sábado, 11 de novembro de 2006

Vida(s)...

Escrevi este texto, inicialmente, como comentário neste blog! Aqui, é apresentado com uma ou outra alteração.

A nossa sociedade vive de forma bastante epidérmica. Entre outras situações, apercebo-me disso quando vejo o sentimentalismo a ser explorado pelo sim ou pelo não à questão da despenalização do aborto. Por um lado "coitadinhas das mulheres", por outro a exploração das imagens chocantes (mesmo que verídicas) como modo de afirmar um não (isto para me cingir apenas a estes dois exemplos). Infelizmente, deixamo-nos enredar pelo mais fácil e/ou agradável/desagradável, nestas situações bastante complexas.

Vou votar não, apesar de achar que a pergunta está perfeitamente indicada para o sentimentalismo (da liberdade de opção, dos direitos da mulher, etc. etc.) votar no sim! Se fosse votar, sem ter pensado minimamente no assunto, deparar-me-ia com uma pergunta à qual responderia sim, sem qualquer sombra de dúvida.

No entanto, pergunto: será que este é um tema de um simples sim ou de um simples não? Eu digo sim à vida e não à condenação das mulheres. A mulher que decide levar uma gravidez por diante deve ter todo o apoio da sociedade. Muitas vezes o problema não é a gravidez em si, mas o que rodeia a mulher no antes, no durante e no depois da gravidez. Por exemplo, questões sociais, falta de recursos económicos, do apoio familiar, solidão, problemas de foro psicológico, por aí fora…

Será que uma pessoa deve ser condenada porque engravidou? De todo que não. Será que deve ser condenada porque abortou? Também não. O que a levou ao aborto poderá ter sido uma pressão muito grande (da sociedade, dos pais, do parceiro, etc.), mas isto não é justificação para que o aborto seja legalizado. Infelizmente, está-se a tentar resolver vários problemas com uma solução simples e fácil, o aborto. De facto, socialmente falando, é mais simples abortar, algo que acontece por um curto espaço de tempo numa sala de operações. Ajudar uma mulher que decidiu ser mãe, a nível económico, social, até mesmo psicológico é bastante complicado e duradouro. Percebo que os cofres do estado não o possam suportar...

Já agora, será que um zigoto é apenas um “amontoado de células”? A meu ver, não me parece. A biologia não pode dizer o que é ser pessoa, o que é ser humano, precisamente por ser uma definição que abrange vários níveis (relembrar que ao longo dos tempos muitas foram as alterações da definição de humano).

Dois exemplos: a semente ainda não é uma árvore, no entanto toda a árvore está lá se a deixarem desenvolver. O “amontoado de células”, de facto, não tem aspecto/definição de humano, mas toda a essência de ser humano está lá. Todas as capacidades estão contidas no tal “amontoado de células” e serão reveladas ao longo do desenvolvimento. Ninguém é adulto antes de ser criança, antes de ser recém-nascido, até mesmo antes de ser um zigoto. Se olharmos apara nós apenas biologicamente também somos um “amontoado de células”, será isso que nos garante a humanidade, enquanto seres?

5 comentários:

  1. e uma celula e' formada por um amontoado de atomos e um atomo e' formado por um nucleo com electroes a girar 'a sua volta, e todos eles a distancias quantizadas rodeadas por vazio, na forma de um atomo 'a mais vazio do que propriamente materia, e os atomos de que somos constituidos estao numa tabela, sao os mesmos que formam as borboletas, o cao la' de casa, a pedra da mesa da sala, o ar que respiramos, os planetas e o sol que nos aquece... e o ser humano tem apenas algumas dezenas de milhares de anos nesta historia toda.... as coisas que vemos sao coisas... constituidas por outras coisas...

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  2. Feltro, o que dizes subscrevo. Somos constituídos por tudo isso. Em termos atómicos nada nos distingue de tudo o que está presente no Universo. Bem, talvez uma ou outra coisa, ainda a nível atómico, tendo em conta que matéria conhecida corresponde a pouco mais que 5% da matéria total existente. A famosa "matéria escura", a especificidade do buraco negro, and so on, são realidades que ainda não estão determinadas.

    Bem, mas então o que é que nos distingue da borboleta, do cão, de um planeta, ou até mesmo uns dos outros? Está visto que se seguirmos pelas ciências duras, de raiz, nada nos distingue. Afinal a concepção antropológica de pessoa não pode advir apenas da biologia (até mesmo da química e da física). Se seguirmos por aí (e já estivemos mais longe), teremos um "ser humano" fabricado. Isto para quê? Para termos os melhores seres humanos com capacidades de uma maior produção. Para quê? Para um maior desenvolvimento económico. Para quê? Para termos mais "coisas", seja lá o que for. Para quê? À partida, para sermos mais felizes... Quem? Todos ou alguns? Pois, apenas alguns é que estarão satisfeitos, não felizes: os que controlam os "seres humanos" fabricados. Não é ficção científica, é já, infelizmente, o que já se vai pretendendo (e não só nos chamados países subdesenvolvidos). O que vale, a meu ver, é que o ser humano dos nossos dias, por ainda não ser fabricado, mas criado, pode encontrar sentido mesmo nas condições mais adversas... A ciência não resolve os problemas do mundo, é, tal como outras vertentes da humanidade, um contributo (e grande, reconheço-o) para a tentativa dessa resolução...

    E com isto parece que nos desviámos da questão do aborto. Nem por sombras... É um contributo para vermos o quão complexa a questão é. Não se resolverá nem com um simples sim, nem com um simples não! Há muitas outras questões de fundo...

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  3. "Não se resolverá nem com um simples sim, nem com um simples não." Obviamente. É em situações como estas que nos é tão complicado ser humanos. Ter de decidir. Ter de escolher...

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  4. Acho que tocas no ponto mais importante quando afirmas que "Muitas vezes o problema não é a gravidez em si, mas o que rodeia a mulher no antes, no durante e no depois da gravidez". E aí, tanto o sim quanto o não são fechares de olhos a situações em que há défices de solidariedade, em que o aborto acontece por culpa nossa, não da mulher que aborta.

    Como dizes, "De facto, socialmente falando, é mais simples abortar, algo que acontece por um curto espaço de tempo numa sala de operações. Ajudar uma mulher que decidiu ser mãe, a nível económico, social, até mesmo psicológico é bastante complicado e duradouro."

    Quanto à discussão sobre a dignidade humana do zigoto, não sei por onde alinho. Mas se tivesse de escolher entre salvar um (ou dez...) zigoto(s) ou um velho de 80 anos de um hospital que estivesse a arder, não hesitava em tirar o velhito de lá...

    Por outro lado, se alguém quisesse abortar um nasciturno de 6 meses, quem não ficaria chocado?

    A discussão do momento não é se queremos nenhum aborto ou o aborto em qualquer caso. Isso deve facilitar a discussão, porque não permite grandes radicalismos (aliás, compreensíveis).

    Penso que será honesto admitir que o zigoto é de proteger, mas possivelmente também não é exactamente o mesmo que uma pessoa que ande já cá fora. Nesta perspectiva, mais despenalização parece-me descurar a protecção ao zigoto.

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