quinta-feira, 14 de julho de 2016

Inferno | Vida




Konstka Lincola

- Como atravessamos o inferno, P. Paulo? Diga-me?
Foi numa daquelas conversas em que senti as entranhas revolverem. As perguntas surgiram em grito, com muitas lágrimas a acompanhar. Eram muitas as ataduras que envolviam a pessoa, que já acompanho há algum tempo, numa história marcada por rejeição, culpa, violência... tudo num silêncio sufocante.
- Dê-me a mão.
Pusemo-nos de pé.
- A quem e como gostaria de dizer o que conta? Ou, melhor, o que gostaria de fazer a essas pessoas?
Estranhou as perguntas. 
- Obviamente que o vai fazer aqui, em local protegido, com alguém que não vai julgar os gestos ou as palavras, é para ficar neste espaço. O sofrimento está aí a latejar para sair. Todo o corpo fala, preparando-se para libertar pesos antigos. Que dizem essas mãos? Esses pés? 
Emocionei-me ao ver como aos poucos deixava-se falar em corpo da raiva contida. Foram uns largos minutos de luta. Apesar da exaustão, esboçou um tímido sorriso.
- É isto atravessar o inferno?
- Não... Há muito que o atravessava e estava a apoderar-se de si. Já era tempo de começar a sair dele. Não se fique pelo vislumbre da porta. Como sabe, houve muito caminho prévio e ainda há outro tanto a fazer. 
- E Deus?
Apontei para a pintura de Cristo na cruz que tenho no gabinete.
- Deus faz caminho consigo. 
Já à noite, recebo uma mensagem: "P. Paulo, a vida vale a pena!" 
E agradeci.


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