segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Carta a Ieshu, o Menino Deus




Joseph Anthony

Depois de ter celebrado a Missa do dia de Natal no Carmelo de Fátima, onde mais uma vez rezei o abecedário e assim mencionar todos os nomes diante do Menino, partilho a homilia/carta a Ieshu, em Menino Deus, lida à luz de uma vela na Missa do Galo. Bom, Feliz e/ou Santo Natal a todos os que por aqui nos vamos encontrando. Que a Luz do Menino vos ilumine todas as sombras.

Carta a Ieshu, em Menino renascido.

Menino Deus, há dois anos sussurrei-te uma carta, em noite bendita de luz. Volto a fazê-lo. Entre milhares de mensagens, mails, posts, escritos por esse mundo fora a desejar um bom, santo ou feliz Natal, pensei em sussurrar-te novamente uma carta suavemente iluminada, ajudando-me a focar no essencial: Ieshu, Jesus, bem-vindo! Ou serás tu que nos dás as boas-vindas à divindade humanizada com o teu primeiro respiro de presença?

Ano após ano voltamos a este mistério de redescobrir o teu nascimento. Poderás ser todo-o-poderoso, vendo-te, assim, frágil, pequeno, a entreabrir os olhos diante da luz dos pequenos luzeiros da noite, aconchegado no regaço da tua mãe que te afaga a pequena mão? Que beleza grande acompanhar-te nessa pequenez que só os grandes de coração conhecem, como a tua mãe, Maria, como José, teu pai, que abrasado de confiança defendeu-te em amor no desconhecido desde o anúncio.

Coincidentemente, este ano de 2017 junta Anunciação e Nascimento quase no mesmo dia. Em poucas horas, repassámos a força da Encarnação na Anunciação, no sim que permite alterar todo o curso da história, até ao teu nascer. “Faça-se em mim a tua palavra”. A Palavra, que a tua Mãe acolheu, és tu. A Palavra que José defendeu de toda a humilhação, até mesmo da possível morte por apedrejamento, és tu. Tu comunicas a mudança de coração que nos permitirá colaborar com cada gesto teu de humanidade. Não são acontecimentos piedosos, de elevação de olhos. São acontecimentos humanos, de fé, encarnados em confiança, levando a baixar o olhar para a tua fragilidade envolta de panos, amor, cheiros intensos e reconhecimento de quem está fora de toda a lógica.

Passando a ansiedade de dias anteriores, o teu nascimento revela oportunidade de rever toda a história pessoal. Como nascer de novo? Dirás a resposta daqui a uns tempos a Nicodemos, ou a cada um de nós, nesse desejo de nos deixarmos iluminar pela tua Vida, como estrelas que só podem brilhar mais forte em noite amada. Amar as entranhas da própria vida, reconhecendo que a miséria humana é lugar de Deus. Não para lá ficar, mas para resgatar todo e qualquer ser humano que se permita o amor.

Há dias, nesta comunidade, fiquei a ecoar com duas perguntas: Onde estás? e Quem és tu? Duas perguntas que nos levam a situar na existência a partir de ti. Nestes tempos, estamos muito influenciados por uma sociedade que nos obriga a despersonalizar em nome de aparências de força, de poder desmedido, de felicidade estonteante a todo o momento, a vidas glamorosas em constante comparação. Onde estará cada um nós quando olha para a tua fragilidade? Quem será cada um de nós quando se vê e sente amado pelo teu olhar? Estas respostas apenas poderão ser dadas no silêncio da contemplação e no gesto de amor ao próximo como a si mesmo.

Silêncio. Como qualquer bebé, recordas-nos a importância do silêncio para podermos acolher a Palavra com sentido. Não em ruídos incessantes, de músicas, notícias, publicações indiscriminadas em redes sociais que agridem, cospem, matam, humilham. Maria e José, teus pais, sabem bem o que isso é. A injustiça do mal-entendido acompanhou-te o desenvolvimento no útero. Essa injustiça ainda continua a fazer tanto dano. Por isso, a certeza do que tudo o que viveste e viverás é sinal claro de podermo-nos confiar a ti por cada momento da nossa vida. As respostas que buscaremos desde as nossas entranhas a esse ser e estar de nós mesmo, podem ser dadas esta noite no silêncio dos nossos corações para que, iluminadas, sejam adubo de existência renascida contigo e em ti.
Ieshu, Jesus, sei que a noite é de silêncio e recolhimento. Mas, como em cada ano, os pastores chegam até ti. Os pastores são os esquecidos que congregam todos os outros esquecidos e rejeitados deste mundo do qual queres pertencer. As respostas que cada um busca às tais perguntas de onde se está e quem se é, depois de iluminadas, tornam-se luz para quem não é visto, para quem é esquecido. As nossas vidas contigo tornam-se dádiva como tu. Dádiva de pão e de justiça. Tu, o Menino da Paz, és a resposta a todas as profecias que anunciam tempo novo. Por isso, este novo nascimento não nos pode deixar indiferentes às misérias e injustiças do mundo. Tantas pessoas em solidão, abandonadas por esse mundo. Tantas pessoas que não conseguem encontrar a alegria da festa, pela doença ou ausência de alguém querida. Tantas pessoas que este ano que passou perderam a vida, perderam gente e perderam bens de sua sobrevivência em incêndios criminosos. Provavelmente perderam a fé. Provavelmente seremos nós, em mãos abertas graças a fé em ti, que lhe daremos uma subtil luz na esperança de que possam retomar o caminho com ânimo.


Ieshu, Jesus, em Palavra renascida, em carne que não cansa de divinizar a humanidade, nesse teu silêncio de Menino, recorda-nos a delicadeza e autenticidade de criança. Assim, que as nossas respostas diante de ti se revistam de silêncio que acalma ruídos, de luz que ilumine todas as sombras, de palavra que dêem vida. Menino Deus, nesta noite e em todas as noites, não te canses de nascer em todos os corações dos que se inquietam, dos que amam e dos que pelo menos têm o desejo de desejar amar. Amén.

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