.

Acredito que a TAP poupará economicamente, mas pergunto: poupará a vida das pessoas? Nem vou à questão da segurança, mas da vida de quem está a trabalhar. A propósito de críticas: muitas vezes imaginei a possibilidade de cada pessoa sentir na pele o que é a realidade concreta das situações, na sua vida. Quem critica os tripulantes, por exemplo, ter a possibilidade fazer pelo menos 15 dias de voos, não sentado como passageiro, mas a trabalhar. Quem pede para apertar o cinto economicamente, viver sem os ordenados de gestor (que são, curiosamente, constantemente aumentados). E mais exemplos poderíamos dar... Creio que mudaria bastante a perspectiva das coisas e levaria a que se criticasse menos, sobretudo quando não se sabe o que se diz.

Hoje vivemos no mundo em que a economia parece que tem a primeira palavra, à frente da Vida das pessoas. Poupar, cortar, mas só alguns e nalgumas coisas. Nós, humanos, não somos máquinas. Tem de haver respeito, escuta e conhecimento para se poder alterar a ordem das coisas. Se tiver de ser e for algo que todos contribuam altera-se. Agora se é apenas uma parte a fazer sacrifícios, não me parece que tenha de haver mudanças. Por isso, há que partir para o diálogo e encontrar o caminho mais justo, sem imposição, mas com a certeza de que, como humanos que somos, pode-se encontrar o equilíbrio em todas as partes.

Sou utópico? Sim, sou... Ingénuo? Talvez.
Os anos que andei a voar, junto com os que passo a estudar, permitem-me chegar a uma sana utopia, com leve ingenuidade, mantendo o sonho de que podemos chegar a um mundo mais justo e melhor. Afinal, a esperança permite a vida!


segunda-feira, 9 de maio de 2011

Portugueses e Finlandeses (ou outros)!



Anda a circular um vídeo sobre “o que os finlandeses precisam saber sobre Portugal”.

Vejo o vídeo e, confesso, não fico lá muito animado, sobretudo por vir de uma entidade pública, tendo sido apresentado num Congresso.

Primeiro: não me parece que estejamos em alturas de puxar a um patriotismo exacerbado, sobretudo quando vem de um orgulho ferido, por não nos querem ajudar. Como se fosse a obrigação de primeira ordem. Será assim? Hoje em dia parece que “temos direito a tudo e mais alguma coisa”, mas reconhecer os erros da falta de cumprimento dos deveres não se fala. Preocupa-me que tenhamos de chegar a ponto de ter de pedir ajuda externa e ficarmos ofendidos por estarmos sujeitos (bem, agora foi aceite) a que digam não. Há quanto tempo andamos a receber ajuda externa? Sobretudo para desenvolvimento da agricultura, da formação humana, das redes comerciais, etc., etc. E, olhando para os resultados, que foi feito realmente com a totalidade de dinheiro recebido até hoje? Sem dúvida que houve aplicação, no entanto, chegaríamos a este ponto se tudo fosse aplicado como deveria ser?

Façamos o exercício: A empresta dinheiro a B, dizendo que é para fazer algo concreto. Entretanto, o tempo passa e, além de A pedir mais dinheiro a B, o que tem a fazer é feito a um ritmo muito lento, desordenado. Até usa algum desse dinheiro para outra coisa que não o primeiro projecto. E continua a pedir mais dinheiro a B... sem que haja frutos do projecto inicial. Até quando? Talvez B consiga ter outra percepção e dirá, um dia, que acabou o empréstimo e pede o que lhe deve. E, como a quantidade é muita, já não será só o próprio A a pagar, também os filhos e talvez os netos.

Segundo: Não sei já foi visto por muitos, mas já temos um vídeo de resposta dos finlandeses. E, claro está, “quem ri por último...”. Eles estão bem, não têm problemas de resgate e, se têm alguns conhecimentos de História Universal, acabaram por rir de algumas coisas ditas no “nosso” vídeo.

