quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Olhar sobre algo, de forma atenta



De surpresa, uma amiga que já não vejo há muitos anos, ofereceu-me um conjunto de fotografias antigas. Escolho esta em particular. Ao colo da minha mãe parece que fito algo, de forma atenta. Ou não. Pode ter sido o instante do clique da fotografia. É isso, fez-me pensar sobre o instante. Nestes dias ando a voar em perguntas mais existenciais. Isto do nascer, do viver e, sim, do morrer. Perceber o instante que tudo absorve, do ridículo ao mais profundo, do banal ao extraordinário. Um gesto arrogante pode transformar-se em dádiva se encontro a autenticidade que impede imposições. É isso, a verdade salva. Não a intelectual, mas a de existência. E sem muitos mais atributos, recordando a imagem e semelhança, a partir daquele que me ama primeiro, posso dizer com simplicidade: eu sou. Tudo o resto torna-se periférico… a partir do olhar sobre algo, de forma atenta. [Muito Obrigado, Ivone!]

Movimentos [desconhecidos]



Diana Ringel [na aula de hoje]


Sigo no trabalho de perder-me. Ou de perder o medo em perder-me. Para tal, arriscar a entrar em caminhos, ou movimentos, desconhecidos de mim. Os movimentos meus acabam por estacionar e impedir possibilidades de compreensão. “Escuta o desejo do corpo. (…) Vai por onde a sociedade rejeita: a humildade, o feio, o imperfeito.” Comecei a enrolar-me, a incorporar a deficiência, o limite, a vergonha, a sensação de rejeição, acabando num paradoxo: o atrofio libertador. Regressei a casa, presidi à Missa. A homilia foi o silêncio… evocando o rosto dos rejeitados, aqueles especialmente amados por Deus.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Sendo noite



Penny R. Robartes

Sendo noite 
o sol nasce e brilha, 
na troca de histórias 
de sofrimento e perdão. 

Sorrisos, 
cúmplices 
de quem encontra anjos.

E em 12 lendas
envolvemos a festa,
docemente pintada
de fantasia.

Confissão [o sacramento]



Segrjio Alware


É frequente ouvir os receios que andam à volta do sacramento da confissão. Como compreendo. Eu próprio tive dificuldades em me confessar. Desde que sou padre e comecei a escutar em confissão, tenho-me apercebido de forma especial da grandeza deste sacramento. São muitas as vezes que, enquanto as escuto, sinto-me pequenino. É impressionante a beleza da libertação da pessoa, quando está a ser, mais que tudo, verdadeira com ela própria diante de Deus. Eu sou um simples intermediário da graça. Não descuro a minha importância, pois, em jeito de metáfora, também sou espelho que recorda o amor de Deus presente na pessoa. E depois, isso é outra, as minhas próprias confissões têm sido mais libertadoras. É isso, o penitente também acaba por ensinar o padre a se confessar. :)


terça-feira, 28 de outubro de 2014

"Marrons chauds"




Paul Chocarne-Moreau


E de repente, surge um dos cheiros de Outono. Além das cores de fogo, ante o frio que já se sente, aconcheguei-me naquele aroma de “marrons chauds”. Levantei a cabeça, deixando que o olfacto me guiasse… e lá estavam elas, em braseiro, perto da Notre Dame. Fechei os olhos e imaginei o pote de barro, típico de terras Lusas, ouvindo o estalido do sal nas brasas e o enrolar da folha das listas telefónicas antigas. Pedi a dúzia que esperava por mim. Confiei na escolha de quem as traça e põe a assar. Senti o queimar dos dedos, ficando ligeiramente pintados de carvão. E o sabor? Deliciei-me, sorrindo com os pequenos prazeres que cada estação não se cansa de oferecer desde tempos antigos.

Criticar a crítica [sobretudo as nojentas]



