sexta-feira, 10 de agosto de 2018

É tempo de acompanhar.



Pedro Nunes/Reuters

[Secção pensamentos soltos] É difícil escrever dentro da complexidade do que acontece ante um incêndio de grandes dimensões. Rapidamente exigem-se responsabilidades, apontando dedos e acusações. Ao mesmo tempo, dá-se o louvor e a gratidão a quem está no terreno a apagar o fogo. Entrecruzam-se ainda as críticas, os comentários, “fez”-“não fez”, “disse”-“não disse”, etc. etc. etc. O diálogo entre a razão e a emoção difere muito dependendo de quem e de como se está a viver a situação: para muitos é “uma” casa, para os que estão em vias de a perder é “a” casa; para muitos é “um” animal, para quem sempre viveu com eles como sustento ou companhia, são “os” animais; para muitos, estando a centenas de metros ou quilómetros, sem qualquer relação afectiva directa, é relativamente simples comentar com racionalidade e “ponderação” o que se está a viver; para quem está a escassos metros, sem bombeiros à vista, a adrenalina diminui bastante a capacidade de pensar, entrando-se em reacção de sobrevivência que, sim, pode significar querer salvar “a” casa, ou seja “a” vida. Será necessária distância para agradecer as evacuações forçadas, mesmo com ameaça de acusação de “desobediência civil”. Tal como a outra distância igualmente necessária para se perceber que a vida, sem ser no sentido puramente biológico, não se reconstrói no simples “a vida continua” quando se perde tudo. É precisa ajuda material e humana, nesse sarar feridas físicas e de alma. A Serra perdeu vida. Muitas e muitas pessoas perderam vida. Talvez com exagero, reconheço, todos perdemos vida em cada incêndio. Percebe-se a importância de cuidar. E, não, não é só das florestas, mas também da linguagem e uns dos outros. Para milhares, a vida continua… e já está. No entanto, muitas pessoas entraram em luto. É tempo de acompanhar.

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