terça-feira, 2 de março de 2021

Sombra. Arrependimento. Luz


Carmo Sousa Lara


[Secção pensamentos soltos sobre vida] Atravessar as sombras, os meandros pouco simpáticos da vida, do que se fez ou faz que nos desajusta do lugar a que somos chamados é difícil, exigente, por vezes vergonhoso, sendo mais fácil arranjar justificações que impeçam a limpidez do ser. O caminho humano, que acarreta o racional, relacional, psicológico e espiritual, é de evoluirmos até ao divino.


O divino não é estar acima de nada, nem ninguém. É ser pleno. Com a consciência, como o Papa Francisco tantas vezes diz, de passar da miséria à misericórdia. Embater de frente com a miséria humana, na baixeza dos valores, ou pelo menos a possibilidade de a ela aceder, na perspectiva de enfrentar Satanás no deserto, é passo necessário de arrependimento. Os actos feitos não se apagam. Não se muda o mal feito. A beleza, sim, beleza, está na evolução, na escuta do Espírito que nos acompanha na travessia das sombras, a olhar com objectividade, clareza, lucidez para os actos cometidos. Há um contexto. Entre emaranhados de sentires, desejos, dores, feridas, articulam-se apedrejamentos dados e recebidos. Sem perdão, todos perdem. Todos perdemos. O arrependimento não apaga o acto. E talvez se se voltasse atrás repetir-se-ia o que foi. Não se tratam de saltos quânticos no “se soubesse o que sei hoje não faria”. O tempo não é cronológico, mas existencial. Cada pessoa tem os seus passos de vida e libertação. O arrependimento ao longo desse tempo existencial reformula a frase: “com o que sei hoje não posso voltar a fazer”. 


É tão forte quando damos espaço à luz. A sombra passa a ser uma aprendizagem de aprofundar a misericórdia. O perdão, como cura da memória, leva-nos ao divino e todos ganham. Todos ganhamos. É o sentido da Quaresma: encaminhar-nos até à Luz Pascal. Por outras palavras: à Vida.


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