Maynard Owen Williams


[Secção desabafos] Por questões de baixa auto-estima, já tive muitas dificuldades com a crítica negativa. Posso dizer: medo mesmo. Vivia a sensação de ataque, em que as palavras tornavam-se literalmente mais um murro no estômago ou chapadinhas irritantes na cabeça (como me acontecia há uns bons anos atrás). As críticas nem sempre são fáceis, no entanto, são terríveis quando feitas com o intuito de magoar, de ferir, de menosprezar totalmente o outro, em generalizações de quem dispara para todos os lados, matando tudo e todos. E quando feitas sob capa de anonimato tornam-se, a meu ver, ainda mais nojentas. Já não tenho tantas dificuldades com a crítica negativa. Custa-me, sim, quando leio, e não precisa ser comigo, ataques desumanos através da palavra anónima. Ainda ontem lia, em comentários a um texto de uma amiga, isto: “(…) deixe-se de escrever, mesmo com a ajuda dos jesuítas (dançarinos sem duas células cinzentas ou não), sobre o que não sabe.(…)” Confesso, apetece-me conhecer esta pessoa. Que mania a minha querer ver rostos e conversar, como gente adulta, sobre as coisas. Não, não precisamos concordar, mas… conhecermo-nos. Atenção, não sei se o “dançarinos sem duas células cinzentas” se referia a mim, contudo, tendo em conta o parêntesis e conhecendo a realidade portuguesa da Companhia de Jesus, parece-me que passei pelo pensamento deste senhor. Se publico isto não é para que haja “defesas” à minha pessoa e “não ligues e tal”, não tem que ver com isso. Apenas dizer, a partir desta minha outra mania utópica, que acredito que as coisas mudam quando as pessoas se conhecem à séria, de forma humana. Repito, não é preciso concordar (viva a diversidade!), mas pelo menos há rostos que falam e não meia dúzia de palavras que destilam e vomitam ódio na realidade como tanto se lê em comentários por estas redes sociais fora. Grande parte das frustrações, para não dizer todas, podem ser curadas, basta querer. :) Entretanto, antes de continuar nas leituras teológicas, vou dançar um bocadinho… ajuda-me a pensar ou, por outras palavras, a activar as células cinzentas. ;)

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Curas de liberdade



Hiroki Kondu


[Secção outros tons] Estava curvada sobre si mesma, nesse sábado eterno, impedida de ver além de três passos. Sem mais: “Mulher, estás livre”, acompanhado do toque. Como aquele que moldou no início dos tempos o pó em carne insuflada de imagem e semelhança. As dores soltaram-na e agarraram-se ao sábado, o que não permitia curas, como se a liberdade tivesse horas marcadas. “Hipócritas!” Importam-se mais com a rigidez da lei que com as dores humanas. A multidão alegrou-se com as maravilhas de novos respiros. Em posição digna, voltou a ver horizonte.

Ainda a agradecer...




Sherry Zhao

Obrigado. Gracias. Thank you. Merci. Grazie. Chéchénie. Arigato. Terima Kasih. Asante. Assim começo o agradecimento especial: quero que chegue a tantos cantos do mundo que celebraram a vida, a nossa de amizade. Dizia-me um amigo especial, quando me ligou do Chile, “¡Déjate querer!”. É isso, deixei-me ser acarinhado por tanta gente querida. Li cada mensagem, mail, comentário (sobretudo pelos lados do "facebook") com sorrisos… ainda hoje me doem as maçãs do rosto. ;) Além das gargalhadas que surgiram por me ouvirem numa voz muito diferente, ficando mesmo sem ela antes de adormecer. É o charme da voz bastante rouca neste momento. :p Durante uns dias vou estar a rezar com o abecedário, para que em cada letra esteja os nomes de cada uma e de cada um que me escreveu. Abraço demorado e bom, bastante agradecido.

domingo, 26 de outubro de 2014

Agradecer, é isso. ;)



Kamala Kannan


Ainda não consegui ler todas as mensagens e mails que vou recebendo. No entanto, à medida que eles vão surgindo o meu sorriso aumenta. É uma explosão de sentimentos. Gosto muito de celebrar a vida. Hoje, na Missa, nos momentos de silêncio, deixava que os nomes de tanta gente fossem aparecendo… às tantas, como costumo fazer muitas vezes: “Olha, Senhor, é impossível nomear tantas pessoas que levo no coração, portanto: A B C D E F G […] V W X Y Z ! Em cada letra encontra os nomes e enche-lhes o coração de dons, de vida, do que mais precisam”. Estou muito agradecido pela vossa presença na minha vida. Deus sabe o que faz! Haja animação, com muita dança!! :D

E hoje...




...é dia de agradecer… e muito! ;) 

sábado, 25 de outubro de 2014

Em preparativos... ;)



"Mãe Maria, com Filho Paulo a caminho" por Pai José


[Secção preparativos para amanhã ;) ] O ser humano é chamado a criar. Nos diferentes níveis de maternidade e paternidade, acontece o dar algo ao outro: a vida (biológica, afectiva, intelectual, artística, espiritual, social, legal). Uns são chamados a contribuir em todas, outros de modo específico nalguma, mesmo quando não se apercebe. Ninguém fica de fora da beleza da criação. Também daí a importância de celebrar a Vida.



Crescer: na fé, no pensar, no serviço.