E leva-me ao terceiro ponto: Os dados apresentados pelo vídeo revelam alguma, para não dizer muita, imaturidade em aceitar a realidade como ela está. E vê-se pela forma como os dados são apresentados: sem uma reflexão prévia, pois analisando algumas afirmações acabamos por perceber que deveríamos ter vergonha em mencionar algumas coisas. É verdade que temos de nos orgulhar pelas descobertas, mas... ter orgulho por termos o menor número de patentes? Pela população portuguesa, sobretudo com excelentes qualificações, sair cada vez mais de Portugal? É certo que Cristóvão Colombo anunciou primeiro a Portugal que tinha descoberto a América, mas... teve de ir a Espanha, pois Portugal não financiou o projecto. Alguém me explica qual o orgulho de “não termos ganho nenhum concurso da Eurovisão”?

Bem, não vou analisar cada ponto.
Mais uma vez concluo que estamos numa altura em que as coisas são vistas e as decisões são tomadas sem grande reflexão. Foram já cometidos muitos erros de governação, infelizmente não admitidos, o que torna tudo ainda mais chocante. Então, não contribuamos para a vergonha nacional, escrevendo e enviando vídeos assim, seja a quem for.

Está na altura de exigir aos nossos governantes de fomentarem uma boa formação na educação, de investirem na investigação (na diferentes áreas científicas e artísticas), na Cultura (que é um dos factores de humanização) e de, uma vez por todas, deixarem de gozar com a cara dos Portugueses.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

[Rt 1 - 4]


["Seara # 1" de Nanã Sousa Dias, in olhares.com]


Voos subtis
sobre textos antigos,
sagrados.

O moldar da pele
diante da nova realidade
(re)feita em ensinamentos.

A recolha de espigas
anunciadoras de novo mundo,
na seara que ondeia
ao sabor do vento

que sopra por onde quer.


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

a plenitude da leveza do ser


["A insustentável leveza..." de A Fino G, in olhares.com]


“O que nos afecta na nossa carne pode, pois, afectar-nos mais profundamente do que aquilo que captamos só pela reflexão. Posso reflectir sobre a morte, mas a proximidade física de um moribundo penetra-me até ao indizível. Posso meditar sobre o belo, mas a presença sensível da mulher bela trespassa a treva do meu espírito” Fabrice Hadjajd

Vivência.
O que é isto de viver? Pode ser visto de muitas perspectivas: mais científica, mais filosófica, mais teológica, mais poética, mais racional. Dar certezas quase absolutas sobre a Vida, como se num simples tratado tudo ficasse esclarecido.

Há dias fui dar um largo passeio. Precisava de andar, sentir a brisa, ir, simplesmente ir. O “ser em caminho” com que me caracterizo impulsiona-me a pôr, precisamente, em caminho. Sobretudo depois de tempos tão intensos, como foi o dos exames. Não quero falar dos exames. Quero falar um pouco do que é isto de viver, em caminho.

Fabrice Hadjadj sintetiza muito bem o que é vivenciar uma realidade que vai para além do racional. Deixar que a realidade me entre pela pele dentro vai fazer com que o meu olhar sobre as coisas mude. Há o perigo de deixar que as belas e poéticas palavras possam ficar simplesmente a flutuar pela mente ou coração. Creio que a beleza da Vida acontece quando deixo que o impacto da realidade entre em mim. E é de tal maneira transbordante que há uma diferença no meu modo de estar na vida.

Enquanto passeava pelas avenidas desta cidade, grande por sinal, olhava as árvores despidas de folhas. Numa ou noutra encontrava ninhos, casas antigas portanto, inabitados. Mas rematados para receber os mesmos ou novos inquilinos. Os mesmos que fazem voos imensos e, seguindo cursos naturais, não deixam de voar. Pensei nos sonhos, os voos que não quero deixar adormecer em mim. Como que em expansão de olhares... Horizontes que a alma deixa abrir. A alma? Creio que Deus!

Em quem fui e vou pensando. Tornar-me dele, mas sem uma estruturação de finitude ou de limite. Não! Quero o oceano de sonhos, não para os dar, mas sim libertar para todos a capacidade de sonhar. A meio do percurso sorria, noutra vez emocionei-me a pensar em tanto. No que me mexe, no que e em quem me faz ser. Ás vezes gostaria de objectivar mais o que vai cá dentro, é tanto e, sim, confuso. Os sentidos estão abertos... a informação gera-se e acontece vida!

Vida, daquela prometida pela Esperança! Será verde? Sim, pois os pequenos rebentos que anunciam novos tempos são assim, verdejantes, com despontar de novas cores, mas verdejantes! É Vida! V-I-D-A! A mesma que desejo e quero anunciar, em poesia, em palavras, em quedas, em erros, em batalhas, em conversas, em divertimentos alegres, em que nesse momento todo o universo se concentra na Palavra, no Sorriso, na Lágrima, partilhados.

