[Secção pensamentos soltos em dia da Memória das Vítimas do Holocausto] Nos meus tempos de estudo em Paris tive oportunidade, a convite de Teresa Salado, de participar numa conferência na UNESCO sobre o Holocausto. Foi a primeira vez que estive diante e numa breve conversa com dois sobreviventes desses campos de concentração. Não era a leitura de testemunhos escritos, mas estar olhos nos olhos com rostos que atravessaram o horror. Algo da vida muda.
Muitas vezes reduz-se a educação ao conhecimento intelectual. É importante, mas não tudo. Conhecer alguém que relata a experiência em primeira mão, transforma qualquer idealização da realidade em algo novo. Pode não haver uma transformação radical, mas dá-se luz ao caminho de humanidade. Há pessoas intelectualmente brilhantes, mas que pela sua acção nota-se que falta conhecer e deixar-se interpelar desde as entranhas por histórias concretas. O outro deixa de ser uma idealização, um conceito, uma abstracção ou até mesmo uma generalização para passar a ser alguém. E as pessoas não se conhecem por ideias, mas em partilha de vida. Para isso tem de haver disponibilidade de coração na escuta. Por interesses políticos, em diplomacia, faz-se o papel de atenção, instrumentalizando-se pessoas. A Memória, por exemplo deste dia, mostra-nos que aconteceu, não de de um dia para outro, mas na sucessão de vários factores, onde se incluía a crise social, o descontentamento, a divisão entre bons e maus, aproveitando isso para jogos de poder, terminando em abominável segregação e morte de milhões de pessoas desconsideradas como impuras e indignas. O adubo da ideologia foram, literalmente, cinzas de rostos concretos.
É natural que possam surgir a dor e a zanga. Mas, o ódio não se combate com ódio. A inteligência intelectual e emocional bem vividas e trabalhadas humanizam, anulando esse ódio desde o amor. Amar ante o horror é difícil, mas são muitos os sobreviventes, como os dois que escutei, que atravessaram o inacreditável a partir da luz desse amor que não se apagou. Que este dia da Memória nos recorde o que não queremos repetir e que inteligente e humanamente se ponham os meios para o Amor.
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