“New born human” de Lynn Johnson

[A homilia de hoje, cá em casa] Um dos desafios presente na relação com Deus é o de crescer: na fé, no pensar e, sobretudo, no serviço. Se crescemos, ajudamos os outros a crescer. Isso é o passo para viver a missão de vida que nos é confiada. Como nos diz S. Paulo, todos recebemos o dom em Cristo. Em primeiro lugar o da vida, que nos permite descobrir, precisamente, a missão que nos é confiada. E não há missões melhores ou piores, sendo mesmo de evitar categorias onde uns são mais importantes que outros. O “subir” de Cristo, ou de cada um de nós, implica o descer às entranhas e perceber que não se trata de estar acima ou abaixo de alguém, mas de estar na verdadeira disponibilidade de serviço a todos. Como dizia o Papa Francisco no discurso de encerramento do recente Sínodo: “o Papa não é o senhor supremo, mas o servidor supremo”. Se nós, para citar S. Paulo, podemos ser chamados de apóstolos, ou evangelistas, ou pastores, ou mestres, tal é “para o aperfeiçoamento dos cristãos em ordem ao trabalho do ministério e à edificação do Corpo de Cristo, até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus”. Ora, para isso, é necessário que ajudemos as pessoas a crescer, a pensar, no fundo, a conduzi-las à liberdade que impede que sejamos crianças inconstantes, submetidos de forma ingénua a todas as correntes ou doutrinas humanas que conduzem à dependência.

Se vivemos a caridade (atenção, não é “caridadezinha”), temos a certeza de estar a pôr em prática o serviço em nome de todos, partindo ao encontro sobretudo dos que estão mais frágeis para os levantar e ajudar a crescer. Recordando sempre: não há uns que são mais pecadores que outros… ainda mais quando estamos diante de Deus que dá sempre mais uma oportunidade de encontro. Isto na exigência de nos pormos em crescimento, para dar o fruto que somos chamados a dar. 

É isso, um dos desafios da relação com Deus é o de crescer: na fé, no pensar e, sobretudo, no serviço. 


sexta-feira, 24 de outubro de 2014

[Perder o medo de perder-me]




Hideyuki Katagiri


[Secção outros tons] Batia a hora certa. De abandonar-me. Era caso de vida: perder esse medo de perder-me e assim perder o tudo justificar, sem ter de a todos provar que o movimento é o certo. Mede-se pela autenticidade de cada respiro, onde o olhar busca cada som, na força de cada gesto. Entregar-me a mim mesmo. Não sigo um Deus que pede o vazio. Deixo de lado o ajudar forçado, permitindo a hora certa. De abandonar-me. E no silêncio, encontro a liberdade de partir.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Corpo



Elliott Erwitt


[Secção desabafos] Uma das coisas que me ajuda no estudo sobre o Corpo é percebê-lo, no fundo perceber-me, como um todo. Isto vai crescendo na medida em que descubro algo novo [há sempre algo novo a descobrir sobre o Corpo]. Dá-me tristeza quando, ao ler ou escutar sobre este tema, noto que é visto imediatamente como pecaminoso, em vista ao “santo propósito” de encontro com a pureza, ou ao ser-se imaculado diante de Deus. Temas ligados com a sexualidade, em específico com a genitalidade, deveriam ser tratados como um todo e não sob, quase em exclusivo, a capa do bem e do mal. Quando isso acontece, há o sério perigo de voltar a algo que Jesus cortou de forma radical: a distinção entre puros e impuros. A obsessão nesta via do bem e do mal em relação ao corpo acaba por ser muitas vezes reveladora de frustração, de medo, de vergonha, até mesmo de nojo do corpo… ou seja, de si próprio [admitir isto é outra história]. Durante muito tempo, os puros eram os especiais, aqueles que tinham primazia na relação com Deus, estando a um nível superior de intelecto, de espiritualidade, de moral, enquanto os impuros, esses seres carnais, muitos eram escravos dos “puros”, estavam, já se vê, num nível inferior. Isso foi uma heresia, conhecida por gnosticismo, bastante combatida nos primeiros tempos do Cristianismo. Pergunto-me: até que ponto nalgumas obsessões não se vive actualmente um neo-gnosticismo? Recordo que a parábola do juízo final dá atenção ao corpo, sim, mas em nada sobre questões sexuais, apenas na importância que se deu ao outro: no alimentar, no tirar a sede, no vestir (não por razões pudicas, mas de dignidade e protecção), no visitar, no estar… [Cf. Mt 25, 31-46]. Enfim, desabafos…

7 billion others



[Secção homenagear] Ajuda termos amigas [e especiais, sim] em comum. Também a imensa vontade em conversar muito mais do que aquela vez, em noite familiar, junto ao mar algarvio. Desde aí tenho acompanhado o seu trabalho, na busca de melhorar o mundo, no concreto, na acção, pelo humano, pelo verde e pelo afecto que põe nas coisas que faz. A próxima já está a ser preparada, com abertura no dia 8 de Novembro: a exposição sobre os “7 billion others”, no Museu da Eletricidade, em Lisboa. Ana Rita Ramos, obrigado pela tua força em tornares o mundo mais humano. Abraço demorado, com saudades. 