Abraçar, em passos de caminhos, o ritmo do tempo. E consolidar a certeza de fé de que Deus é muito mais do que se possa pensar, dizer, explicar d'Ele. É Vida. Por isso é palpitar em ansiedade de Amor, de encontros com pessoas (des)conhecidas, que marcam pelo seu modo de ser, porque simplesmente são. Não em conceitos ou convenções. São com um nome, uma história. São, mesmo que eu não goste delas, que me façam repugna ou confusão. São! A força do ser só pode ser maior que a força do sentimento.

E essa força do ser que habita em mim, em nós seres humanos, que sonham ou não, que vivem ou se prometem viver, dá-me impulso de caminhar.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

[Lc 10, 41-42]

[Foto: "Onde o tempo se demora" de José Luís Garcês, in olhares.com]



Profundidade

[procurada nos afazeres
quotidianos,
sem sentido aparente.

É sempre do mesmo,
como rotina (des)esperada
em cada toque de despertador.

Sentirei o palpitar cardíaco?

É sempre do mesmo

com as variações
da profundidade do sentir]

da Vida

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

[1 Cor 1, 20]


["O lento despertar da loucura e da salvação I" de João Veríssimo in olhares.com]



Paradoxo.
A curiosidade presente
na rua que cruzo entre o
Saber do não saber.

Dúvida(s).
A inquietação da subida
do monte, deixando a areia
dos pés formar a palavra
viva.

Silêncio.
Afinal os dias
são maiores,
nas ondas brota jogo novo,
houve descoberta.

Fundamento.
Diante da frase solta
aos ventos:
deu-se a revelação.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Small Pleasures


Depois de o ver, fica a sensação do silêncio agradecido pelo que tenho e sou... Simplesmente, nos pequenos prazeres da Vida!
Há que saborear e perceber que a Vida é mais... muito mais!

sábado, 22 de janeiro de 2011

Estado, Liberdade e contratos de associação escolar...

"A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida".
Cervantes, in Dom Quixote

Fala-se de evolução, crescimento social, como desejos de um país ao nível da Europa, que se quer livre e promotor da liberdade. Muitas vezes pergunto-me: o que é a liberdade?

Liberdade é “fazer-se o que se quer”? Não me parece, pois inevitavelmente vamos colidir com outras “liberdades”. Então, será “aquilo que acaba quando começa a de outra pessoa”? Também considero uma resposta não muito completa... Pois, ficamos como que em “guetos” relacionais, onde se vive liberdades em zonas de fronteira.

Talvez seja dito de forma poética, mas ainda assim pode ser que a liberdade aconteça quando, em diálogo e reflexão, duas pessoas mesmo podendo estar em caminhos distantes fazem-no lado a lado. Promovendo, assim, não só o crescimento pessoal, mas de todos os que as rodeiam.

Com a situação das Escolas com contrato de associação reparo num Estado que caminha sozinho, segundo os seus interesses, tomando decisões que anulam a Liberdade da pessoa (em vários níveis). E, ironicamente, em nome da Liberdade e da Justiça. Ficarão livres de encargos os Educadores (docentes e não-docentes) despedidos? Será justo ter de ir obrigatoriamente para esta ou aquela Escola, quando há a possibilidade de escolha por uma que oferece condições pedagógicas que, de facto, apontam para a liberdade de pensamento, de religião, de educação, cultura e, inclusive, liberdade de ideologia?

É verdade que muitas das Escolas com contrato de associação são de cariz religioso (e muito provavelmente é isso que incomoda o nosso Estado “livre e libertador”). No entanto, como parece ser do desconhecimento de muitas pessoas, em nenhuma há obrigatoriedade de crença nesta ou naquela Religião. Ao contrário do que o Estado (repito: dito promotor da Liberdade) parece fazer, que é impor uma ideologia, um modo viver a realidade segundo a sua visão, segundo o seu caminho.