[Mais sobre o projecto: http://www.7billionothers.org/pt/lisboa]

[Mais sobre o trabalho da Ana Rita: https://www.facebook.com/haveanicedayconteudoseditoriais]


quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Vida(s)




“Paulo, são tantas as vezes que pergunto o que é a vida. Passei fronteiras, fugitivo da morte certa. Lembro-me em cada dia da minha família, de como seria se voltasse. Será isso viver? Será o recordar viver? Há dias que é uma merda. Sim, claro, estou a ser apoiado como refugiado, agradeço. Mas há dias que é uma merda. Eles estão lá e eu fugi. Que opção teria? Morrer? Aqui morro aos pedaços.” Regresso a casa, com as palavras a ecoar. Observo o rosto de cada pessoa no metro. Humedecem-me os olhos. Eu próprio sinto-me ridículo. Acendo a vela e vem-me a vontade de gritar muito… muito. Que fizemos? Que fazemos, nós humanos? Sim, há dias que é uma merda. A merda do poder. E vêm as ânsias de liberdade. E junto mais um nome à lista por quem penso, rezo e entrego a Deus. 

Asas




Jodi Cobb

[Secção outros tons]

As asas agitam-se
em cada leitura

de vida, de conto
ou saudade

Basta o perfume,
e voo desvelando.


Inveja, por exemplo.



Ali Hamed Haghdoust


São algumas as vezes que a inveja aflora em mim. Já a senti bastante forte, por exemplo, quando há uns anos um companheiro foi convidado para dar Exercícios Espirituais e eu não. Mais uma vez foi difícil admitir estar a sentir inveja. Claro que, mais ou menos de forma inconsciente, o meu ego ferido dizia que o mal era dos outros que não viam o bom que eu era. Ah, pois, engano meu. Anos depois apercebi-me que, de facto, não estava preparado. Continuo a trabalhar a liberdade interior: admitindo o sentimento, seja de inveja, raiva, ódio, ciúme, de modo a impedir que me controlem. É isso, sigo em caminho… sobretudo para não me enganar a mim próprio. ;)

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

"Messieur-dame on ferme !" [Rituais de Paris]




[Coisas do quotidiano em Paris] Estávamos de conversa, acompanhados pelo Sol de Outono que fazia avivar as cores de fogo e a vontade de passear. Gente e gente por ali, à volta do lago, entre filhos, pais, avós, junto com namoros (fugazes) e leituras final de tarde. Mesmo final… pois começou o ritual de adormecer as folhas por cair, chamando à movimentação geral de novos andamentos: “Messieurs-dame on ferme !”, cantado ao jeito de anúncio do programa de espectáculo de l’Ópera Garnier ou Bastille. Aqui, apenas será a orquestra do vento e o bailado das árvores… em exclusivo para os seres da noite. Esses que despertam depois de todos terem saído.

Diálogo de Corpo


Martin Gallie

[Secção outros tons] Novo momento de encontro. Outro diálogo onde as palavras são gestos, o tacto o principal comunicador. Nessa conversa de corpo, regista-se verdade e interrogações. Daí o silêncio necessário. No final, a serenidade. Não havendo respostas imediatas, há corpo que se deixa ser quem é: uno, amado e amante.


domingo, 19 de outubro de 2014

Entre pensar, quebra de ídolos e misericórdia divina



Jimmi Chin


Não sei se sou exemplo. Sei, sim, que a minha responsabilidade social vai crescendo. A velocidade? Depende dos dias… e, pelo que percebo, dos posts. ;) Fora de brincadeiras, isto de pensar tem que se lhe diga. E pensar a partir da fé, ui, nem se fala. E pensar a partir da fé estando integrado (e muito contente por isso) numa instituição como a Igreja, então é o extremo do muito a dizer, ou, por vezes, ter de ficar calado, naquele silêncio de quem observa e só fala quando chega o momento certo (ou nem isso). Às vezes são contorcionismos interiores, a revolver entranhas. Apesar de tudo, dá muito gozo. Uma das coisas que me ajudou foi perceber que não ando com Deus no bolso. Em tempos achei que sim, que era tão fácil afirmá-lo ao ponto de ser incompreensível como é que havia alguém que não acreditasse n’Ele. Pois… até chegarem as crises de fé, sim, como jesuíta, e desmontarem-se ídolos tão subtis como a “deusa doutrina”, o “deus moralista”, o “deus que faz acepção de pessoas”. Esses momentos são terríveis, duros… e profundamente libertadores. E isto não leva a um laxismo zen, em que tudo vale. Leva à certeza de que absoluto só Deus, que é lento na ira e pleno de misericórdia.

sábado, 18 de outubro de 2014

39 anos [de sim partilhado]



Kátia Viola


39 anos de vida partilhada… celebram hoje a minha Maria e o meu José. No abraço há sempre aquele momento em que o dar e o receber se fundem como agradecimento. O tal passar a ser “uma só carne” que leva à paciência, ao sorriso em conjunto, até mesmo ao silêncio com lágrimas de (in)compreensão. É a complexidade da relação, em que vocês dão o vosso melhor. Como não agradecer este dia? É a minha história também, em dia de S. Lucas, que escreveu sobre a família, a misericórdia, o envio. Com humildade o digo: se ajudo outros a encontrarem felicidade e liberdade, é também graças a este dia e à vossa decisão de dizer “sim” um ao outro, diante de Deus. Queridos Mãe e Pai, gosto muito de vocês! Com carinho, um beijo e um Abraço, Filho. 

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Mundo: pequeno e próximo




E o mundo torna-se tão pequeno. Sim, nas tecnologias, mas também em cachecol étnico de lã “muy chic en verde olivo” ( ;) ), em presépio, em Abraços escritos que chegam do Chile, lá, a muitos quilómetros daqui, em dia de celebrar Vida. Num momento de aconchego, tudo faz recordar muitas conversas de Deus, de arte, de Companhia de Jesus, de chás, de deserto, de gargalhadas, de partilha de vida que se constrói na amizade, na saudade, no ser Irmão. Sim, ser jesuíta é fazer amizade que também se alicerça na oração. E o mundo torna-se tão próximo. 

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Ai trocas de línguas [ou mentes, "qu'enfim"] ;)




I. P.


[Coisas do quotidiano em Paris] Está-se de passeio e repara-se em “publicidades” ou “placardes” que, “prontoS”, é o que dá confusões de línguas… ou mentes, “qu’enfim”, lêem e percebem outras coisas (claro que falo por mim… ;) ).

Homilia de hoje cá em casa



Giovani Cordioli

Quando lemos o 1.º capítulo do livro do Génesis vemos que ao longo dos dias Deus vai reconhecendo que a criação é boa… e depois de criar o ser humano, como homem e mulher, “viu que era muito boa!” Quando se estuda este relato, percebe-se que é “desenhado” de forma minuciosa, chegando ao culminar na criação do ser humano. S. Paulo, na carta aos Efésios, mostra-nos como a partir de Cristo esse momento já era esperado, em que o ser humano é chamado à filiação divina desde sempre. Somos abençoados com todas, repito, todas as bênçãos espirituais em Cristo, e é-nos dado a conhecer o mistério da sua vontade. Deus quer-se fazer presente na nossa vida. Recordo o que Jesus diz no Evangelho de S. João: “não são mais servos, mas amigos”. Há a horizontalidade no amor, nessa entrega a que somos chamados constantemente… e isso, em linha do Génesis, é muito bom.


Claro que o mau orgulho ou o poder mal gerido vão fazer com que uns se queiram sobrepor a outros. Esse poder mal gerido, mal usado, também ao nível da fé ou de sabedoria teológica, vai provocar a separação e Jesus, como se constata, é duríssimo nas suas palavras contra as acções dos Doutores da Lei. Usam a sabedoria em seu benefício e não para mostrar a riqueza de Deus para todos. Afinal, Deus não faz acepção de pessoas, e, ainda recordando a Carta aos Gálatas que temos lido nestes dias passados, a todos nos chama à Liberdade. Se somos profundamente livres, percebemos igualmente a profundidade do Amor. E tal é caminho de vida. Vamos a isso?