Dando alguns exemplos: começa-se por se reduzir os tempos lectivos de Filosofia, surge uma imposição de formação ao nível da Educação para a Sexualidade sem grande coordenação, descredibiliza-se os professores, em nome da crise reformula-se radicalmente os contratos celebrados no pós 25 de Abril (data curiosa para a Liberdade em Portugal) com Escolas que permitem um outro tipo de ensino, para além do puramente estatal, a alunos de todas as classes sociais e, para culminar, segundo o senhor secretário de Estado, em nome da Ministra da Educação: “ou assinas, ou não tens dinheiro, logo fechas mais depressa as portas”.

Estranho século XXI este. Tão evoluído ao nível tecnológico, mas em termos de humanidade...
...pois, viva a Liberdade!


quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Comentário sobre História da Igreja Antiga

["História" de Nelson Afonso, in olhares.com]


[Escrevi este comentário final após ter resumido toda a matéria dada ao longo deste semestre]

Começo por apresentar o meu primeiro pensamento mais geral: depois do que estudei, trata-se de História Antiga ou de realidade contemporânea? Talvez pela minha sensibilidade em relação à pluralidade cultural em que vivemos (por mais que se diga que estamos em tempos de globalização), também por se falar tanto da crise económica, entre outras, que atravessamos em geral pela Europa e de forma particular em Portugal, junto ainda o impacto (nalgumas situações mais negativo que positivo) causado pelos últimos escritos e feitos da Igreja Católica, acabo por fazer uma leitura ligando pontos de contacto entre o que se passou há cerca de 17oo anos com a actualidade.

Parece que não aprendemos com a História. Será que é por estar cada vez mais esquecida? Sem dúvida que não se pode apagar a memória colectiva de uma sociedade e de um povo, pois em relação cíclica, acabamos por voltar a tocar em pontos essenciais da nossa estruturação enquanto humanos.

Particularizando no aspecto da vertente de “Igreja”, esta disciplina ajudou-me a conectar com os inícios do que, de algum modo, me leva também a ser. Afinal, ser humano também tem em si a dimensão histórica e social. Conhecer a História da Igreja leva-me ao encontro com aquilo que sou como crente e membro desta Igreja, que não é uma teoria, uma ideia, mas uma realidade de desenvolvimento a partir de vidas e decisões de pessoas concretas ao longo dos tempos.

Na verdade muita da falta de fé vem do não saber o “como, porquê e quando” do surgimento das coisas. Também a fé não acontece por uma linearidade limpa de acontecimentos, como se fosse um caminho recto, sem qualquer obstáculo. O estudo e aprofundamento dos dados sobre as convulsões sociais entre os grupos religiosos, a relação com as outras religiões ou entidades religiosas e com os povos com tradições pagãs, as perseguições, os martírios, as necessidades de organização (da liturgia, da vida quotidiana, da estrutura eclesial) daqueles primeiros séculos, levam a que se tome consciência dos passos dados e do quanto, no meio de tantas dificuldades, muitos mantiveram e aprofundaram a sua crença.

Fico com a impressão de que há muito a voltar a estes tempos, não para repetir, pois além de impossível não teria sentido, mas numa aprendizagem do que foi o sentimento de perseguição pela fé e da vontade de anúncio de alguém que mudava a vida das pessoas. Nos nossos dias voltamos a essa ameaça, como se pode comprovar nos ataques a muitas Igrejas, por isso podemos investigar a reacção dos antigos e, sobretudo, qual a sua acção em meios de perseguição. No que se refere à actual chamada “perseguição à Igreja” (mais ocidental) nas questões de doutrina, também temos de aprender com os cristãos desses tempos do passado, pois além de não passarem por vitimizações, acabaram, por um lado, a confiar, por outro, a aprender a dialogar.

Muito do nosso pensamento acabou por vir de uma realidade cultural que o cristianismo “converteu”, adaptou, à sua. Se hoje se fala tanto em pluralismo religioso, de relativismo, de confusão de ideologias, também naquele tempo houve muito dessas questões, com linhas mais conservadores e outras mais dialogantes. E não caindo na ingenuidade de se pensar que aconteceu uma resolução plena, poderíamos aprender sobre quais as ferramentas que foram úteis e quais as que seriam de evitar.

Vergílio Ferreira afirmou que "o que mais importa não é o novo que se vê mas o que se vê de novo no que já tínhamos visto”. Assim, a História, compreendida e vivida em diálogo com outras ciências humanas e científicas, pode ajudar em muito na compreensão da Igreja tornando-a ainda mais humana e mais divina.