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Em dia de Santa Teresa de Jesus




Carlos Cuerdas Damas


[Secção outros tons - Especial Santa Teresa de Jesus] Não havia amor, apenas vestidos nobres plissados em tons singelos, rematados em véu, para enganar a vista religiosa. Escutei novo encontro. Todo o corpo desvelado faz-me entrar porta ante porta, chegando a moradas de união plena, onde os pés, sem se turbar, tocam terra na pobreza e simplicidade que renova todas as coisas. Os títulos títulos nada contam: apenas o desejo de servir Amor. Aí, onde só Deus basta.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

É tempo de silêncio...



Sebastien Levebvre


[Secção outros tons] É tempo de silêncio. A fragilidade da vida está tão perto. Da gratidão ao desejo de recuperação, surgem os movimentos de pensamento e oração. Entrega-se. Confia-se. Recorda-se. Apesar de ir além, a vida é traçada pelos limites biológicos do ser. É tempo de silêncio. A fragilidade da vida está tão perto.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Lista(s)...



Marc Ressang


Ontem, durante a confissão, alguém apresenta uma lista impressionante de pecados. Quando terminou, perguntei: “O que é que gostaria de agradecer na sua vida?” “Como?” “Sim, o que é que gostaria de agradecer na sua vida? Desculpe se me equivoco, mas parece-me que a vê como um fardo… e bem pesado.” Levantou a cabeça, fixou-me o olhar e acenou afirmativamente. Da lista, passámos à conversa e o desabafo adensou-se. Histórias tramadas, é o que é. “A forma como vê a sua vida já é bastante dura e é já a penitência no sentido mais negativo da palavra. Se apresentou uma lista de pecados, pois bem, vai fazer uma lista superior de coisas que faz bem ou que gosta de fazer para seu prazer. Das mais simples às mais espectaculares. Sei lá, passear, ler um livro, dormir mais um bocadinho, ouvir uma música, comprar uma flor para alguém querido. É quase ridículo, sei, mas às vezes é preciso voltar às coisas simples para perceber a importância da nossa vida! Deus é mais simples do que pensamos e é nessa simplicidade que muitas vezes nos dá a Sua graça.”

domingo, 12 de outubro de 2014

Banquete. Vida. Elogios.




João Garcia


[Coisas do quotidiano de um padre] Chamou-me à parte: “Sr. padre, obrigado, muito obrigado pelas suas palavras.” Continuou a desabafar e a elogiar. Eu senti-me estranho, a não querer aceitar o elogio. De vez em quando também surge o arrepio de passagem desse mal de “falsa humildade” de “ai, não, e tal, eu não, podia ser melhor, e não sei quê”. Claro que o arrepio surgiu, mas a humildade (sem aspas e tal qual é) também. É verdade, hoje estava entusiasmado na homilia a falar do banquete e da vida, do quanto somos chamados à Vida… e também ao justo descanso, para podermos continuar a saborear o banquete presente em tanto na vida. E sentiu-se isso, pois foram muitas outras pessoas a agradecer, dizendo o quanto lhes tinha feito sentido o que eu disse. Claro… depois, para não inchar, sim a humildade quer-se no ponto certo, lembrei-me que esqueci-me (oh GOD!) do Credo lá no sítio certo (que rezámos, assim que me apercebi, na forma simplificada antes da oração sobre as oferendas) e que o Pai-Nosso era cantado… ;) É isto, lá continuo a aprender ser padre na vida, no concreto. E é mesmo bom! :D

sábado, 11 de outubro de 2014

Entre voos e olhares



[Secção outros tons] Os voos ficam guardados na pele e não no sentir de outros. Os pequenos de vista dirão histórias de fracassos. É certo. Há olhares reservados a loucos, ou a génios que não se cansam de viajar… entre nuvens, montes, beleza e palavras. 


[Foto: “Retrato de Rapaz” de Mário Cláudio, p. 79. Fiquei parado, neste final de parágrafo, um bom tempo. E escrevi o que aqui partilho.]

Família(s)



Simon Kwan


As pessoas não devem ser formatadas, tal como as famílias não o devem ser. Tenho ouvido por estes lados franceses o grande louvor à “família tradicional”. As imagens pictóricas representativas mostram alegres casais com um filho e uma filha. Claro, se houver mais filhos e mais filhas, melhor. Sou daqueles que gostaria de ter muitos irmãos, mas, por várias questões da vida, sou filho único. Por isso, segundo o “tradicional”, em parte não encaixo no esquema. Vá, tenho as minhas manas, Suzanne e Letinha, muito especiais, sim, tal como muitos irmãos jesuítas. Mas, o que me faz confusão é a apologia do perfeito, também nas famílias… onde, se há, felizmente, muitos casais que vivem profundamente o Amor, também  há muitos outros que vivem sob pressão de violência (e não é só entre os “pobres”), tal como outros ainda que, por exemplo, em nome do status mantém a fachada da “família feliz”. É por isso que este Sínodo faz muito sentido: falar, sem problemas e sem idealismos de perfeição, da realidade complexa, na grandeza e na dificuldade, que é a família, para que se possa ajudar no concreto.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Voem. Voem alto.



Foto e Mural: Eduardo Kobra


Voa. Voa alto. Continua o sonho de ser Mulher. De gerares no teu seio a força da justiça e a garra de dar letras a quem não as tem, convertendo o ódio em paz. Voa. Voa alto. Dando continuidade ao teu trabalho de paternidade a tantas crianças que desejam crescer e saber. Voem. Voem alto. Que os vossos rostos sejam espelho de milhares de outros, chamados a viver a dignidade de aprender. Abracem quem convosco partilha a Paz. Complementem-se na maturidade e na certeza de que, apesar das dificuldades, lutas e riscos, é possível transformar. Voem. Voem alto e espalhem as raízes da humanidade pelo mundo.

Homilia de hoje, cá em casa.



Paraj Shukla

A fé: podemos vê-la em jeito de caminho, de peregrinação, que vai modificando o nosso olhar e o nosso viver ao longo dos tempos. Não é a mesma de ontem e esperemos que não seja a mesma de amanhã. No entanto, como nos diz S. Paulo, é a fé que nos justifica, neste sermos filhos de Abraão… que caminhou, confiou, num abandono que teve perguntas e provas. 

É mais fácil cumprir, ser o certinho, ao jeito do filho mais velho, na parábola do filho pródigo. Contudo, sabemos que a Carta aos Gálatas apela à liberdade. [S. Paulo é forte nas suas palavras.] Não significa tudo fazer, mas perceber que o caminho de encontro com Deus implica muito mais que o cumprir, como alívio de consciência. Não se faz uma apologia da rebelião, mas, sabendo que nem todos viveram (d)a Lei, percebe-se que a fé, que cada qual tem ao seu modo, é o passo do Encontro com Deus. Antes do “fez ou não fez”, é preciso ajudar a pessoa a descobrir-se como pessoa amada. Sim, a fé e o amor vão de mãos dadas… junto com a esperança, num Cristo que expulsa o que nos divide com o dedo de Deus. Podemos errar, podemos falhar, mas temos sempre a certeza que antes da nossa fé em Deus, há sempre a Fé de Deus em nós.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Vento e folhas nas árvores



Kevin Connolly


Passei pelo jardim do Luxemburgo, depois de uma visita no hospital. Escutei o vento sobre as árvores. Recordei uma conversa que tive há anos com um amigo que esteve à beira da partida, depois de um acidente: “Já reparaste, Paulo, na beleza do som das folhas ao vento?” Sim, já tinha reparado, mas desde aquele dia, sempre que ouço agradeço a simplicidade da vida. Tanto que já sei, tanto que já vivi. Muito mais que ainda não sei, muito mais o que ainda está reservado para viver. Tanto a acontecer no mundo, nos corações de tanta gente. Naquele momento, fechei os olhos… e limitei-me a escutar o vento sobre as árvores.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Passagem



César Patrício e Arias


[Secção outros tons] Guarda o nome. A nova etapa não foi sonhada, nem desejada. No deserto, a beleza surpreendente abre o silêncio. Ficar: e o quem sou petrifica-se. A violenta notícia ecoa como monstro. Questões, entre o porquê e o que fazer, conduzem à passagem, pesando os músculos com a ansiedade de futuro. Enfrenta-se a fragilidade, gritando o nome que deu e dá vida. [Entrelaça-se as mãos] Curvando-se, nesse caminhar, aceita-se e transforma-se o corpo e o afecto. Na chegada recebe-se as forças para o combate, em Luz que aquece o abraço a dar.


terça-feira, 7 de outubro de 2014

[Ainda a] Liberdade



Chester Boyes


A propósito do post anterior, perguntaram-me: “Paulo, como consegues essa liberdade?” Obviamente não foi só graças a isto, mas… há coisas de 3 anos, depois de um grande discernimento, percebi em oração, com ajuda de algumas conversas, que estava na altura de dar um passo na minha formação: fazer um caminho de psicoterapia. Na altura senti vergonha, para além do medo de se achar que seria fraco, não sendo sequer capaz de ser “bom jesuíta e bom padre” por necessitar de psicoterapia. Sim, necessitava. E que bom que tive um director espiritual, um Superior e muitos companheiros com muita história de vida que me apoiaram neste caminho, ajudando a eliminar os primeiros fantasmas “vergonha” e “medo”. Foram dois anos, de encontros semanais com a Asún, que me fizeram ir aos infernos de mim, às dores do bullying, à riqueza de quem sou, às feridas, aos desejos, à fragilidade, à força, numa luta de quase corpo-a-corpo com Deus. Também passei (e às vezes ainda volta) pelo orgulho de “ah, agora és especial, pois estás a ser espectacular, corajoso, réubéubéu, pardais ao ninho”. Mais do que coragem, foi mesmo uma questão de perceber algo fundamental: “se a minha vida vai ser ajudar os outros a serem livres, tenho de, com a ajuda de Deus, de companheiros e de alguém preparado para isso, perceber o que se passa no meu caminho de liberdade”. Este foi um grande, enorme passo ou salto de confiança: há mesmo o Paulo de antes e o Paulo depois dos 2 anos de terapia… no entanto, o caminho continua… Deus também convida a isso, ou seja, a não estagnar nesse ser livre.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Loucura [e liberdade]




Jad Chebly


Cada vez mais me convenço que é preciso alguma loucura para encontrar liberdade: diante de mim mesmo, diante dos outros e, até mesmo, diante de Deus. Diante de mim mesmo para permitir conhecer quem sou, sem moralismos, e a partir daí fazer caminho. Diante dos outros: deixar de estar preso ao julgamento de quem não me conhece, podendo manifestar a minha perspectiva da realidade, sem esquecer a escuta humilde de outras perspectivas. Diante de Deus, para perceber o quanto Ele não é paternalista, mas Alguém que deseja o crescimento de cada ser humano [mesmo quando muitos acabam por ficar pequenos… infantis…, pois, isso… é preciso loucura para encontrar liberdade] ;)

domingo, 5 de outubro de 2014

Vida(s)




Escultura: “Árvore da Vida” de Stefan Szczesny


Este fim-de-semana, em particular o dia de hoje, vejo-o a partir da vida: a de Portugal, a de alguém que parte e a da família. 1) Portugal celebra a sua História. Mais ou menos simpática, é a que é. Querer modificá-la ou ignorá-la é, tal como na história pessoal, enganar-se, buscando a inexistente perfeição. Se há podres ou momentos menos felizes, aproveitemos para olhar para eles evitando, assim, de os repetir. 2) Não se fica indiferente quando alguém tão novo parte. Li a oração que Rodrigo Menezes escreveu há dias e é de pensar em alguém que estava em busca. Acredito que já está a viver o encontro. 3) Começou o Sínodo sobre a família. Mais do que mudanças radicais, espero que se escute a realidade, não a partir de abstracções ou idealizações, mas do concreto, aceitando os Sinais dos Tempos para se viver a proposta do Espírito para a actualidade. Na Missa de hoje, em Avignon, rezei pela Vida.

sábado, 4 de outubro de 2014

Dança(s)



Richard de Courson

“Paulo, que te parece dançares enquanto lemos a leitura de partes do “Tombé hors du temps” de David Grossman?” O livro retrata, em forma poética, a evolução do luto… depois do autor ter perdido o filho na guerra israelo-libanesa. Foi no serão de ontem aqui em Aix-en-Provence, sul de França, no encontro de todos os que frequentamos mestrado em teologia e filosofia no Centre Sèvres, em Paris. Antes desta apresentação, um colega jordano partilhou a experiência deste Verão num Campo de Refugiados iraquianos: “É impressionante o sofrimento daquelas pessoas desalojadas, violadas, despojadas!” Concentrei-me e tornei-me eco do conjunto de sentimentos que circulavam nas entranhas. O tema de estudos deste ano é a filiação. Saí da reflexão e entreguei-me, sentindo as diferentes “energias” pela sala. Já há muito que não dançava assim… pode não ter sido fácil, mas foi libertador.


Richard de Courson



Richard de Courson


Richard de Courson



Pedro Pablo



sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Suportar



John Stanmeyer


Tenho andado mais hermético na escrita, preferindo optar por “outros tons”. Também como reflexo das minhas partilhas, têm-me chegado outras de vida que dão que pensar. Não consigo responder com a imediatez da “frase bonita” para consolar. Um bom romance ajuda a mexer as entranhas. Mas, a vida concreta de pessoas concretas pode ser um valente “murro de estômago” que fazem com que as entranhas se amassem… e, mesmo não sendo o meu problema, as dores chegam até mim. E vou percebendo mais um pouco disto da paternidade espiritual. Por um lado, aqui estou para servir, por outro, em muitos casos apenas possível a partir da confiança do suporte divino.